Espiritualidade e Sociedade





Raimundo Wilson Morais

>    Allan Kardec: Pedagogia e Método

Artigos, teses e publicações

Raimundo Wilson Morais (1)
>   Allan Kardec: Pedagogia e Método (2)

 

“Todas as ciências se encadeiam e se sucedem numa ordem racional; elas nascem umas das outras, à medida que encontram um ponto de apoio nas idéias e conhecimentos anteriores.” (3)

 

Pedagogia e método são termos fundamentais para quem quer se dedicar ao estudo do Espiritismo. Se consultarmos o dicionário, veremos que um significado possível para a palavra pedagogia é: teoria e ciência da educação e do ensino. A palavra método, por sua vez, tem um significado que abrange não só as noções de meios e fins (caminho), mas, indo além desse conhecimento, liga-nos às noções de ordem, regra, sistema, procedimento, etc. Essas acepções nos remetem à idéia de ensino, ou melhor, de ensino e aprendizado.

Nas casas espíritas que mantêm Curso de Médiuns, ou Curso de Educação Mediúnica (chamada antigamente de Escola de Médiuns), os dirigentes desses cursos vivem, dia a dia, a experiência de um ensinar e aprender constantes, a lhes mostrar as crianças espirituais que somos todos nós. É o defrontar da religião com a ciência: nesse espaço, conhecimento teórico da doutrina espírita é condição necessária, mas não suficiente, porque há todo um aprendizado que é feito in loco, caso a caso. Para isso, é preciso crer.

Infelizmente, no meio espírita, não se dá real valor aos Cursos de Médiuns: ou ele é tratado como continuação natural de uma Escola de Aprendizes do Evangelho, ou como uma espécie de aperfeiçoamento da parte técnica da Doutrina. Também não há pesquisas nessa área, como se elas não fossem do interesse das próprias casas espíritas. Como resultado, estamos assistindo a uma espécie de tomada de posição por parte dos dirigentes de cursos. Temos aqueles que acreditam no fenômeno em si, e não procuram aprimorar seus conhecimentos: preparam alunos crédulos, sem base. E temos dirigentes que, por um suposto cientificismo, rejeitam os fenômenos que lhes caem às mãos: preparam alunos sem fé, incapazes de entender o que existe de maravilhoso na mediunidade.

Em se tratando de mediunidade, ortodoxia é má conselheira. Provamos que desconhecemos Kardec, se não aceitarmos que “duas forças regem o universo: o elemento espiritual e o elemento material; da ação simultânea desses dois princípios nascem fenômenos especiais que são naturalmente inexplicáveis, se se faz abstração de um dos dois...”
(4) Cada caso é único, cada médium um mundo próprio.

A preocupação do mestre lionês em comunicar-se eficazmente já se nota desde as primeiras páginas de “O Livro dos Espíritos”. Ao insistir na compreensão do que é a alma, ou na justificativa para a introdução dos neologismos (para uma coisa nova, um nome novo), Kardec já antevia o quão difícil seria convencer a posteridade do caráter científico do Espiritismo. É por demais óbvio que uma tarefa de tal envergadura necessitava de alguém com grande conhecimento da ciência de sua época e, mais que isso, com preparo para passar esse conhecimento. Quem melhor que Kardec, um educador comprometido com uma nova pedagogia, aprendida com Pestalozzi?

Escrever “O Livro dos Espíritos” em forma de perguntas e respostas foi uma decisão adrede preparada, para facilitar a compreensão de temas tão complexos. Quem melhor que um professor para a transmissão da nova revelação? O próprio Kardec tinha bem a consciência do papel a desempenhar: “Qual é o papel do professor diante de seus alunos, senão o de um revelador? Ele lhes ensina aquilo que não sabem, o que não teriam tempo nem possibilidade de descobrir por si mesmos, porque a ciência é obra coletiva dos séculos e de uma multidão de homens que trouxeram, cada um, o seu contingente de observações, e das quais se aproveitam aqueles que vêm depois. O ensino é, assim, na realidade, a revelação de certas verdades científicas ou morais, físicas ou metafísicas, feita por homens que as conhecem a outros que as ignoram e que permaneceriam ignoradas, se assim não fosse.”
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Em todas as obras de Kardec é claramente perceptível o esforço feito para nos transmitir os assuntos de maneira didática (didática, aqui, no sentido de utilizar uma técnica eficaz de ensino, arte de ensinar): parecem até ingênuas, em certas ocasiões, as repetições de alguns conceitos, ou a insistência em fixar algumas premissas. Na verdade, é nessas ocasiões que Kardec revela toda a sua genialidade, e o quanto permanece atual. Nos dias de hoje, um trabalho que busque legitimação na área científica tem que dizer a que veio, que hipóteses está levantando, quais as justificativas e procedimentos adotados. Kardec não deixou por menos: em pleno século XIX escreveu, com toda a clareza, que o Espiritismo “aplica o método experimental... é uma ciência da observação e não o produto da imaginação” e que “As ciências não fizeram progressos sérios senão depois que os seus estudos se basearam no método experimental; mas acreditava-se que esse método não poderia ser aplicado senão à matéria, ao passo que o é igualmente às coisas metafísicas.
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É pena que a esse conjunto de afirmações de Kardec não se dê a importância que merece: evitaríamos muitos problemas em nossas casas espíritas, que passam pelo misticismo, fatalismo e extravagâncias que nada tem a ver com a Doutrina. Quando tais tipos de conduta não encontram oposição fundamentada por parte dos dirigentes de Cursos de Médiuns, a casa tende a se afastar da essência do trabalho sério, feito com conhecimento. Em nome desse conhecimento, todo dirigente de curso tem por obrigação estudar Kardec com afinco.

Por tratar da parte prática, técnico-científica (ou fenomênica, se preferirem) do Espiritismo, “O Livro dos Médiuns” revela, desde sua primeira página, a preocupação do Codificador com o estabelecimento das premissas, as argumentações, o desenvolvimento das explicações para os fatos e as refutações necessárias: é o pedagogo explicando a mais pura ciência. E por se tratar de ciência, foi mister estabelecer as bases, fora das quais não caberia continuar a discussão: “Seja qual for a idéia que dos Espíritos se faça, a crença neles necessariamente se funda na existência de um princípio inteligente fora da matéria. Essa crença é incompatível com a negação absoluta deste princípio.
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É neste ponto que quero chegar. Num trabalho acadêmico, por exemplo, minhas conclusões se verificarão mediante a aceitação de determinadas condições estabelecidas a priori. Em outras palavras, derrubadas as premissas, minhas conclusões poderão ser falsas.

No meio espírita, vez por outra me encontro diante de temas para os quais as pessoas se perguntam: “Isto é ciência ou religião?” No meu modo de ver, alimentar esse tipo de discussão é recusar o princípio da indivisibilidade entre os elementos material e espiritual, premissa para ler “A Gênese”. Grassa no meio espírita a idéia de que é possível sermos espíritas de modo “científico”: se essa afirmação é feita por um dirigente de Curso de Médiuns, a distorção das palavras de Kardec atinge aspectos de maior gravidade, porque esse dirigente convive com o lado fenomênico da mediunidade, cotidianamente.

Em lógica elementar, para se discutir uma coisa, preciso se faz conhecê-la...”,
(8) é o que nos assevera o Codificador. Se o ponto de partida é a existência da alma, torna-se incoerente nos dizermos espíritas e ao mesmo tempo buscarmos a justificação científica da existência dela. Creio que isso se resolve a partir da leitura do Capítulo III de “O Livro dos Médiuns”, intitulado “Do Método”, o qual considero a leitura definitiva não só para dirigentes, mas para os médiuns em geral. Todos os argumentos de que necessitamos para a compreensão dos fenômenos mediúnicos estão ali, sem subterfúgios.

É nosso dever procurar uma base racional para explicar os fenômenos espíritas. Entretanto, não temos o direito de negar autenticidade aos fenômenos que não são passíveis de constatação através de nossos sentidos, pela simples razão de que os espíritos não estão à nossa disposição, nem têm obrigação de nos prestar contas. “Se houvéssemos de somente acreditar no que vemos com os nossos olhos, a bem pouco se reduziriam as nossas convicções.
(9)

Aceitam-se como válidos, no meio científico, os processos de argumentações e teste de hipóteses, muitas vezes baseados em dados estatísticos questionáveis. Em suma, é válido o método que se utiliza da persuasão através dos processos de explicações e/ou das experiências. Por qual razão – pergunto – o método de Kardec encontra objeção na área da Ciência ? Vejamos o que afirmou o mestre de Lion: “Não se espantem os adeptos com esta palavra – ensino. Não constitui ensino unicamente o que é dado do púlpito ou da tribuna. Há também o da simples conversação. Ensina todo aquele que procura persuadir a outro, seja pelo processo das explicações, seja pelo das experiências.
(10) Impossível ser mais claro ! Se o método é válido, é válido sempre: não há como criar uma dupla conceituação de método, valendo uma para fenômenos ditos “científicos” e outra para fenômenos que, por serem da área do Espiritismo, são ditos “religiosos” ou - para voltar ao século de Kardec - metafísicos.

Quem quiser entender realmente o porquê da preocupação de Kardec com o método e qual a razão de o mundo espiritual se utilizar de um espírito encarnado envolvido com a Pedagogia, leia o que vem depois das afirmações citadas no parágrafo anterior. Duas delas são fundamentais, em se tratando de “fazer ciência”, e é com elas que me despeço dos caros leitores. Muita paz a todos ! Que Jesus nos abençoe, hoje e sempre!

1a) “No Espiritismo, a questão dos Espíritos é secundária e consecutiva; não constitui o ponto de partida. Este precisamente o erro em que caem muitos adeptos... Não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, o verdadeiro ponto de partida é a existência da alma.”

2a) “Todo ensino metódico tem que partir do conhecido para o desconhecido. Ora, para o materialista, o conhecido é a matéria: parti, pois, da matéria e tratai, antes de tudo, fazendo que ele a observe, de convencê-lo de que há nele alguma coisa que escapa às leis da matéria... Falar-lhe dos Espíritos, antes que esteja convencido de ter uma alma, é começar por onde se deve acabar, porquanto não lhe será possível aceitar a conclusão, sem que admita as premissas.”
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[1] Este artigo foi escrito com o objetivo de aprofundar a reflexão em torno de um antigo tema, qual seja, o da ciência versus religião, visto a partir da obra de Allan Kardec.
[2] O autor, Raimundo Wilson Santos Duarte Morais, é dirigente de Curso de Médiuns e do Centro Espírita Discípulos de Jesus, da Aliança Espírita Evangélica. Cursou a Universidade de São Paulo (graduação e licenciatura plena).
[3] Kardec, A. – A Gênese – Capítulo I – Item 17 – São Paulo, Ed. LAKE, 17a edição, outubro de 1 990, p.17.
[4] Idem, idem – Introdução à 1a edição publicada em janeiro de 1868, p.7.
[5] Op. cit. - Capítulo I – Item 4, p. 11
[6] Idem, ibidem – Item 14, p. 16
[7] Kardec, A. – O Livro dos Médiuns – Primeira Parte – Capítulo I – Item 1 – Rio de Janeiro, FEB, 58a edição, junho de 1 991, p. 17
[8] Idem, idem, ibidem – Capítulo II – Item 12, p. 28.
[9] Op. cit. – Idem – Item 17, p. 34, in fine.
[10] Idem, idem – Capítulo III – Item 18, p. 36.
[11] Idem, idem, ibidem, pp. 36-37.

 

Fonte: http://www.omensageiro.com.br/artigos/artigo-156.htm

 



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