Uma frase que ficou
célebre no Movimento Espírita é a de Emmanuel,
quando afirma que a maior caridade que se pode fazer com relação
ao Espiritismo é divulgá-lo. Pois bem. Embora
entendamos que o Espiritismo por si só não depende da
"caridade" dos homens, já que tem vida própria
e caminha com os seus seguidores e apesar deles, é óbvio
que devemos pôr a Luz no velador, para que ilumine a todos.
A grande questão é discernir qual a melhor maneira de
o fazer. Os que se dispõem a propagá-lo devem agir com
muita prudência.
Infelizmente não é o que se vê por aí.
No afã de serem caridosos para com a doutrina, muitos
irmãos descuidados deturpam o caráter sóbrio
do Espiritismo, transformando-o em um produto que deve ser consumido
pelos atordoados seres viventes neste planeta. Acham que
é suficiente publicar um jornal com o rótulo Espírita
para justificarem-se perante Deus. Assim, toda novidade ou
coisa fantástica é logo posta em evidência, sem
a menor cerimônia. Às
vezes é preferível não divulgar nada a fazê-lo
em prejuízo da causa.
Vejamos como tem sido a promoção da divulgação
do Espiritismo: temos centenas de jornais e algumas revistas circulando
no Movimento. Será que prestam um serviço ou um desserviço
à causa? Qual é, no geral, o estilo das publicações?
A que tipo de público são dirigidas? São perguntas
que devemos nos esforçar para responder, pois de suas respostas
dependerá a nossa alegria ou a nossa tristeza em ver também
periódicos ao alcance do público leigo. Sim, porque
já podemos comprar livros, revistas e outros jornais nas grandes
livrarias e bancas. Qualquer irmão se sentiria feliz em ver
a amada doutrina ao alcance de todas as gentes. Mas que seja apresentada
pura e bela como é, sem distorções.
É necessário que se leve
o Espiritismo "in natura" ao povo, ou seja, de forma simples
e responsável. Pode ser que a grande massa,
tão afeita às frivolidades destes tempos, não
venha a se interessar pelas conseqüências morais do Espiritismo,
pois são poucos os que se dispõem a uma mudança
de comportamento. Neste caso, podemos estar tranqüilos, pois
o problema não estará na divulgação, mas
nos homens. Já não ocorre o mesmo se a mensagem for
transmitida de forma errada (*).
Por isso os responsáveis pela
edição dos veículos espíritas de comunicação
devem imbuir-se do espírito do próprio Codificador,
evitando que se leve à publicação matérias
insossas, piegas, fantasiosas e irracionais. Insossas
porque muito do que se escreve nada acrescenta, nada esclarece e nada
edifica. É o sal insípido. Piegas porque, como se refere
o dicionário do Aurélio, "é ridiculamente
sentimental", apelando para a emotividade ingênua
de almas frágeis. Fantasiosas porque aparece cada coisa escrita
ou falada que nem os cineastas americanos conceberiam. Finalmente,
irracional porque os adeptos da fé raciocinada, infelizmente,
ainda são poucos, sendo óbvio que ninguém pode
dar o que não tem.
Voltemos, agora, às questões levantadas linhas atrás.
Que tipo de público se pretende atingir? Bom, se for um público
desesperado, angustiado, deve-se abordar com ênfase o aspecto
religioso do Espiritismo, com todas as esperanças e consolações
que Jesus e a Doutrina oferecem. Se a idéia é atingir
aos cépticos, deve-se aprofundar nas argumentações
e fundamentações lógicas acerca das questões
filosóficas. Agora se o desejo é arrebanhar ovelhas
de outro aprisco, melhor é que se pense um pouco mais, pois
Kardec afirmou que o Espiritismo não é dirigido
àqueles que têm uma fé religiosa e a quem esta
fé satisfaz, mas sim aos que não crêem em nada
ou que duvidam. Somente este entendimento seria suficiente
para se evitar muitos inconvenientes.
Agora, falando de divulgação, devemos ter a consciência
de que, independentemente das publicações, cada
um de nós pode ser um bom ou um mau divulgador do Espiritismo.
Se agirmos conforme pregamos, ou seja, se no dia-a-dia nos posicionarmos
coerentes com a sã doutrina do Cristo, respeitando as convicções
alheias, tolerando indivíduos difíceis, fazendo o que
o samaritano fez, estaremos sendo bons divulgadores não somente
do Espiritismo, mas do Bem. Ao contrário, se agirmos perante
o mundo como agem as pessoas comuns, com avidez pelas riquezas materiais,
tomando uns goles de vez em quando (ou sempre), sendo complacentes
com a mentira e insensíveis para com a dor alheia, estaremos
sendo péssimos divulgadores. A estes, lembrando Jesus, melhor
seria que atassem uma pedra ao pescoço e se atirassem ao mar.
Nesse contexto, notamos que os espíritas, de um modo geral,
não se distinguem do homem comum no cotidiano. Não nos
é possível reconhecer um espírita por suas obras.
Nem tampouco reconhecer um verdadeiro cristão em muitos dos
que aparentam ser grandes divulgadores da Boa Nova.
Por outro lado, quando nos dispusermos a falar do Espiritismo
aos não espíritas, que sejamos mais sóbrios,
menos entusiastas e menos preocupados em impor nossas idéias
(que não são nossas). A reforçar este pensamento,
vale lembrar que Allan Kardec, antes de se envolver com os fenômenos
espíritas, nos idos de 1.855, foi alvo de dois tipos de propaganda.
A primeira, feita pelo seu amigo Sr. Carlotti, que, "com o entusiasmo
que despertavam as idéias novas", falou-lhe dos fenômenos.
Diz Kardec: "O Sr. Carlotti era corso, de natureza ardente
e enérgica, e eu sempre estimei nele as qualidades que distinguem
uma grande e bela alma, mas desconfiava da sua exaltação.
Foi ele quem primeiro me falou da comunicação dos Espíritos,
contando-me tantas coisas surpreendentes, que, longe de me convencerem,
aumentaram as minhas dúvidas". Tempos depois
Kardec encontra outro adepto que lhe diz as mesmas coisas que o Sr.
Carlotti, mas em outro tom. Ouçamos Kardec: "O
Sr. Pâtier era empregado público, homem de meia idade,
muito instruído, de caráter grave, frio e calmo. A sua
linguagem comovida, isenta de entusiasmo, produziu-me viva impressão,
e, quando me convidou para assistir às experiências que
se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, aceitei o convite com
sumo prazer".
Ao lermos estas anotações pessoais do Codificador, em
Obras Póstumas, ficamos pensando
na hipótese de ele voltar novamente à carne. Imaginem
os irmãos leitores se ele, a convite de um amigo, fosse assistir
a uma dessas grandes palestras de divulgação do Espiritismo.
O que veria ele? Oradores inflamados, com voz retumbante e vernáculo
incompreensível, que não falam nem à razão
nem ao coração. Chegaria a ser irônico, mas, os
espíritas modernos, com esta maneira de divulgar a Terceira
Revelação, não conseguiriam a conversão
do próprio Allan Kardec.
(*) Há três coisas que nunca
voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada
e a oportunidade perdida. (Provérbio chinês)
(Nota do A ERA DO ESPÍRITO)