Em pleno início do século
XXI e dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos
que nos aguardam neste novo milênio, somos levados a reavaliar
a postura do Espiritismo perante a Ciência. Embora Kardec tenha
enunciado que “O Espiritismo e a Ciência se completam
um pelo outro”(1) eles permanecem
separados, sobretudo porque o preconceito científico e sistemático
da chamada “Ciência Oficial” (ou acadêmica),
mantendo sua postura materialista e céptica, leva à
negação a priori dos fenômenos espíritas,
tomados como superstição ou fraude e, conseqüentemente,
rotulando o Espiritismo como destituído de bases científicas.
O Espiritismo é definido por
Kardec como “a ciência que estuda a origem,
a natureza e a destinação dos Espíritos, bem
como sua relação com o mundo corpóreo. É
ao mesmo tempo, uma ciência de observação
e uma filosofia de conseqüências morais”.(2)
Por outro lado, uma boa definição de ciência é
“um conjunto organizado de conhecimentos relativos a um
determinado objeto, especialmente os obtidos mediante
a observação, a experiência dos fatos e um método
próprio”.(3) Assim
dois elementos são essenciais para ter-se uma ciência:
o objeto e o método de estudo deste objeto, que de acordo a
definição acima, precisa ser adequado ao objeto.
Classicamente falando, a ciência se baseia no método
indutivo, que parte do particular para o todo, sendo portanto reducionista,
empirista e cartesiana. Um dos critérios citados como de máxima
importância seria a da reprodutibilidade dos experimentos, em
qualquer parte do mundo, por qualquer pessoa, desde que as condições
fossem mantidas as mesmas. Mas se formos rígidos no método
clássico, deixaríamos de considerar como ciências
a História, a Sociologia, a Psicologia, etc., o que nos parece
completamente absurdo, desde que não se produzam fatos históricos
em laboratório, e tão pouco se reproduzem comportamentos
em pessoas submetidas às mesmas condições. O
que difere as Ciências Humanas das Ciências Exatas ou
Naturais são justamente o objeto e o método,
embora em alguns casos o objeto pode ser mesmo: o homem.
Assim é que o Espiritismo, por possuir um objeto de estudo
completamente alheio à "Ciência Oficial", ou
seja, o espírito ou princípio inteligente, requer um
método próprio, adequado. Kardec define este método
em relação à fenomenologia espírita quando
usa o termo "ciência de observação",
(4) a qual consiste na observação
criteriosa dos fatos, buscando entender suas origens, suas causas.
Também a História é uma ciência de observação,
e assim como não se reproduzem fatos históricos, não
se pode exigir a reprodução inequívoca de fenômenos
espíritas, desde que o objeto de estudo é inteligente,
emocional e volitivo – o Espírito.
Para o Espiritismo, a existência do Espírito e de sua
comunicabilidade é um fato, decorrente do axioma de que "todo
efeito inteligente precisa ter, necessariamente, uma causa inteligente".(5)
O que importa é o controle sobre a legitimidade da comunicação
que se obtém através dos fenômenos mediúnicos,
quer de efeitos físicos ou de efeitos inteligentes, e para
tanto Kardec definiu um método doutrinário próprio,
sumarizado por Herculano Pires em quatro pontos principais:
"i) Escolha de colaboradores
mediúnicos insuspeitos, tanto do ponto de vista moral, quanto
da pureza das faculdades e da assistência espiritual;
"ii) Análise rigorosa das comunicações,
do ponto de vista lógico, bem como do seu confronto com as
verdades científicas demonstradas, pondo-se
de lado tudo aquilo que não possa ser justificado;
"iii) Controle dos Espíritos comunicantes, através
da coerência de suas comunicações e do teor
de sua linguagem;
"iv) Consenso universal, ou seja, concordância de várias
comunicações, dadas por médiuns diferentes,
ao mesmo tempo e em vários lugares, sobre o mesmo assunto".
Muito dos chamados pesquisadores espíritas
envidam esforços para a comprovação da existência
dos Espíritos e da imortalidade da alma, mas freqüentemente
empregando os métodos da Química, da Física,
da Biologia, etc., que são adequados à matéria,
mas não ao Espírito. O máximo que poderão
conseguir é um melhor entendimento dos fenômenos de efeito
físico e do perispírito, que é a parte material
do Espírito, o seu corpo de manifestação, mas
jamais do princípio inteligente, que é imaterial e foge
a todas as técnicas de investigação da matéria.
Enquanto isso, a Ciência Espírita, baseada no método
kardecista, foi praticamente abandonada pelos espíritas...
Voltando ao confronto Ciência e Espírito, embora à
primeira vista há conceitos espíritas que parecem ser
desmentidos ou postos em dúvida pela Ciência, o desenvolvimento
da ciência no século passado muitas vezes apontou na
direção da confirmação dos princípios
espíritas. A desintegração da matéria
em partículas cada vez mais elementares e a interconversão
matéria/energia, como estabelecido pelas Mecânicas Quântica
e Relativística, respectivamente, apontam a possibilidade de
existência uma "matéria elementar"– o
que é coerente com o princípio espírita da existência
de um fluido universal (ou cósmico), proposto pelos Espíritos
Codificadores.
A medicina psicossomática,
a escrita automática, o corpo bioplásmico, a terapia
de vidas passadas (TVP), a psicologia transpessoal, cada uma em sua
própria área de atuação, gradativamente
vêm fazendo avanços que confirmam a teoria espírita,
mas não provam por "a mais b" a
existência do Espírito e sua sobrevivência ao corpo,
permanecendo muitas vezes injustamente marginalizadas do ponto de
vista acadêmico.
Entretanto, consideramos precipitado
substituir a terminologia espírita pela terminologia científica,
pois poderemos incorrer em graves erros, que podem levar à
descaracterização da Doutrina Espírita. Alguns
confrades espíritas, afoitos em respeitar a natureza evolutiva
do Espiritismo, como estabelecido por Kardec em "A
Gênese" (1),
substituíram em seus escritos a palavra fluido por energia,
chamam o perispírito de corpo eletromagnético do Espírito
e alguns chegaram a afirmar que o princípio vital nada mais
seria que o DNA...
Lembremos o ensinamento do codificador:
"Melhor é recusar nove verdades, a aceitar uma única
mentira" (6).
O Espiritismo é uma ciência
sim! Mas é preciso respeitar-lhe objeto e método. Lúcido
foi Kardec, ao enunciar que "o Espiritismo e a Ciência
se completam um pelo outro; a ciência, sem o Espiritismo, se
acha impossibilitada de explicar certos fenômenos, unicamente
pelas leis da matéria; o Espiritismo, sem a ciência,
ficaria sem apoio e exame"(1).