VIGILÂNCIA NO INTERCÂMBIO MEDIÚNICO
Aureci Figueiredo Martins
1. Introdução
A comunicabilidade dos habitantes dos planos extrafísicos
com seus irmãos encarnados é um fenômeno de ordem
psíquica que ocorre desde que o homem surgiu na crosta planetária.
Trata-se de um fato natural e encontradiço, inarredável
da existência humana.
Essa interação interdimensional, generalizada
e sutil em sua feição telepática, também
pode acontecer em sua forma ostensiva através dos médiuns,
que são pessoas comuns dotadas de uma aptidão especial
que lhes permite captar e transmitir mensagens dos agentes invisíveis.
Há igualmente os chamados fenômenos de efeitos físicos,
nos quais os desencarnados podem fazer-se visíveis e até
palpáveis mediante a utilização de substância
ectoplásmica cedida, quase sempre inconscientemente, por doadores
encarnados: os médiuns de efeitos físicos.
Cabe ressaltar que a ciência espírita,
cujo objeto de estudo é a natureza espiritual do ser humano,
também aborda e orienta a prática do intercâmbio
mediúnico, mas não pode ser confundida com a mediunidade,
visto que esta constitui um fenômeno de todos os tempos enquanto
que a doutrina espírita surgiu apenas na segunda metade do
século dezenove com a codificação publicada por
Allan Kardec. Assim, nem todos os médiuns são espíritas,
bem como nem todos os espíritos, que nada mais são do
que as almas imortais de pessoas cujos corpos morreram.
2. Necessidade da vigilância
Dirigimo-nos agora aos coidealistas, que tanto dentro
como fora dos arraiais espiritistas têm o dever de consciência
de vivenciar a moral cristã, conduzindo-se com ética
e sincera humildade, sem interesses outros que não o de servir
à causa do bem e da verdade.
No tocante à prática mediúnica,
a prudência deve nortear a conduta daqueles que dirigem tão
complexa atividade. Nada pode ser mais temerário do que a aceitação
passiva de mensagens mediúnicas, por mais respeitáveis
que pareçam ser médiuns e espíritos comunicantes.
Aventurar-se no complexo campo da fenomenologia espirítica
sem observância da metodologia recomendada por Kardec, especialmente
em “O Livro dos Médiuns”, é atitude incompatível
com o perfil do verdadeiro espírita.
Há quem estranhe, todavia, a postura cautelosa
e prudente adotada pelas instituições realmente espíritas
diante de certas “novidades” mediúnicas ou não.
Esquecem-se tais pessoas de que nossas instituições
têm indeclinável compromisso com a preservação
do valiosíssimo patrimônio de que são depositárias:
a consoladora doutrina do Espírito da Verdade, codificada por
Allan Kardec. Alerta-nos o Codificador na Revista Espírita
- 1859, p.32: “Se não quisermos ser enganados por espíritos
levianos, devemos julgá-los, e para isso possuímos um
critério infalível: o bom senso e a razão.”
Vale lembrar, por oportuno, que Kardec foi alvo da
antipatia de muitos médiuns cujas produções não
passavam pelo seu apurado crivo, pois “observar, comparar e
julgar” foi sua regra áurea no trato com o fenômeno
mediúnico.
Em 1863, de 3600 comunicações que lhe
chegaram às mãos, menos de trezentas foram consideradas
publicáveis e, destas, apenas cem julgadas excelentes. Era
a aplicação do que recomenda o espírito de Erasto
no item 230 d’O Livro dos Médiuns: “É preferível
repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade...”
Bem a propósito, lembremos a recomendação
“Caríssimos, não acrediteis em qualquer espírito.
Examinai primeiro se os espíritos são de Deus, porque
muitos falsos profetas surgiram no mundo” (João, 4-1)
3. Conseqüências da invigilância
É notório que, preocupados com a crescente
divulgação do ideário espírita e a conseqüente
desobsessão das criaturas humanas, os espíritos refratários
à Verdade mobilizam-se organizadamente para desprestigiar o
Espiritismo, logrando aqui e ali ludibriar grupos e indivíduos
invigilantes. A princípio, esses agentes do mal se fingem humildes
e caridosos para ganhar a confiança do grupo. Em seguida, sugerem
discretamente terem animado personalidades de relevo na sociedade
humana. Entram, então, na fase verborrágica: mensagens
alongadas, repetitivas, afirmações de “grande
alcance”... A certa altura, o grupo, completamente fascinado
pela lábia dos enganadores, já não analisa nada:
tudo o que os “guias” dizem é aceito sem crítica
alguma. Isola-se então o grupo, por recomendação
“superior”, para melhor desempenhar sua “elevada
missão”. Não se aceitam interferências;
detestam-se censuras. Senhores, então, da situação,
os “mentores” apontam suas armas para o alvo que sempre
visaram: pessoas e instituições espíritas.
Encontradiços, tais acontecimentos, extremamente
lamentáveis, seriam evitados se todos os dirigentes de grupos
mediúnicos atentassem para as recomendações nas
obras da codificação espírita, tais como a que
encontramos no livro “O Evangelho segundo o Espiritismo”,
no item 10 do cap. XXI, atinente aos falsos profetas desencarnados:
“... para melhor fascinarem aqueles a quem desejam iludir, para
darem mais peso às suas teorias, se apropriam sem escrúpulos
de nomes que só com muito respeito os homens pronunciam. São
eles que espalham o fermento dos antagonismos entre os grupos, que
os impelem a isolarem-se uns dos outros e a olharem-se com prevenção.
Isso por si só bastaria para os desmascarar, pois, procedendo
assim, são os primeiros a dar formal desmentido às suas
pretensões. Cegos, portanto, são os homens que se deixam
cair em tão grosseiro embuste.”
Cabe lembrar, ainda, que os espíritos realmente
elevados não se incomodam quando suas mensagens são
questionadas e analisadas criticamente, pois entendem nossa preocupação
com a imagem da doutrina que nos irmana.
De qualquer forma, que ninguém se considere
invulnerável às arremetidas do mundo espiritual inferior,
pois que a realidade do homem terreno não sugere qualquer laivo
de superioridade moral. E, como sabemos, a única autoridade
que os espíritos inferiores respeitam é a de cunho moral;
nossos títulos e diplomas mundanos, que aqui nos podem dar
notoriedade e poder, para nada servem no trato com nossos irmãos
desencarnados.
Mas, perguntarão alguns, por que os bons espíritos
não protegem tais médiuns?
E responderemos: Eles se esforçam por orientar
as pessoas, médiuns ou não, mas o fazem de maneira sutil,
pois os espíritos benévolos usam de persuasão;
jamais dão ordens, nunca violentam o livre-arbítrio
de ninguém. Os mistificadores, estes sim, gostam de ditar normas
e prescrever atitudes, e se irritam quando não são prontamente
atendidos pelos incautos que lhes dão crédito.
4. Humildade
Como pano de fundo da instalação de
tais processos obsessivos, está a falta de humildade. Certos
médiuns e diretores, despreparados para a delicada tarefa da
interação mediúnica, deixam-se iludir pela presunção
de uma auto-suficiência inexistente.
Humildade! Virtude que nasce da reflexão madura,
fruto do autoconhecimento. Sem humildade, médiuns ou não,
seremos facilmente vitimados pelo assédio dos irmãos
desencarnados de baixo padrão evolutivo.
Certamente, foi a tal respeito que Tiago nos alertou
para o fato de que “cada um é tentado, quando atraído
e enganado pela sua própria imperfeição moral.”
(Tiago, 1-14)
Daí a permanente atualidade da recomendação
de Jesus: “Vigiai e orai...”
Artigo publicado na revista A REENCARNAÇÃO,
editada pela FERGS, última edição de 2006:
nº 432)