RESUMO
O interesse em utilizar os recursos
da História Oral para entrevistar “espíritos”
surgiu em meados de 2001 quando conheci a chamada “comunicação
mediúnica” ou “intercâmbio com os seres incorpóreos”,
e se concretizou em 2005 quando descobri algo extraordinário
do ponto de vista antropológico e sócio-cultural: um
“preto-velho”, ou seja, um “espírito”
que, supostamente, costuma se manifestar e atender consulentes nos
chamados “terreiros de umbanda”, fazendo palestras públicas
pela Internet e respondendo questões dos internautas sobre
as epístolas do apóstolo Paulo, as lições
de Krishna para Arjuna, os Sutras budistas, a Oração
de São Francisco etc. No mesmo ano entrei em contato com o
médium para saber da possibilidade de entrevistar “pai
Joaquim de Aruanda”. Com sua resposta afirmativa, organizei
entre os anos de 2005 e 2007, oito entrevistas com o “espírito”,
na cidade de São Carlos/SP. Todas foram gravadas em vídeo,
totalizando cerca de 28 horas de gravação, sendo boa
parte do material sobre a Umbanda, religião medianímica
em que os “pretos-velhos” se manifestam.
Introdução
Atualmente, quando se reivindica que as novas
tecnologias sejam usadas para o desfrute de todos e não só
de uma minoria e o respeito à diversidade é uma exigência
de qualquer projeto democrático, parece elucidativo para simbolizar
esse momento, encontrar um “preto-velho”, ou seja, um
“espírito” que costuma ser estigmatizado e proibido
de se manifestar nas chamadas “mesas kardecistas” realizando
palestras semanais pela internet, reunindo pessoas que vivem em várias
partes da Terra (no Brasil, nos EUA, em Portugal e até no Japão)
para possibilitar, gratuitamente, uma singular forma pós-moderna
de animagogia, ou seja, de educação espiritualista para
aqueles que acompanham e seguem os seus ensinamentos.
A manifestação espiritual de Pai Joaquim de Aruanda,
que é muito criticada por vários adeptos do espiritismo,
nos ajudou a compreender um fato significativo: o fosso que existe
entre os textos kardequianos, ou seja, escritos por Allan Kardec,
e os textos de seus seguidores, os “kardecistas”. Em nenhum
de seus livros Kardec afirma ter criado uma nova religião e
sua preocupação concentra-se em estudar sistematicamente
as diferentes formas de intercâmbio com os “espíritos”,
o que denomina como “manifestações espíritas”.
Nesse sentido, ao ler seus estudos espiritualistas notamos que muito
mais do que criar uma nova doutrina religiosa, Kardec estabeleceu
um método para entrevistar “espíritos”,
definindo um roteiro para conduzir as reuniões mediúnicas
voltadas para estudos com os chamados “seres incorpóreos”.
Em suma, defendemos a tese de que ele criou o que poderíamos
chamar de História Oral com os “espíritos”
ou a Espiritologia. FERREIRA (1994), MONTENEGRO (1992), BOM MEIHY
(1996) e tantos outros historiadores, antropólogos e comunicadores
sociais vêm se debruçando sobre essa técnica de
pesquisa qualitativa, mas, em nenhum momento, se aperceberam que,
se é verdade que os “espíritos” existem,
obviamente que poderiam ser entrevistados, como fez Kardec no século
XIX.