"Mediunidade é uma faculdade
natu ral que permite sentir e transmitir a influência dos Espíritos,
ensejando o intercâmbio, a comunicação entre o
mundo físico e o espiritual". Esta bela definição,
contida em (Cap. 1, livro "Mediunidade",
de Therezinha Oliveira), resume perfeitamente o conceito espírita
sobre o tema. É uma faculdade, o que significa que pode ou
não ser exercida. É natural, dado que não existe
o sobrenatural e que absolutamente tudo reside em leis naturais. Permite
o intercâmbio entre os dois planos da vida: o plano espiritual,
onde residem os espíritos desencarnados, e o plano material,
onde estes mesmos espíritos reencarnam de tempos em tempos
para dar continuidade à sua evolução. O médium
é o intermediário, aquele que, a partir de suas faculdades
espirituais, percebe a realidade espiritual traduzindo-a para os demais
que não possuem essa faculdade.
O fenômeno mediúnico faz parte dos fenômenos espíritas,
sendo que estes "consistem nos diferentes modos de manifestação
da alma ou Espírito, quer durante a encarnação,
quer no estado de erraticidade" (Cap. XIII,
item 9, livro "A Gênese", de Allan Kardec).
Estes fenômenos espíritas incluem a mediunidade e o animismo.
A mediunidade se diferencia do animismo, pois o primeiro fenômeno
é produzido por um espírito desencarnado, através
de um médium, enquanto que o segundo é produzido apenas
pelo encarnado, com suas próprias faculdades espirituais e
sem a presença de desencarnados.
O fenômeno mediúnico sempre existiu nos mais variados
povos e épocas, culturas e religiões, porque a mediunidade
é uma faculdade inerente ao ser humano. Entretanto, sua produção
ao longo da história nem sempre foi bem orientada. Inicialmente
o intercâmbio mediúnico era feito apenas por iniciados,
isto é, por homens ou mulheres preparados especialmente para
essa atividade, com treinamento exaustivo e cercado por conhecimento
hermético ao vulgo. E, muitas vezes, o fenômeno era exercido
com fim egoísta e material, frequentemente associado à
pratica do mal. Essa é a razão pela qual Moisés
chegou a proibir o intercâmbio mediúnico (Deuteronômio,
Cap. 18, vs. 9-12). Interessante observar que Moisés
também era médium, o que mostra que sua intenção
não era a condenação da mediunidade, mas a coibição
dos abusos.
A passagem de Jesus entre nós marcou a "liberação"
do uso da mediunidade, já que ele, em muitas passagens, afirma,
ensina e exemplifica a prática mediúnica. É interessante
observar que, no Novo Testamento, não há uma única
passagem em que a proibição de Moisés seja mencionada.
O próprio mestre desenvolveu a faculdade mediúnica nos
discípulos ("conferiu-lhes o poder"), ordenando que
trabalhassem com elas ("curai os doentes, ressuscitai os mortos,
purificai os leprosos, expulsai os demônios") (Mt.
10, vs. 1 e 8).
Alguns séculos depois, ignorando a postura de Jesus, grupos
religiosos tentaram novamente proibir o intercâmbio mediúnico,
dizendo ser obra do demônio e perseguindo os que o praticavam,
sob a acusação de serem bruxos, feiticeiros.
Entretanto, não se pode proibir o que faz parte das leis naturais,
da mesma forma que não se pode insistir que o Sol gira em torno
da Terra, quando os fatos evidenciam o contrário... Como toda
semente só germina em terra fértil e na época
certa, a espiritualidade superior houve por bem esperar os séculos,
até que as luzes intelectuais e científicas permitissem
uma discussão menos fanática sobre o tema, sem o risco
de perecer na fogueira quem quisesse investigar e estudar racionalmente
o fenômeno. Foi quando um estudioso das Ciências e educador
francês, Hippolyte Léon Denizard Rivail, resolveu acompanhar
e estudar os fenômenos das mesas girantes, que dominavam os
salões fúteis de Paris. Percebeu naqueles fatos algo
muito sério e que escapava a uma análise superficial.
Constatou que eram "verdadeiros e devidos a uma causa inteligente;
essa mesma causa revelou que eram as almas dos homens que já
viveram na Terra. Pesquisando mais, verificou que os espíritos
manifestantes não eram todos iguais em conhecimento e moralidade,
mas que suas informações eram valiosas, como as dos
viajantes que nos relatam o que puderam ver e sentir dos países
onde estiveram." (Cap. 28, livro "Iniciação
ao Espiritismo", de Therezinha Oliveira).
Posteriormente Rivail adotou o pseudônimo de Allan Kardec, que
segundo informações mediúnicas fora uma reencarnação
antiga sua, ao tempo dos Druidas. Kardec publicaria vários
livros, em especial os cinco que formam o chamado "Pentateuco
Espírita": O Livro dos Espíritos (18/04/1857),
O Livro dos Médiuns (1861), O Evangelho segundo o Espiritismo
(1864), O Céu e o Inferno (1865) e a Gênese (1868).
Qualquer espírita sério precisa conhecer a doutrina
que professa. Neste sentido, os cinco livros citados de Kardec –
também conhecidos como "obras básicas" –
precisam ser lidos e estudados constantemente. E, particularmente,
"O Livro dos Médiuns" deve ser o manual de todo membro
de qualquer reunião mediúnica.
O Espiritismo, que é a doutrina revelada pelos bons Espíritos
e codificada por Allan Kardec, não se confunde com a mediunidade,
posto que esta é uma faculdade humana, responsável pelo
intercâmbio entre os dois planos da vida. "Também
é importante distinguir a prática mediúnica espírita
da não espírita, embora toda crença sincera e
de bons propósitos seja respeitável" (Cap.
1, livro "Reuniões Mediúnicas", de Therezinha
Oliveira). A doutrina espírita lança luz sobre
a fenomenologia mediúnica; explica os diferentes tipos de mediunidade,
seus escolhos, qual é o seu propósito e como deve ser
corretamente exercida.
A prática mediúnica espírita é orientada
pelos princípios doutrinários do Espiritismo. Portanto:
a) obedece a padrões de seriedade e bom senso; b) desenvolve-se
em clima de simplicidade, verdade e amor; c) objetiva o progresso
espiritual de encarnados e desencarnados. As práticas espíritas
não adotam: rituais, vestimentas especiais,
altares, simbolismos, imagens nem quaisquer exterioridades materiais
ou condicionamentos para os seus participantes; jamais colocam a mediunidade
a serviço do bem-estar material imediato.
Para participar de uma reunião mediúnica espírita
séria, o participante deve antes conhecer o Espiritismo, especialmente
a mediunidade. Portanto, é necessário estudo prévio
e sistemático da doutrina, a fim de saber como se portar na
reunião, evitando os prejuízos, para si e para os demais,
decorrentes de uma prática mediúnica mal orientada.
Uma analogia pode ajudar neste entendimento. Leva-se um leigo a um
laboratório químico, onde existem produtos inofensivos
e tóxicos à saúde? Como ele irá reconhecer
que um frasco com líquido incolor contém água
em vez de um ácido corrosivo? Como permitir a um neófito
manipular substâncias cuja combinação pode provocar
danos perigosos a si mesmo e aos demais? Assim sendo, a reunião
mediúnica bem conduzida deve ser privativa, formada por pessoas
que conhecem a mediunidade. Além disso, é necessário
que haja harmonia espiritual entre os participantes, pois isso é
essencial para a boa execução dos trabalhos, mormente
aqueles de auxílio a desencarnados sofredores, alguns em terrível
situação de ignorância espiritual. Sem firme propósito
no bem e sintonia nobre de pensamento tornam-se infrutíferas
as reuniões deste jaez, uma vez que a desarmonia afasta os
espíritos bondosos – chamados de mentores, atraindo no
seu lugar espíritos que se afinizam com as mentes perturbadas
dos encarnados presentes.
As reuniões mediúnicas geralmente têm um duplo
propósito: a) auxiliar espíritos desencarnados sofredores
ou ignorantes no mal; b) receber orientação e incentivo
de mentores espirituais. A primeira parte realiza-se através
de diálogo com os espíritos necessitados, que são
trazidos à reunião pela equipe espiritual superior.
Estes diálogos não têm como fim a "doutrinação"
de espíritos, já que é impossível "instruir
alguém em uma doutrina" naqueles breves minutos de intercâmbio
mediúnico. O termo doutrinação e doutrinador,
embora tendo bastante uso no movimento espírita, não
traduzem a realidade. O léxico nos ensina que doutrinar significa
"instruir nos princípios de alguma doutrina ou ideia"
(dicionário Aurélio). Portanto,
não é correto que o curto diálogo com o espírito
caracterize uma "doutrinação". É muito
frequente o espírito comunicante não ter sequer ideia
da sua desencarnação, ou, quando o sabe, não
tem condições espirituais de ser instruído em
Espiritismo. Aliás, o propósito do diálogo nem
é esse... O objetivo é o esclarecimento fraterno, com
empatia, paciência e disposição de ouvir. O conhecimento
doutrinário e evangélico é importante, mas o
fundamental é a vibração no amor, posto que as
palavras pouco valem se não estiverem amparadas em um sentimento
verdadeiro e solidário.
A mediunidade é um tema fascinante e sua prática, bem
orientada, representa uma enorme ferramenta em prol da caridade. Através
dela podemos auxiliar o reestabelecimento espiritual de irmãos
desencarnados, como também recebemos com a alegria as comunicações
de incentivo e alento dos nossos amigos espirituais. É a prova
inequívoca da imortalidade da alma, pois o Espírito
humano não apenas sobrevive à morte física, mas
vem nos contar sobre sua vida no além, suas dores e frustrações,
sonhos e conquistas. Longe do misticismo ou da perseguição
do passado, a mediunidade encontra hoje no Espiritismo um guia fiel
e racional, que orienta de modo simples e seguro sua prática,
contribuindo para a evolução espiritual de encarnados
e desencarnados.
Luciano Mancilha
Departamento de Mediunidade, USE Campinas.