“Vós sois o sal
da terra…
Vós sois a luz do mundo.” (**)
Era primeiro de julho de 2021, estava
com a Isabel no colo, a neta de apenas 4 meses, corajosa, não
se importou de chegar durante a pandemia. Eu conversava com ela, do
jeito que as avós aprendem a fazer na intimidade com os seus
pequenos. Falava sobre o Carlinhos, o avô que desencarnara antes
de sua chegada, e sobre a vida dos Anjos, quando perguntei a ela (e
a mim mesma) se teria conhecido o avô, lá no mundo espiritual.
A cada comentário ou pergunta, Bebel me respondia com um sorriso.
Aprendeu muito cedo e, desde então, vem nos presenteando com
seus sorrisos iluminados.
Naquela tarde eu estava especialmente
conectada ao Carlinhos, meu companheiro de 50 anos, que se despedira
de mim e dos nossos três filhos, deixando como último
gesto o seu doce e encantador sorriso. E, então, num relance,
compreendi que a minha neta sorria para mim como ele fazia, trazendo
de volta, no aqui e agora desta encarnação, o mesmo
gesto - o sorriso generoso de que tanto sentimos saudade.
Como consegui enxergar para além
do visível? Allan Kardec, professor e pesquisador francês,
foi quem ampliou minha visão, tornando-me capaz de reconhecer
no sorriso da Isabel uma mensagem espiritual. Entrelaçadas
à beleza e doçura daqueles sorrisos estavam as ideias
consoladoras da Doutrina Espírita: a imortalidade da alma,
a existência da comunicação entre o mundo material
e o espiritual e, também, Jesus, o Mestre sábio e paciente
que nos prometeu o Reino de Deus. Um Reino que se faz visível
e alcançável através da dádiva da reencarnação.
Nascer, morrer, nascer de novo e progredir sempre. O plano perfeito
de Deus, pensei. E emocionada recebi a mensagem amorosa que o Carlinhos
me enviara.
Foi em 2018 que conheci Kardec, quando
buscava consolo e entendimento a respeito do sofrimento, do destino
e da dor humana. No atendimento fraterno, na Casa Rita de Cássia
(Leblon,RJ), ouvi frases que me marcaram: “a doença e
o sofrimento do seu marido têm uma razão de ser, são
parte da história de suas vidas pregressas. Não se angustie
em demasia” e, completou me dizendo, “confia e segue,
vocês nunca estarão sós. Leia, estude, assista
às reuniões públicas e faça o tratamento
espiritual com os passes”, me sugeriu.
Novata no Espiritismo, segui os conselhos,
mas foram muitos meses, páginas e palestras depois, até
que tudo fizesse sentido. A reencarnação sucessiva e
a Lei do Progresso me trouxeram o primeiro consolo, pacificaram a
minha alma e me encorajaram a enfrentar o imenso sofrimento que minha
família vivenciava. Um ano se passou e o Carlinhos desencarnou.
Alívio misturado à profunda dor e tristeza. Em meio
às lágrimas eu conseguia imaginá-lo em sua nova
vida no plano espiritual, andando sem bengalas, livre das dores da
artrite que o acompanharam desde os 13 anos e sem as limitações
impostas pelos tumores cerebrais. Eu já havia entendido que
a morte é uma separação temporária. E
que somos cercados por uma espiritualidade amorosa, que a cada encarnação
nos intui, apoia e ilumina. Eu não podia vê-los, mas
ao compreender as leis divinas e confiar na sua infinita bondade e
misericórdia comecei a pressenti-los e não mais me senti
só.
Sem compreender é impossível
aceitar, aprendi. Toda criação de Deus é perfeita,
útil e boa. Assim é com as dores e sofrimentos terrenos.
Mas, sob a ótica da lógica material, Carlinhos parecia
ter sofrido uma injustiça: uma doença limitante e dolorosa
desde a adolescência, seguida por um câncer cerebral e
o desencarne. Como poderia ser o entendimento das aflições
humanas sem acreditar na vida futura, sem crer em um Deus supremo
de inteligência com infinita bondade e justiça, que oferece
aos homens ilimitadas chances de aprender e evoluir através
da reencarnação? E mais, como entender as grandes desigualdades
que existem no mundo, as grandes dificuldades e os grandes problemas
sociais da humanidade? Essas são questões inexplicáveis
pela lógica estreita da materialidade que entende nossa vida
atual como sendo única. Os pilares do Espiritismo são
a chave para a compreensão das vicissitudes da vida. Unindo
Filosofia, Ciência e Religião, a obra de Kardec traz
a compreensão que as dores que enfrentamos hoje são
necessárias ao nosso desenvolvimento espiritual e também
compromissos que assumimos em vidas passadas.
O caminho para a construção
do conhecimento da Doutrina dos Espíritos não nos é
dado de pronto quando chegamos em uma Casa Espírita. Mas, por
que não pavimentar esse caminho de modo a facilitar a acessibilidade
para os “calouros” no Espiritismo?
Já em 2021, certo dia abri
minha caixa postal e lá encontrei uma mensagem do Formiga.
Meu mestre, aquele que me iniciou e orientou no campo da Microbiologia,
com o objetivo de formar uma cientista. Na época, com seu jeito
sério, agravado pelo bigode negro, se transformou em um amigo
e um apoio importante.
Nada acontece por acaso. Reencontrei-o
justo quando acabara de perder para a Covid outra professora notável
e grande incentivadora na Psicopedagogia. Ela um dia me disse: “você
agora é uma terapeuta”. Formiga me supervisionou e estimulou
a publicar artigos científicos, antes mesmo de me graduar.
Fiquei grata a Deus e à espiritualidade por esse reencontro.
Relatei ao meu amigo Formiga que o Carlinhos havia desencarnado em
2019, o processo de sua doença, um câncer no cérebro,
minha conversão ao Espiritismo e as mudanças internas
que haviam se operado em mim, e ele, do seu jeito simples, escreveu
os Indrisos – Trigêmeos (1)
e os enviou em meio a outros que já escrevera. Não me
avisou, paciente, apenas esperou. Emocionei-me com a homenagem que
fez ao meu marido.
Tenho clareza de que, planejado pelo plano superior, fui conduzida
a esse reencontro. E, agora, voltei a me sentir aprendiz, de volta
ao abraço amigo, quando ele me escreveu: “os reencontros
também são programados; quando o aprendiz está
pronto a tarefa aparece”. E que tarefa! Escrever um artigo para
ajudar na divulgação do Consolador Prometido.
Sou caloura ainda, mas fui convidada
a dar esse passo e cumprir a tarefa, ou melhor, o desafio. Lembrei-me
do tal artigo publicado (2) numa revista
médica nos anos oitenta, o qual “sofri” muito para
escrever, pois não confiava em mim mesma. Mas ele confiava
e isso bastou. “Você terá ajuda espiritual”,
ele me disse, provavelmente já imaginando o quanto seria difícil.
Desafio aceito, juntei-me a ele no trabalho de aplainar e pavimentar
o caminho da construção do conhecimento e divulgação
da Doutrina para os recém-chegados. Para isso, Formiga vem
escrevendo indrisos, uma nova teoria literária na forma de
um poema com oito versos. Organizou-os em uma sequência notável,
através da qual pretende despertar a curiosidade sobre o Espiritismo,
abordando de forma leve, poética e objetiva, os seus conceitos
fundamentais. Os indrisos aqui citados compõem esse caminho
preparado para guiar os novatos no Espiritismo em meio aos doces,
profundos e consoladores ensinos da Terceira Revelação.
Formiga chamou-os de Estudos Resumidos, objetivando a formação
do “Homem de Bem” e os relacionou na publicação
dos indrisos, Enfatizando e Diminuto. (3)
Decidi que relataria a minha experiência
pessoal, conectando-a aos Estudos do Formiga, juntando assim emoção
e conhecimento sintetizado. Precisei da ajuda da espiritualidade,
que veio em meu socorro para me guiar e orientar quando eu não
encontrava o caminho conclusivo. Ela chegou através do culto
do lar virtual que assisto todas as 6ª feiras. O tema era uma
lição de Kardec sobre a justiça divina, as aflições
terrenas e, em especial, dos aflitos que, como o Carlinhos, não
murmuram.(4) São aqueles aflitos
que recebem o sofrimento, as dificuldades e as tribulações
como benditas, como honrosas oportunidades de aprender com o Cristo
e de progredir. Essa foi a lição que aprendi com meu
marido durante os 42 anos de nosso casamento. Ele nunca se queixava
de sua doença, dando um testemunho diário de resignação
e resiliência para meus filhos e para mim.
Carlinhos continuou nos ensinando a cada dia que o visitávamos
no leito do hospital - nos recebia com um sorriso.(5)
Esse era o único movimento que seu cérebro continuava
sendo capaz de coordenar, certamente com a ajuda dos Espíritos
de bondade que sempre estiveram ao seu lado. Carlos foi o sal da terra(**).
Um dia uma convulsão tirou sua consciência e ele desencarnou.
Havia cumprido sua missão de forma brilhante. (6)
Exatos dois anos se passaram e dias antes daquela tarde do
início de julho, em minhas preces, eu pedira ao plano espiritual
uma comunicação com meu marido. “A resposta sempre
vem”, me ensinaram na Casa Espírita. E ela veio: os sorrisos
alegres e vibrantes da Isabel. Graças à comunicabilidade,
minha prece chegou ao mundo espiritual e o Carlinhos me enviou a mais
bela resposta que eu poderia receber aqui e agora, encarnada no mundo
material. Nossa neta Isabel e seu sorriso revelador da perfeição
do processo da Criação de Deus, da Sua justiça
e do Seu amor infinito por Suas criaturas.
Bem-vindos
ao Espiritismo.
(2) Anais Bras. Dermatol. Vol. 58. Número 1.
198.