Em minha dissertação de mestrado
“A Causa dos Espíritos: Um estudo sobre a
utilização da Parapsicologia para a defesa da fé
católica e espírita no Brasil”,
defendida com êxito em 1996 no Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Religião da PUC/SP, apresento um estudo
comparativo entre três abordagens adotadas para o estudo dos
chamados fenômenos parapsicológicos, com concentração
de interesse no tratamento dado à investigação
dos chamados casos Poltergeist. Os propositores das diferentes abordagens
em questão foram Oscar Gonzales-Quevedo, Hernani Guimarães
Andrade e William Roll, a cada um dos quais dedico um capítulo,
expondo sua trajetória de estudos, seu envolvimento com a Parapsicologia
e sua abordagem de pesquisa.
Há muito o desejo de divulgar essa dissertação
de mestrado existe, porém devido a alguns percalços
ainda não foi possível terminar a transformação
do trabalho acadêmico em livro. Enquanto essa tarefa não
é cumprida, trago neste artigo uma espécie de resumo
de parte do que foi tratado na dissertação como um todo,
feitas algumas revisões e atualizações, concentrando-me,
principalmente, no contexto de desenvolvimento da Parapsicologia em
território brasileiro. Assim, o presente texto se voltará
às abordagens de Quevedo e Andrade especificamente. Por meio
do conhecimento do contexto e das vias pelas quais a pesquisa parapsicológica
– também conhecida como historicamente Metapsíquica
e Pesquisa Psíquica, hoje denominada mais amplamente de Pesquisa
Psi no Brasil – chegou e se desenvolveu em nosso país,
é possível ter uma compreensão mais abrangente
de suas diferentes abordagens, dos desvios e vieses que ela sofreu
e ainda sofre.
Ao ouvirmos falar em “Parapsicologia
no Brasil”, nos vem à mente um misto de idéias
que envolvem crendices, superstições, religiões,
ocultismo. Realmente observa-se uma miscelânea de assuntos e
práticas que, ao longo do tempo, foram abrigados sob o guarda-chuva
denominado “Parapsicologia” para onde
tudo o que é estranho, bizarro e aparentemente fora do normal
foi empurrado. Por falta de conhecimento ou, vez por outra, por pura
má fé, ao longo do tempo foram sendo semeadas informações
equivocadas em terras brasileiras sobre essa ciência difundida
principalmente na Europa e nos Estados Unidos da América. Em
termos de divulgação popular, foram difundidas informações
mais ou menos distorcidas sobre a pesquisa parapsicológica.
Desde que essas informações começaram a chegar
em terras brasileiras até hoje nossos dias vivenciamos capítulos
de histórias mal-contadas por algumas pessoas que especulam
a “Parapsicologia” de forma equivocada. Como num jogo
de telefone sem fio, há várias pessoas que interpretaram
e continuam interpretando as informações recebidas à
sua maneira, satisfazendo necessidades ou desejos particulares.
Se de um lado observam-se crédulos absolutos da existência
de fenômenos parapsicológicos, de outro há aqueles(as)
que se dizem céticos(as) negando a priori a existência
de qualquer possibilidade de ocorrência de eventos anômalos
que desafiem as leis científicas estabelecidas. Essa negativa
se deve principalmente em razão do cenário criado pelos
modos como a Parapsicologia foi divulgada no país, sempre envolvida
com grupos de tendências religiosas, principalmente católicos
e espíritas kardecistas, que procuram explicar as experiências
psi pela ótica de sua respectiva fé, como se estivessem
a falar de ciência. Se isto gerou atritos e preconceitos entre
esses dois principais grupos religiosos, gerou também preconceitos
relacionados à Parapsicologia naqueles que estão fora
da disputa entre espíritas e católicos. Isto ocorreu
porque criou-se o hábito de considerar essa ciência como
uma pseudo-ciência, uma vez que o que mais se divulgou a respeito
da pesquisa parapsicológica ao longo de três décadas
(anos 1960 a 1980) foram conhecimentos derivados dos estudos científicos
realizados especialmente fora do Brasil, utilizados de modo a atestar
ou contestar fenômenos aparentemente anômalos que serviriam
para validar esta ou aquela religião.
A disputa entre católicos e
espíritas teve como principal arma de ataque e defesa conhecimentos
científicos interpretados à luz de cada uma das doutrinas
conflitantes. Essa “competição” começou
na primeira metade do século XX. Nesse período, a Igreja
Católica viu ameaçada sua hegemonia em terras brasileiras
pelo crescente aumento de adeptos ao Espiritismo e de pessoas que,
mesmo continuando oficialmente católicas, participavam de sessões
mediúnicas, desde fins do século XIX.
Há registros de alguns grupos que se reuniam
para discutir sobre as novidades de pesquisas trazidas do exterior
no início do século XX. Especialmente no meio espírita,
as informações chegaram mais rapidamente, devido à
conexão entre o início da pesquisa psíquica e
os fenômenos do Espiritismo. Apenas para lembrar, a Sociedade
de Pesquisas Psíquicas de Londres fora fundada em 1882 por
intelectuais e cientistas com o objetivo de estudar sistematicamente
o fenômeno da leitura de pensamento, da clarividência,
do mesmerismo e dos fenômenos chamados espíritas. (Proceedings
of the SPR, 1882)
Em sua pesquisa realizada no Brasil
na década de 1980, o antropólogo David Hess fez um levantamento
sobre a chegada e o interesse pelas primeiras pesquisas parapsicológicas
no país. Ele conta que, de acordo com os documentos e livros
por ele pesquisados (Abreu, 1950; Acquarone,
1982; Brown, 1986; Bruneau, 1974; Kloppenburg, 1967; Ribeiro, 1941;
Wantuil, 1969; Warren, 1984), o Espiritismo começou
a se expandir pelo Brasil na década de 1870, mais como doutrina
do que como ciência. Apenas na década de 1890 os espíritas
começaram a se interessar pela Pesquisa Psíquica, por
conta da perseguição que sofreram com o advento da Velha
República. Na época, o Espiritismo era considerado ilegal
– incluindo-se tanto o kardecismo como qualquer outra religião
mediúnica – e a lei previa penalidades àqueles
que o praticassem. Não tendo conseguido modificar a lei, os
espíritas procuraram dar um caráter científico
ao seu movimento, voltando-se à Pesquisa Psíquica. Quando
a perseguição ao Espiritismo diminuiu por volta de 1895,
os espíritas se voltaram novamente a uma orientação
mais doutrinal. (Hess, 1987a, p. 472 e 473)
Durante a ditadura de Getúlio Vargas (1930-1945), novo interesse
se reacendeu sobre a Pesquisa Psíquica (denominação
inglesa), Metapsíquica (denominação francesa),
ou como então a já chamada Parapsicologia, denominação
difundida devido ao fato de o casal Rhine ter estabelecido o Laboratório
de Parapsicologia na Duke University no final da década de
1920. Esse novo interesse deveu-se ao fato de a Igreja Católica
fazer, naquele momento, uma pesada campanha contra o Espiritismo por
meio de publicações e de discursos nos quais utilizava
conhecimentos oriundos da pesquisa parapsicológica para desmascarar
o que chamava de “mentiras espíritas”. Nessa época,
a palavra “Espiritismo” ainda era entendida pelo Estado
como termo que designava todas as religiões mediúnicas,
sendo enquadrado como crime de contravenção, com possível
pena de prisão para quem o praticasse em qualquer uma de suas
formas. Isto resultou no fechamento de vários centros kardecistas
e terreiros de Umbanda e Candomblé. Por isso, como aponta Hess:
Novamente, como parte de sua estratégia de defesa, os espíritas
[kardecistas] proclamaram seu empreendimento científico e
traduziram diversos textos da Pesquisa Psíquica européia
que traziam pesquisas e conclusões favoráveis à
interpretação espírita da mediunidade e de
outros princípios espíritas. (Hess,
1987a, p. 473)
Em 1953, a Igreja Católica, por intermédio do Conselho
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), declarou o Espiritismo um desvio
doutrinal perigoso e iniciou, no país, uma forte campanha de
educação contra o kardecismo e a Umbanda. Os principais
autores católicos do período foram Frei Boaventura Kloppenburg
(1957; 1960; 1961a; 1961b; 1967; 1972)
e Álvaro Negromonte (1954). Os
adversários espíritas, Carlos Imbassahy (1935;
1943; 1949; 1950; 1955; 1961; 1962; 1965; 1967; Imbassahy & Granja
1950) e Deolindo Amorim (1949; 1955;
1957; 1978; 1980) rebatiam os ataques católicos através
da publicação de artigos e livros.
Na década de 1960, o então
seminarista espanhol Oscar González Quevedo, mais tarde fundador
do Centro Latino Americano de Parapsicologia (CLAP), foi enviado ao
Brasil com a tarefa de “livrar” o país da superstição
espírita. Um de seus principais antagonistas foi o engenheiro
e intelectual espírita Hernani Guimarães Andrade, fundador
do Instituto Brasileiro de Psicobiofísica (IBPP). Iniciou-se,
então o que Hess chamou de guerra de palavras (Hess,
1987a, p. 473) entre católicos, representados por Quevedo,
e espíritas kardecistas, representados por Andrade. Apesar
de o embate ter sido arrefecido pelo passar dos anos, essa “guerra”
continua até nossos dias (Zangari &
Machado, 1995b, p. 505). Quevedo continua ativo e presente
na mídia e, embora Andrade tenha falecido em 2003, há
outros importantes defensores do pensamento espírita, lutando
ainda para defendê-lo e estabelecer um vínculo entre
a doutrina e o saber científico.
A conseqüência mais imediata
dessa guerra de palavras foi a condenação do substantivo
“Parapsicologia” ao desvio semântico, estando para
sempre comprometido o seu significado, especialmente nos meios acadêmicos.
Por isso, a comunidade internacional de pesquisadores(as) tem discutido
há tempos a utilização de um outro nome para
essa disciplina ou ramo de pesquisa, que não esteja comprometido
com esta ou aquela postura religiosa. Daí surgiram os nomes
“Pesquisa Psi” e “Psicologia Anomalística”
adotados pelo Inter Psi.
Para uma compreensão mais abrangente das dimensões e
implicações dessa guerra de palavras em nosso país
em particular, tratarei de expor resumidamente, a seguir, como se
deu o embate entre Andrade e Quevedo entre as décadas de 1960
e 1980.
Uma Guerra de Palavras
É absolutamente clara a distinção
de abordagens adotadas por Quevedo e Andrade no que se refere à
Parapsicologia e, conseqüentemente, à interpretação
de seus resultados de pesquisas. No entanto, em relação
aos estudos parapsicológicos, têm algo em comum: pretendendo-se
cientistas, não conseguem primar pela busca da tão desejada
neutralidade científica. Obviamente, a neutralidade ideal é
algo praticamente impossível de ser alcançado por completo,
pois independentemente de credos religiosos pessoais, até mesmo
a escolha da ciência como meio de conhecer a realidade já
configura uma decisão pessoal que é certamente tomada
devido a crenças individuais. (Coracini,
1991) Mas pode-se perceber nitidamente quando há um
esforço em primar pela neutralidade, pelo afastamento necessário
para não se deixar levar por certas tendências e nem
para jogar fora a criança juntamente com a água do banho
. Um(a) pesquisador(a) psi deve ter conhecimento e prática
em pesquisa de casos espontâneos e experimental, manter-se sempre
atualizado(a) sobre o assunto e estar aberto(a) às críticas,
o que se faz imprescindível ao processo de construção
do conhecimento científico. Isto permite que se vá sempre
em busca de novas possibilidades, sem comprometer o rigor do trabalho
científico. Fica claro para quem conhece o histórico
dos desenvolvimentos das pesquisas parapsicológicas realizadas
no hemisfério norte e as propostas teóricas e as práticas
de Andrade e Quevedo que estes últimos reinterpretam a Parapsicologia
secular – aquela não comprometida com a religião
– dos Estados Unidos e da Europa de forma organizada e sofisticada
de acordo com objetivos bastante específicos.
Desde sua introdução no país,
o movimento espírita kardecista vem tentando conseguir manter
um espaço próprio. Em princípio, não interessa
aos espíritas combater qualquer outro credo, pois outras religiões
não os incomodam. No entanto, assumem uma posição
de defesa aos ataques recebidos de religiosos católicos. Como
foi dito anteriormente, essa “luta”, representada aqui
pelo trabalho do Pe. Oscar Gonzales Quevedo e do Engenheiro Hernani
Guimarães Andrade sempre foi um combate movido por interesses
religiosos e políticos no sentido amplo do termo, que evidencia
a utilização da Parapsicologia como discurso competente
a serviço de objetivos ideológicos. (Hess,
1991)
Quevedo, sendo um interessado pelos chamados fenômenos parapsicológicos
desde criança, desenvolveu todo o seu conhecimento na área
de acordo com um ambiente europeu, branco e jesuíta. Demonstra
ter recebido uma formação iluminista quando trata do
Espiritismo, o que não acontece quando trata de milagres. Como
o próprio Quevedo afirmou em entrevista a mim concedida em
1996 no CLAP, seu envolvimento com a Parapsicologia se deu em parte
devido a planos pessoais e, em parte, pelos planos traçados
por pelo Pe. Vicente Gonzales, superior da província do Brasil
em 1959, que viu em Quevedo alguém que teria a possibilidade
de empreender uma luta eficaz contra o Espiritismo crescente no Brasil.
Andrade, por sua vez, afirmou também
em entrevista a mim concedida em 1996, em Bauru, que começou
por um caminho de busca pessoal por explicações a respeito
da origem e manutenção vida. Ele se dizia um “franco-atirador”,
não-religioso, sem ligação formal com nenhuma
associação. Curiosamente, porém, publicou vários
textos no jornal Folha Espírita defendendo explicitamente o
Espiritismo utilizando-se de pseudônimos para assiná-los,
quais sejam K.W. Goldstein e Lawrence Blacksmith.
Segundo o Foundations for Parapsychology, publicado em 1986
nos EUA, escrito por membros da Parapsychological Association, a mais
importante associação internacional de pesquisadores(as)
psi, a Parapsicologia seria “…o campo científico
que estuda as interações sensoriais e motoras que aparentemente
não são mediadas por nenhum mecanismo ou agente físico
conhecido” (Rush, 1987, p. 4).
Andrade e Quevedo apresentam definições bem distintas
para o que seja Parapsicologia. Quevedo a define como “a ciência
que tem por objeto a comprovação e a análise
dos fenômenos à primeira vista inexplicáveis que
apresentam, porém, a possibilidade de serem resultado de faculdades
humanas” (Quevedo, 1982, p. 21).
Esta definição é bastante falha. Fenômenos
aparentemente inexplicáveis existem muitos e certamente há
vários que não pertencem ao escopo da Pesquisa Psi.
Podem ocorrer fenômenos geológicos, metereológicos,
médicos etc., que à primeira vista sejam inexplicáveis,
mas com certeza, há ciências pertinentes que se ocuparão
destes, e não a Pesquisa Psi. Além disso, a definição
quevediana abre caminho à possibilidade de esses “fenômenos
inexplicáveis” não serem fruto da ação
humana, mas não deixa claro quais seriam essas outras possibilidades
de intervenção. Na realidade, Quevedo parte do princípio
de que os fenômenos podem ser provocados ou pelo ser humano
vivo ou por intervenção divina, nunca por espíritos.
E fecha questão.
Segundo Andrade, “a Parapsicologia é algo provisório
que deveria estudar os fenômenos cujas leis causais eficientes
não se enquadram dentro do conjunto das leis conhecidas”
(Andrade, 1967; Blacksmith, 1979b, p. 7).
Essas palavras combinam mais com a definição proposta
pelo Foundations do que as de Quevedo, mas não deixam explícita
a abordagem que Andrade assume na realidade. Como ele mesmo afirma
em seus textos, assinados com seu próprio nome ou com os pseudônimos
que adota, o ser humano vivo pode realizar fenômenos parapsicológicos,
porém conta com a ajuda de seres incorpóreos que, por
vezes, agem até mesmo independentemente dos seres humanos vivos.
Além disso, seu interesse pelas pesquisas é influenciado
por outros princípios espíritas, tais como, a reencarnação
e a existência do perispírito ou corpo astral (Andrade
1959; 1976; 1983; 1984; 1986; 1988). E, a partir daí,
na prática, Andrade constrói uma complicada estrutura
teórica baseada na doutrina espírita para explicar a
ocorrência dos fenômenos, utilizando também conhecimentos
de Física, Biologia e Parapsicologia (Hess,
1987a, p. 468).
Um bom exemplo para ilustrar as abordagens de Quevedo e Andrade é
o modo como cada um deles lida com o estudo ou explicações
para os chamados casos Poltergeist . A metodologia utilizada por Andrade
para a pesquisa dos casos Poltergeist é exemplar: busca fatos,
compila dados, faz análises, vasculha questões psicológicas
e também tenta lançar luz sobre os eventos físicos
ocorridos nos casos. Há, porém, um deslize que faz a
diferença no momento de análise dos dados: Andrade desconsidera
a possibilidade de falha no testemunho humano. Essa falha não
necessariamente se refere à mentira por má-fé,
mas à possibilidade de falhas perceptivas e preenchimento de
expectativas aos quais todos os seres humanos são suscetíveis.
Por mais honestas que as pessoas sejam, sempre há a possibilidade
de haver erro de interpretação dos fatos ou exageros
e/ou omissões que ocorrem inconscientemente. Portanto, embora
o testemunho humano seja valioso nas investigações,
não se pode fiar-se apenas nele. Andrade estabeleceu que pesquisas
laboratoriais com os epicentros (protagonistas dos casos Poltergeist
) não levam a nada, como ele afirmou na entrevista que me concedeu.
Desta forma, ele não realizava pesquisas experimentais com
os envolvidos nos casos. Suas respostas para o motivo e o mecanismo
das ocorrências são fruto de observações
e coleta de testemunho dos casos que investigava (Andrade,
1988, p. 125). Andrade adotou oficialmente um ponto de vista
em relação aos fenômenos Poltergeist que aparentemente
se encontra num meio termo entre o que ele chama de abordagem reducionista
e a abordagem espírita, ou seja, os fenômenos poderiam
ser provocados tanto por seres humanos quanto por seres incorpóreos.
Como ele afirma:
Em certas circunstâncias, o paciente torna-se um epicentro,
isto é, passa a produzir a energia (ou substância)
capaz de propiciar a ação mecânica sobre os
objetos materiais, por parte de um ser incorpóreo, seja ele
um Espírito desencarnado, um elemental, o corpo astral de
um vivo, ou então qualquer outro ser incorpóreo. Desde
que seja possível a um ser incorpóreo aproveitar-se
da energia do médium, com maior razão poderá
o próprio Espírito do epicentro valer-se da energia
que lhe é própria para produzir os fenômenos
de Poltergeist. Para isto, seria necessário que pelo menos
uma parte da individualidade do epicentro fosse capaz de abandonar
o seu próprio corpo e agir a uma determinada distância
do mesmo (Andrade, 1988, pp. 24 e 25).
Ao esclarecer sua posição, fica claro que, de uma forma
ou de outra, Andrade atribui a causa de um Poltergeist à ação
de um espírito. Na verdade, ele acomoda seus pressupostos às
ocorrências e sempre encontra respaldo para seu modelo de explicação
do fenômeno. Esse modelo inclui práticas mágicas
e a ação de seres incorpóreos, ou seja, de espíritos.
Essas práticas mágicas se referem a trabalhos realizados
em terreiros de macumba, Umbanda e Candomblé. Como foi dito,
é inegável que a coleta de dados realizada por Andrade
nas investigações dos casos Poltergeist é rigorosa,
porém, suas interpretações e conclusões
dos fatos são tendenciosas.
Quevedo também apresenta um
modelo “definitivo” de explicação para os
chamados fenômenos parapsicológicos. Considerando-se
os Poltergeists, por exemplo, ele e sua equipe partem para investigações
de casos com respostas prontas, querendo dissipar “aquele mal”,
procurando por algum adolescente que seria o responsável pelo
fenômeno. A ocorrência de um Poltergeist é, segundo
Quevedo, sinal de patologia. O que importa, então, é
“esclarecer com caridade a família afetada e fazer o
fenômeno parar de ocorrer” . E, para isto, é preciso
seguir as instruções do CLAP. O fato de se garantir
que seguindo as orientações e submetendo-se ao tratamento
proposto pela equipe o problema será resolvido cria uma subordinação
dos personagens dos casos ao CLAP e, por conseguinte, à doutrina
católica. A lista de procedimentos de investigação
(Friderichs, 1980, p. 21-24) inclui rezas
e bênçãos, especialmente se a família não
professar a religião católica, e advertências
caridosas acerca dos perigos trazidos pelo Espiritismo. Como se pode
notar, esses procedimentos não configuram uma pesquisa de campo
científica, mas sim uma visita de caráter catequético.
Há observações quanto à desnutrição
ou incidência de patologia entre os envolvidos no caso que correspondem
ao lado negativo que Quevedo empresta aos Poltergeists e demais fenômenos
parapsicológicos. Ele sustenta que os fenômenos são
naturais, próprios do ser humano, mas aponta seu lado ruim,
ou seja, a degeneração psicofisiológica decorrente
da produção repetitiva desses fenômenos. Dessa
forma, tenta inibir a busca da fomentação dos mesmos,
incentivada pelo Espiritismo. Por conta disso, para ser coerente,
Quevedo também se opõe à pesquisa experimental
que tenta produzir os fenômenos em laboratório para finalidades
de estudo. Contraditoriamente, no entanto, Quevedo elogia os experimentos
realizados por pesquisadores tais como Ferdinando Cazzamalli, Emilio
Servadio, William Crawford, William Crookes, Eugéne Osty, entre
outros, e chega a defender, ainda que indiretamente, não só
a realização como o reconhecimento desses experimentos
pela comunidade científica em geral (Quevedo,
1983b, p. 30).
É interessante notar que, à
exceção da materialização perfeita, a
qual Quevedo diz ser impossível acontecer (Quevedo,
1982, p. 68), ele não nega os fenômenos supostamente
provocados por espíritos. Nem mesmo o ectoplasma é ignorado.
Ele se transforma, na chamada “Parapsicologia quevediana”,
em telergia condensada. A adoção de uma classificação
detalhada dos fenômenos, como Charles Richet o fez na Metapsíquica,
possibilita a Quevedo apresentar uma explicação específica
para cada um deles. Não negando os fenômenos, em princípio,
não afasta quem acredita na ação de espíritos
desencarnados, mas oferece-lhes uma interpretação diferente
daquela proposta pela doutrina espírita.
Quevedo ataca explicitamente o Espiritismo
e não faz questão de esconder sua verdadeira intenção
de desmistificar os chamados fenômenos espíritas através
da Parapsicologia. Como se falasse em nome dos(as) pesquisadores(as)
psi em geral, Quevedo afirma:
A Parapsicologia opõe-se à posição espírita
por tê-la como ‘apriorística’ e supérflua;
porque não explica o que trata de explicar e porque tem sido
demonstrado que seus fundamentos não resistem ao rigor da
experimentação científica. Por outra parte,
quero deixar claramente estabelecido que isto não quer dizer
que a Parapsicologia negue alguma intervenção produzida
de vez em quando ‘de lá para cá’, espontaneamente,
por poder divino. Existem fenômenos que a Parapsicologia não
tem podido explicar: aquilo que nós chamamos de milagres.
Mais ainda, fenômenos que superam claramente as possibilidades
humanas. Tais fenômenos só aconteceram em contexto
religioso divino. À exceção destes poucos fenômenos,
insisto em que todos os demais os explicou e os explica hoje a Parapsicologia
como fatos naturais. São fenômenos da alma humana não
atribuíveis aos espíritos nem a nenhuma outra entidade
(Quevedo, 1973, p. 21).
Quevedo abriga sob o termo Espiritismo todas
as religiões mediúnicas. Pretende provar que o Espiritismo
é uma tapeação, pois, segundo o padre, contraria
fatos científicos comprovados. Além disso, Quevedo é
declaradamente sectarista: para ele, o milagre, o único fenômeno
sobrenatural que, segundo ele, seria aceitável, só ocorreria
em ambiente católico.
A posição de Andrade quanto à
postura de Quevedo fica clara no artigo As três Faces da Parapsicologia
(III): A Face Espírita Brasileira . Como em um desabafo, sob
o pseudônimo Lawrence Blacksmith, Andrade explode:
Nos países onde predomina
o materialismo além da influência de outras crenças
religiosas reacionárias, os fenômenos espiritóides
são ou desacreditados ou descartados. As faculdades mediúnicas
são logo abafadas, catalogadas e tratadas como casos vulgares
de psicopatia ou neurose, assim que se manifestam.
A precariedade de informação
atrás referida teve outras conseqüências negativas,
no tocante à Parapsicologia em nosso país. Propiciou
a proliferação de pseudo-parapsicólogos com
objetivos escusos e não-científicos. Entre esses aventureiros,
alguns religiosos fanáticos e intolerantes procuram disseminar
a confusão no seio da massa leiga, usando indevidamente o
nome da Parapsicologia como suporte de seus absurdos ataques ao
Espiritismo. Aproveitando-se da ingenuidade da maioria mal informada,
lançaram mão de vulgares argumentações
não científicas a favor de suas teses esdrúxulas
(Blacksmith, 1979c, p. 13).
Mesmo quando escreve assinando seu próprio
nome, Andrade tenta claramente provar que o que diz tem fundamentos
científicos e pode ser comprovado, utilizando, no entanto,
palavras brandas, sem acusar diretamente ninguém que pense
o contrário. Arma todo um discurso ao redor da Física
e da Biologia, constrói aparelhos, é um operário
do conhecimento. Diz não ser espírita, apesar de sua
evidente crença nos espíritos. Talvez essa sua negação
se deva a resquícios da época em que havia uma perseguição
legal ao Espiritismo, momentos em que os espíritas se viram
obrigados a dissimular seu interesse religioso e o fizeram sob a camuflagem
da Pesquisa Psíquica, Metapsíquica ou Parapsicologia.
A idéia de que se dizer espírita era assumir uma posição
marginal na sociedade parece ter permanecido. Por isso, pode ser que,
quando adotava pseudônimos, Andrade se sentisse mais à
vontade para defender o Espiritismo abertamente. O fato de não
se apresentar oficialmente como espírita emprestaria maior
credibilidade às suas pesquisas, uma vez que isto supostamente
não lhe daria um ar tendencioso. Desta forma, Andrade não
desdiz o que os espíritas anunciam, apenas diz o mesmo, criando
ou utilizando termos diferentes.
É possível notar traços
iluministas no pensamento de Andrade e Quevedo. Se Andrade, por um
lado, critica o fechamento da ciência de um modo geral às
hipóteses – para não dizer certezas - espíritas,
rejeitando uma das maiores conquistas da Parapsicologia que foi a
filiação da Parapsychological Association à American
Association for Advancement of Science (AAAS) desde 1969, por outro,
faz questão absoluta de aplicar os mesmos métodos propostos
pela comunidade científica internacional em seu trabalho e
de negar seu lado espírita. Além disso, Andrade, especialmente
ao assumir o pseudônimo Lawrence Blacksmith, tenta mostrar aos
espíritas que a Parapsicologia é uma aliada do Espiritismo,
e não uma inimiga como principalmente Quevedo e seus colaboradores
pretendem demonstrar:
Embora tais tentativas de desmoralização do Espiritismo
ainda que não tenham produzido o efeito colimado, elas geraram
uma reação inesperada. Criaram imerecida aversão
contra a Parapsicologia por parte de diversos líderes espíritas
que se deixaram impressionar pelo abundante palavreado e pelas mágicas
circences empregadas a título de “demonstrações
científicas” das aulas proferidas por alguns daqueles
sectaristas. A referida reação da parte de vários
dirigentes espíritas tem prejudicado a necessária
penetração da Parapsicologia no âmbito das elites
kardecistas, impedindo que se aproveitem das pesquisas parapsicológicas
no enriquecimento do seu patrimônio científico.
Antes de prosseguir, queremos alertar
os espíritas ainda influenciados pela ridícula campanha
atrás aludida, de que jamais a Parapsicologia foi, é
ou será adversária do Espiritismo. Eles se complementam.
Da sua conjugação surgirá um novo aspecto no
conhecimento científico acerca da natureza do homem e do
Universo, cuja grandiosidade e importância dificilmente poderão
avaliar-se assim de momento (Blacksmith, 1979c,
p. 13 e 14).
Quevedo deixa explícito que seu trabalho em Parapsicologia
é basicamente voltado à observação dos
fatos e à pesquisa bibliográfica. Suas referências,
no entanto, são praticamente todas anteriores ao início
da década de 1970. Quevedo extrapola os resultados de pesquisas,
apropriando-se de dados não conclusivos e adequando-os a suas
intenções, utilizando-os como provas irrefutáveis
.
O viés das interpretações
que Andrade e Quevedo se mostra claro no modo como se referem a pesquisadores.
Por exemplo, ao se referir a pesquisadores de casos Poltergeist ,
Andrade classifica as abordagens e propostas de Guy Lyon Playfair
e a de Camille Flamarion como dualistas e conciliatórias, uma
vez que ambos aceitam tanto a possibilidade de um evento parapsicológico
ocorrer simplesmente pela ação do ser humano vivo, quanto
pela intervenção de uma entidade incorpórea.
As opiniões de Hereward Carrington, Nandor Fodor e William
Roll, por sua vez, são interpretadas como reducionistas, pois
defendem a idéia de que os fenômenos seriam provocados
pelo próprio ser humano (Andrade, 1988,
pp. 12-18). Entretanto, Andrade busca nos escritos de “opositores”
à hipótese espírita, algo que possa corroborar
essa hipótese de alguma forma. Referindo-se à abordagem
do pesquisador William Roll, por exemplo, Andrade diz:
O Dr. W.G. Roll é conhecido internacionalmente como uma autoridade
em fenômenos de assombração e Poltergeist. Particularmente
com relação ao Poltergeist, ele tem uma opinião
predominantemente monista e reducionista, tendendo a atribuir ao
epicentro a origem dos distúrbios. Entretanto, confessa-se
acessível a admitir, em alguns casos, a intervenção
de entidades incorpóreas. Vamos transcrever na íntegra
esta opinião exarada na obra de sua autoria, The Poltergeist;
New Jersey: New American Library, 1974 (Andrade,
1988, p. 19).
E Andrade transcreve o seguinte trecho, traduzido ao português:
Não sei de nenhuma evidência
para a existência do Poltergeist como um agente incorpóreo,
a não ser os próprios distúrbios, e estes podem
ser mais simplesmente explicados como efeitos PK de uma entidade
de corpo e alma que está em seu centro. Não é
por isso, porém, que devemos fechar nossa mente à
possibilidade de que alguns casos de RSPK possam ser devidos a entidades
incorpóreas. Mas não há nenhuma razão
para postular tal entidade quando os incidentes ocorrem ao redor
de uma pessoa viva. É fácil supor que a pessoa central
é ela mesma a fonte da energia PK (Roll,
1974, p. 144, citado em Andrade, 1988, p. 19).
Como se pode notar, Roll não diz que admite
a hipótese em alguns casos, mas sim, que não se pode
fechar questão sobre uma ação unicamente humana
apesar de as evidências já levantadas apontarem para
isto. Dependendo de como se lê as palavras de Roll e as observações
feitas por Andrade, estas podem ser interpretadas de formas diferentes.
Há que se lembrar que, para Andrade, as características
dos eventos Poltergeist descritos por testemunhas seriam mais do que
evidências de que o fenômeno se daria por intermédio
de agentes incorpóreos.
Um aspecto interessante do discurso
de Quevedo são as palavras que utiliza ao se referir a pesquisadores
quando os cita ou menciona. Durante a entrevista a mim concedida em
04/09/1996, por exemplo, refere-se aos ensinamentos espíritas
como “erros de Kardec”. As palavras que Quevedo escolhe
para compor seu discurso deixam explícita sua postura. Quando
o pesquisador, segundo a interpretação de Quevedo, corrobora
suas idéias, recebe adjetivos como: “o grande”,
“o ilustríssimo”, “o celebérrimo”
etc. Mas quando se refere a pesquisadores que têm tendências
diferentes da sua, ainda que Quevedo esteja utilizando o nome de algum
deles para corroborar sua idéia, estes podem receber algum
adjetivo negativo ou ser alvo de alguma observação não
elogiosa. O mesmo não acontece com Andrade, que nas conversas
procurava sempre elogiar aqueles a quem se referia, compartilhassem
ou não de suas opiniões.
Pode-se notar a diferença do
tratamento dispensado por Quevedo aos pesquisadores a que se refere
comparando-se a citação em que se refere Crawford e,
logo a seguir, quando que ele fala sobre experimentos feitos por William
Crookes com Daniel Dunglas Home, experimentos que, segundo Quevedo,
corroborariam suas idéias “telérgicas”:
EXISTE A FORÇA! – Prescindindo
agora dos efeitos mecânicos por ela realizados e que estudaremos
ao longo do livro, a mesma força como tal foi comprovada,
medida e verificada…
O Dr. Crawford foi muito discutido;
realizou, porém, experiências de grande valor, como
veremos.Com a senhorita Goligher agindo como médium, Crawford
comprovou a força mecânica do ‘fluido’:
[Quevedo cita Crawford] ‘Eu havia construído um contato
elétrico muito sensível… seria suficiente soprar
fortemente sobre ele para fazer funcionar a campainha. Eu passava
o aparelho aqui e ali, diante da médium, com o papelão
paralelo a seu corpo e perpendicular a qualquer linha que dela emanasse.’
Durante sessões em que a senhorita Goligher realizava telecinesias
de uma mesa (movimento à distância, que estudaremos),
quando Crawford interpunha o aparelho entre a dotada e a mesa, a
campainha tocava e a mesa imobilizava.
UM SÁBIO COMPROVA —
O celebérrimo sábio Dr. William Crookes, em condições
magníficas de experimentação, [trabalhando
com D.D. Home, talvez o mais notável dos dotados na história
da investigação parapsicológica, comprovou
e até tratou de medir a força mecânica exercida
pelo fluido em determinadas ocasiões (pois a força
pode oscilar muitíssimo, segundo os diversos dotados e ocasiões)
(Quevedo, 1983, p. 37 e 38).
É notável, a diferença de
tratamento dado a Crawford e Crookes. Parece que Quevedo apenas utilizou
o exemplo de Crawford para demonstrar que nas sessões espíritas
a telergia supostamente está presente, mas quem vem confirmar
mesmo essa hipótese, segundo ele, é Crookes, “o
sábio”, “o celebérrimo”, que não
realizou suas pesquisas em sessões espíritas, mas sim,
sob “condições magníficas de experimentação”
e não com qualquer um, mas com, talvez, “o mais notável
dos dotados”, D.D.Home, que, até onde se sabe, nunca
foi flagrado em fraude. O fato de Crawford ter feito experimentos
sobre um certo tipo de força e esses experimentos terem correspondido
às suas hipóteses, não significa que a força
detectada por ele tenha necessariamente a ver com a telergia postulada
por Quevedo, o mesmo acontecendo com Crookes.
Quevedo foi criticado pelo psicólogo
porto-riquenho Alfonso Martínez Taboas em um artigo publicado,
entre outros meios, pela Revista Brasileira de Parapsicologia (1993).
Nesse artigo, Taboas afirma que não se pode negar que os livros
e artigos de Quevedo citem, como referência, grande quantidade
de obras clássicas, porém,
...se fazemos uma revisão
crítica e detida em seus [de Quevedo] argumentos e documentação,
nos defrontaremos com algo que nos causa estranheza. O que pareciam
ser citações fidedignas de documentos, em ocasiões
não infreqüentes, são distorções
dos originais; seus raciocínios se debilitam consideravelmente
ao nos depararmos com a sutileza com que usa diversas falácias;
o que parecia ser uma conclusão irrefutável, ao tratar-se
de verificá-las nos documentos citados, mostrou-se insustentável,
devido ao manejo de documentos (Taboas, 1993,
p. 20).
Taboas diz ter fichado, apenas em As Forças Físicas
da Mente (1983b), mais de setenta manipulações
de evidências ou erros, subdividindo-os em contradições,
omissões, distorções, erros e dogmatismo. Afirma
que a “Parapsicologia quevediana” está claramente
comprometida com a doutrina católica. Por isso, no dizer de
Taboas (1993, p. 24), Quevedo pode ser
considerado um autor proselitista que deseja impulsionar de maneira
desmedida sua ideologia católica, comparado-o a Sir Arthur
Conan Doyle, que apresentava comportamento semelhante, porém
tendencioso ao Espiritismo. Nas palavras de Taboas:
Gonzales Quevedo, ao esboçar sua teoria
da ectoplasmia, alega que essa misteriosa e controversa substância
chamada ectoplasma, o máximo que pode conseguir é
formar membros ou figuras ‘rudimentares’ e ‘imperfeitas’.
Sobre o médium [de efeitos
físicos] D.D. Home, diz o Pe. Quevedo que ‘jamais se
lhe poderia imputar um truque. E é sintomático que
as ectoplasmias do bem dotado Home sempre tenham sido rudimentares.’
Quevedo passa a fundamentar sua asserção citando extensamente
a Sir William Crookes [1874, p. 281],
onde parece demonstrar que as mãos que costumavam se apresentar
em suas sessões eram vagas e pouco precisas.
No entanto, é inquietante
pensar porque o Pe. Quevedo não transcreveu o parágrafo
seguinte do testemunho de Crookes, que é de sumo interesse
e importância para fundamentar ou rejeitar sua teoria. Diz
Crookes: “Ao toque, a mão, às vezes, parece
fria como o gelo e como morta; em outras ocasiões, sensível
e animada, e aperta minha mão com uma pressão firme,
da mesma forma como faria um velho amigo.” (Taboas,
1993, p. 21)
Outros autores também já chamaram a atenção
para a postura dogmática de Quevedo, como o antropólogo
americano David Hess e o psicólogo mexicano Sérgio Rueda:
Oscar Gonzales
Quevedo reinterpretou a Parapsicologia dos Estados Unidos e da Europa
à luz da doutrina da Igreja Católica… para obstaculizar
as bases científicas do Espiritismo, a Umbanda e as religiões
afro-brasileiras. (Hess, 1987b, p.
26)
… [Quevedo] tem usado a Parapsicologia
como uma arma ideológica em uma briga para marcar sua perspectiva
conceitual particular… De fato, para atingir suas metas, o
Pe. Quevedo tem distorcido a Parapsicologia em seus livros, querendo,
a maior parte do tempo, acomodar dogmas católicos à
sua conveniência. (Rueda, 1991, p. 183)
Um flagrante,
que não pode deixar de ser citado, é a afirmação
de Quevedo sobre a posição contrária de William
Roll em relação à realização de
pesquisas experimentais, o que não corresponde à prática
de pesquisa de Roll. Entre essas e tantas outras situações,
pode-se dizer que o controle de Quevedo sobre as informações
transmitidas também está presente na sua preocupação
em não permitir livre acesso a todos os livros de sua vasta
biblioteca, que preserva seções permitidas apenas a
certas pessoas.
Quando recebe críticas, Quevedo
por vezes as ignora. Ao ser convidado a responder às críticas
de Taboas (1993) publicadas na Revista Brasileira de Parapsicologia,
Quevedo disse não ter nenhum interesse em fazê-lo, pois,
segundo ele, qualquer pessoa inteligente veria que aquilo não
tinha o menor fundamento. Além disso, ele afirma que há
quarenta anos mantém as mesmas ideias e não pretende
mudá-las.
Andrade, por sua vez, dizia adotar
a política de não debater. Como ele disse na entrevista
realizada em 1996: “Cada um tem o direito de sair com o
seu nariz, mas não pode esmurrar o nariz das pessoas que não
têm um nariz igual ao seu”. Porém, classificava
a abordagem dos pesquisadores da comunidade internacional que realizam
pesquisas de laboratório e de campo como reducionistas e materialistas
devido ao fato de não atestarem a existência dos espíritos
ou do ectossoma, como ele propõe. A comunidade parapsicológica
internacional discute temas como as alegações de ação
dos espíritos e da sobrevivência após a morte,
porém, não há uma posição tomada
em consenso que rejeite ou aceite, a priori, tais hipóteses.
Elas estão sendo investigadas, e julga-se ainda prematuro assumir
uma determinada posição quanto a elas no momento. As
evidências, entretanto, são favoráveis à
hipótese da ação dos seres vivos.
Os latino-americanos e ibéricos,
de forma geral, não são abertos a críticas, talvez
porque elas soem como um ataque a quem está sendo criticado.
No entanto, saber criticar é saber avaliar da forma mais neutra
possível alguma questão, apontando aspectos dignos de
nota, sejam eles positivos ou negativos. Os latino-americanos e ibéricos,
talvez por uma questão cultural, geralmente não sabem
receber críticas como também não sabem criticar.
Isto se reflete no comportamento de Quevedo e Andrade. Por questões
políticas, provavelmente, elogiam os trabalhos um do outro,
mas não deixam de criticar negativamente o “adversário”:
sempre se consideraram reciprocamente tendenciosos e fanáticos.
As atitudes de Quevedo e Andrade descritas
neste artigo são o principal motivo de seu afastamento da Parapsicologia
secular. Seus conceitos de Parapsicologia e seus anseios em relação
a ela não correspondem ao que ela realmente é. A Parapsicologia
ou Pesquisa Psi, na verdade, prima pela investigação
científica de experiências humanas aparentemente anômalas,
que desafiariam as leis científicas estabelecidas. A busca
de respostas por meios científicos de investigação
exige um abrir-se às experiências e, cumprindo os protocolos
de pesquisa, tentar compreendê-las. Como bem diz Marilena Chauí:
A obscuridade de uma experiência
nada mais é senão seu caráter necessariamente
indeterminado e o saber nada mais é senão o trabalho
para determinar essa indeterminação, isto é,
para torná-la inteligível. Só há saber
quando a reflexão aceita o risco da indeterminação
que a faz nascer, quando aceita o risco de não contar com
garantias prévias e exteriores à própria experiência
e à própria reflexão que a trabalha. (Chaui,
1990, p. 5)
Os discursos
e táticas de Andrade e Quevedo são claramente escolhidos
de acordo com seus motivos pessoais. A questão importante é:
por que escolheram um discurso pretensamente científico como
arma de ataque ou de defesa? E por que escolheram a Parapsicologia
como um dos instrumentos para realizar tal empresa? O fato é
que, em se tratando da escolha de uma arma, teriam que optar por algo
que fosse consistente, forte e convincente. A Filosofia, por exemplo,
lida com idéias, que são facilmente discutíveis,
não são palpáveis, por isso não serviria
a esses propósitos. Mas a Ciência lida com fatos, pesquisas,
resultados e demonstração de evidências, portanto
tem um caráter mais definitivo, ainda que hoje a tendência
científica seja de não fechar questão sobre nada,
e sim considerar demonstrações que podem ser refutadas
por pesquisas futuras. A Parapsicologia foi, provavelmente, a escolhida
como arma porque seu objeto de estudo faz fronteira com as crenças
religiosas da sobrevivência à morte. Assim, não
respeitando os limites próprios da ciência, adotou-se
a Parapsicologia com a finalidade de confirmar a existência
da alma, do espírito ou do sobrenatural, na tentativa de impor
idéias e conceitos.
À luz do que foi aqui exposto,
fica evidente a utilização da Parapsicologia para a
defesa da fé católica e da fé espírita
no Brasil. Como já foi dito, isto contribuiu e ainda contribui
em muito para a geração de preconceitos em relação
à Pesquisa Psi propriamente dita. Esse cenário está
começando a mudar graças ao esforço de pessoas
comprometidas seriamente com a pesquisa científica de psi.
Trabalhos acadêmicos têm sido realizados e há um
grande empenho para a divulgação e atualização
de informações sobre pesquisas e seus resultados. Um
futuro mais promissor parece estar se desenhando para a Pesquisa Psi
em terras brasileiras, muito além da cruz e da mesa branca.
ACQUARONE, F. (1982) Bezerra de Menezes:
O médico dos Pobres . São Paulo: Aliança.
AMORIM, D. (1949) Africanismo e Espiritismo
. Rio de Janeiro: Gráfico Mundo Espírita. (Publicado originalmente
em 1946)
_____. (1955) O Espiritismo à
Luz da Crítica . Curitiba: Federação Espírita
do Paraná.
_____. (1957) O Espiritismo e as Doutrinas
Espiritualistas . Curitiba: Federação Espírita
do Paraná.
_____. (1978) O Espiritismo e a Criminologia
. Curitiba: Federação Espírita do Paraná.
_____. (1980) Idéias e Reminiscências
Espíritas . Juiz de Fora: Instituto Maria.
ANDRADE, H.G. (1959) Teoria Corpuscular
do Espírito . São Paulo: Edição do Autor.
_____. (1976) Parapsicologia Experimental
. São Paulo: Livraria Espírita Boa Nova. (1ª edição:
1967)
_____. (1983) Morte, Renascimento,
Evolução: Uma Biologia Transcendental . São Paulo:
Pensamento.
_____. (1984) Espírito, Perispírito
e Alma: Ensaio sobre o Modelo Organizador Biológico . São
Paulo: Pensamento.
_____. (1986) Psi Quântico: Uma
Extensão dos Conceitos Quânticos e Atômicos à
Idéia do Espírito . São Paulo: Pensamento.
_____. (1988) Poltergeist – Algumas
de suas Ocorrências no Brasil . Ed. Pensamento, São Paulo,
SP, Brasil.
BLACKSMITH, L. (1979a) As Três
Faces da Parapsicologia (I): A Face Soviética . Folha Espírita,
6, 63, p. 5.
_____. (1979b) As Três Faces
da Parapsicologia (II): A Parapsicologia Ocidental. Folha Espírita,
6, 4, p. 4-5.
_____. (1979c) As Três Faces
da Parapsicologia (III): A Face Espírita Brasileira . Folha Espírita,
6, nº 63, p. 4-5.
BROWN, D. (1986) Umbanda: Religion
and Politics in Urban Brazil . Ann Arbor, MI: UMI Research Press.
BRUNEAU, T. (1974) The Political Transformations
of the Brazilian Catholic Church . Cambridge: Cambridge University Press.
CHAUI, M. (1990) Cultura e Democracia:
O Discurso Competente e Outras Falas . São Paulo: Cortez.
CORACINI, M. J. (1991) Um Fazer Persuasivo:
O Discurso Subjetivo da Ciência. São Paulo: Pontes/Educ.
CROOKES, W. (1874) Researches on the
Phenomena of Spiritualism . London: Burns.
RUSH, J.H. (1987) What is parapsychology?
In Edge, H.L., Morris, R.L. Palmer, J. & Rush, J.H. Foundations
of Parapsychology . New York: KP, p. 3-8.
FANTONI, B. (1981) Magia e Parapsicologia
. São Paulo: Loyola.
FRIDERICHS, E. (1980) Casas Mal-Assombradas:
Fenômenos de Telergia. São Paulo: Loyola.
HESS, D. (1987a) Religion, Heterodox
Science and Brazilian Culture . In Social Studies of Science. Beverly
Hills: SAGE. Vol.17, p. 465 a 477.
_____. (1987b) The Many Rooms of Spiritism
in Brazil . Luso Braziliam Review, 24, pp. 15- 34.
_____. (1991) Spirits and Scientists.
Ideology, Spiritism, and Brazilian Culture . Pennsylvania: The Pennsylvania
State University Press.
IMBASSAHY, C. (1935) O Espiritismo
à Luz dos Fatos . Rio de Janeiro: Federação Espírita
Brasileira.
_____. (1943) A Mediunidade e a Lei
. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira.
_____. (1949) Espiritismo e Loucura
. São Paulo: LAKE.
_____. (1950) À Margem do Espiritismo
. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira.
_____. (1955) A Evolução,
Com uma Resposta Crítica Sobre o Livro “A Reencarnação
e Suas Provas”. Curitiba: Federação Espírita
do Paraná.
_____. (1961) Sessões, Médiuns
e Débeis . Revista Internacional do Espiritismo (Fevereiro-Maio)
_____. (1962a) De Flammarion a Richet
. Revista Internacional do Espiritismo (Julho)
_____. (1965) A Farsa Escura da Mente
. São Paulo: LAKE.
_____. (1967) Enigmas da Parapsicologia
. São Paulo: Calvário.
IMBASSAHY, C. & GRANJA, P. (1950)
Fantasmas, Fantasias e Fantoches . São Paulo: Édipo.
KLOPPENBURG, B. (1957) A Reencarnação:
Exposição e Crítica . Petrópolis: Vozes.
_____. (1960) O Espiritismo no Brasil:
Orientação para os Católicos . Petrópolis:
Vozes.
_____. (1961a) O Reencarnacionismo
no Brasil . Petrópolis: Vozes.
_____. (1961b) A Umbanda no Brasil:
Orientação para os Católicos . Petrópolis:
Vozes.
_____. (1972) Ensaio de uma Nova Posição
Pastoral perante a Umbanda. In Cultos Afro-Brasileiros . Rio de Janeiro:
Sóno-Víso do Brasil.
MACHADO, F.R. (1996) A causa dos espíritos.
Um estudo da utilização da Parapsicologia para a defesa
da fé católica e espírita no Brasil. Dissertação
de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Religião da PUC/SP.
NEGROMONTE, A. (1954) O que é
Espiritismo . Rio de Janeiro: Santa Maria. (Publicado originalmente
em 1949.)
QUEVEDO, O.G. (1973) Ambiente e Influxo
da Parapsicologia. Parapsicologia: Revista do Centro Latino Americano
de Parapsicologia, 1, pp. 10 a 23.
_____. (1982) O que é Parapsicologia?
São Paulo: Loyola. (Publicado originalmente em 1974.)
_____. (1983a) A Face Oculta da Mente
. São Paulo: Loyola. (Publicado originalmente em 1964.)
_____. (1983b) As Forças Físicas
da Mente . São Paulo: Loyola. Vol.1. (Publicado originalmente
em 1968.)
PROCEEDINGS OF THE SPR, 1882, 1, p.3-6
(Objetivos da Sociedade).
RIBEIRO, G. (1941) Trabalhos do Grupo
Ismael da Federação Espírita Brasileira . Rio de
Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Vol. 1.
ROLL, W. (1974) The Poltergeist. New
Jersey: New American Library. (Publicado originalmente em 1972 pela
editora Nelson Doubleday em Garden City, NY.)
RUEDA, S.A. (1991) Parapsychology in
the Ibero-American World . Journal of Parapsychology, 55, p. 175-207.
TABOAS, A.M. (1993) Uma Revisão
Crítica dos Livros do Padre Quevedo. Revista Brasileira de Parapsicologia,
2, p. 20-25.
WARREN, D. (1984) A Terapia Espírita
no Rio de Janeiro por volta de 1900. In Religião e Sociedade
11 (3), p. 56-83.
WANTUIL, Z. (1969) Os Grandes Espíritas
do Brasil . Rio de Janeiro: Federação Espírita
Brasileira.
ZANGARI, W. & MACHADO, F.R. (1995)
Brazil: The Adolescent Parapsychology . In N. Zingrone (Ed.) Proceedings
of Presented Papers in the 38th Annual PA Convention. Durham, NC: Impresso
pela Parapsychological Association, Inc.