Espiritualidade e Sociedade





Alexandre Lobato

>   A magia negra e os feitiços sob o olhar espírita

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Alexandre Lobato
>   A magia negra e os feitiços sob o olhar espírita - Do medo do desconhecido ao respeito de quem conhece as leis da sintonia e da afinidade

 

 

É comum recebermos na Casa Espírita pessoas pedindo proteção, afirmam que “jogaram sobre elas um feitiço” ou que, relatam seus insucessos na vida e os justificam dizendo que “há alguém desejando o meu mal”. E você caro leitor? Pede “licença” ao passar por uma encruzilhada? Pensando em todas estas situações, muito frequentes, no cotidiano da Casa Espírita, resolvemos iniciar esta conversa sobre o tema que envolve conhecimentos do mundo espiritual, seus habitantes e as leis que regem as relações entre os dois mundos: o visível e o invisível.

Vamos começar pela etimologia das palavras. A palavra “magia” tem origem grega “mageia” e significa religião dos magos, ou seja, dos judiciosos, dos sábios e estes, para os gregos, eram aqueles que possuíam profundo conhecimento da natureza (1).

(1) Palhano Jr, L. Léxico Kardequiano, p. 163.

A associação do qualificativo “negra” à palavra “magia” nos remete a um labirinto de ligações com culturas tão antigas quanto à mesopotâmica ou a fenícia (2), mas aqui nos interessa mais diretamente a referência aos cultos afro-brasileiros, porque, na maioria das vezes, nos defrontamos com este tema e, nesse caso, temos na citação do professor Ilzver de Matos Oliveira uma boa explicação sobre a base preconceituosa de uma parte e ignorante por outra, em cima da qual se construiu esse entendimento:

(2) Wikipédia, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Magia_negra


O fato é que a ideia de culto fetichista, baseado em elementos míticos, envolto em segredos e mistérios, acompanha desde sua origem às religiões de origem africana, e é mesmo apontada como a sua maior marca.
(RAMOS, 1940, citado por OLIVEIRA, 2014, p.3.)

Defendemos que esta construção da imagem das religiões de origem africana como mágicas e misteriosas é resultado do processo de colonização brasileiro e de desvalorização de tudo que vinha do “outro” colonizado, inculto e incivilizado. (OLIVEIRA, 2014, p.3.)


Podemos pensar, então, que o termo “magia negra”, na maioria dos casos, é usado para se referir a algo, que envolva mágicas, conhecimentos misteriosos, voltados ao mal e, em geral, associado à cultura afro, como se nessas culturas não encontrássemos a prática do bem e/ou da caridade. Temos nesse ponto um primeiro elemento do qual devemos nos destituir: o preconceito. O mal é a ausência do bem e tal condição, infelizmente, pertence ao homem, encarnado ou desencarnado, por isso não deve ser associado a esta ou aquela religião.

Para discutirmos o entendimento da palavra “feitiço”, buscaremos subsídio na obra Africanismo e Espiritismo, do jornalista e sociólogo espírita, Deolindo Amorim:

Entende-se por fetichismo, segundo a etimologia, o culto dos fetiches, isto é, a crença no poder de objetos naturais ou artificiais. Mas, a palavra “feitiço” é empregada, entre nós, na acepção vulgar de fazer mal a alguém por meio de objetos de uso, peças de vestuário, pratos de comida, etc. A força do uso chegou a criar o verbo enfeitiçar, significando justamente transmitir influências maléficas, impregnar alguém de feitiço. (AMORIM, 2011, p.36.)

Nesse momento da nossa conversa fica fácil identificar no preconceito e na ignorância a origem dos medos. Um e outro, ou ora um, ora noutro, encontramos um lastro que embora não justifique, parece explicar, ao menos em parte, as situações que apresentamos na abertura deste artigo, porém há mais a ser discutido.

Busquemos na lógica espírita, outros elementos de compreensão. Primeiro, partiremos do princípio de que aqui tratamos com pessoas que creem em Deus, e crentes em Deus, segundo a Doutrina Espírita são os que o entendem como “inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”, “eterno, infinito, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom” (3). Nessas condições entendemos que Deus é justo, se ele é justo o mal, as aflições, as dores, são todas justas.

(3) Questões 1 e 13, de O Livro dos Espíritos.

Este é um terreno mais difícil. Por que o leitor amigo vai vasculhar a lembrança à procura de algo ruim que houve e que justificas se a ação daquele mal, na forma de “magia” e pode não encontrar. Mas e em outra vida? As lembranças podem ir até lá? E mais, de quantas coisas que, num dado momento, víamos como más circunstâncias nasceram depois bens sobre os quais nada poderíamos imaginar ou onde menos poderíamos esperar? (4) Deus é justo e de seus atos sempre temos o ensejo para o bem e para a educação e redenção de todas as almas.

(4) Recomendamos aqui a leitura de O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. V, “Causas anteriores e causas atuais das aflições”.

Aqui, o leitor lembrará, não tenho nenhuma dúvida, de todos aqueles casos ouvidos de pessoas perseguidas por espíritos e que passaram por um sem-número de percalços e concluirá que é verdade, pode haver “magia negra”, “feiticeiros”, então é para se ter medo, ao que diremos, enfaticamente NÃO! O medo vem da ignorância. Até aqui estamos somente autorizados a pensar que é possível. Avancemos com O Livro dos Espíritos:

557. A bênção e a maldição podem atrair o bem e o mal para aqueles que delas são o objeto?
“Deus não escuta uma maldição injusta, e aquele que a pronuncia é culpado aos seus olhos. Como temos os dois gênios opostos, o bem e o mal, pode haver uma influência momentânea, mesmo sobre a matéria; essa influência, porém, só acontece pela vontade de Deus e como acréscimo de prova para aquele que dela é objeto. Aliás, geralmente, os maus são amaldiçoados e os bons abençoados. A bênção e a maldição nunca podem desviar a Providência do caminho da justiç
a; ela só atinge o maldito, se ele for mau, e sua proteção só envolve aquele que a merece.
(KARDEC, 2011, p. 276. em itálico realce nosso.)



Estamos francamente no caminho do esclarecimento, luz que afugenta a sombra da ignorância. Mas, há mais, muito mais. O espírita Léon Denis, autor de “No Invisível” aborda o que chama de “Lei de afinidade”, uma lei que funciona por similaridade, o semelhante atrai o semelhante, entendimento que complementa perfeitamente a citação de Kardec acima, justificando a ação das maldições. Também se refere, na mesma obra, à “lei de sintonia” afirmando que pensamentos que se buscam com alguma frequência podem se conjugar numa mesma onda, ao menos por algum tempo.

Estes são informes importantes. Nossos pensamentos impulsionados pela vontade não são forças aleatórias, eles se combinam e se aproximam mediante o estabelecimento de certas condições.

De posse da visão dos estudiosos encarnados, Deolindo Amorim, Allan Kardec e Léon Denis, saiamos à procura do que pensam os desencarnados e encontraremos nos ensinos do Espírito André Luiz, pelos médiuns Chico Xavier e Waldo Vieira mais informações em nosso socorro:

Assim é que o halo vital ou aura de cada criatura permanece tecido de correntes atômicas sutis dos pensamentos que lhe são próprios ou habituais (...)

Essas forças, em constantes movimentos sincrônicos ou estado de agitação pelos impulsos da vontade, estabelecem para cada pessoa uma onda mental própria (LUÍS, A. 1960, p.40.)

Cada um de nós tem um padrão de pensamentos próprios, nascidos do conjunto de experiências vividas ao longo de incontáveis existências, e que nos define como espíritos com tais ou tais características e necessidades que se traduzem como agentes capazes de definir o ambiente ou o conjunto de forças para os quais gravitaremos. Se somos seres inteligentes com as características representadas pela letra X, atrairemos outros seres com essa mesma característica X. Por aí, o amigo leitor já pode ver que Deus sequer precisa gerir isso “pessoalmente”, as próprias leis da Natureza o fazem.

Prossigamos com André Luiz:

(...) imaginemos a mente humana no lugar da chama em atividade. Assim como a intensidade de influência da chama diminui com a distância do núcleo de energias em combustão, demonstrando fração cada vez menor, sem nunca atingir a zero, a corrente mental se espraia, segundo o mesmo princípio, não obstante a diferença de condições.

Essa corrente de partículas mentais exterioriza-se de cada Espírito com qualidade de indução mental, tanto maior quanto mais amplos se lhe evidenciem as faculdades de concentração e o teor de persistência no rumo dos objetivos que demande. (LUÍS, A. 1960, p.41.)

A comparação aqui estabelecida por André Luiz com um conhecimento da Física, descreve que a ação de um ponto gerador de energia é maior quando se está próximo e se enfraquece quanto mais nos afastamos dele, então se o seu pensamento é ruim, ele age mais sobre você do que sobre outro ao qual você dirija este pensamento. Ou seja, quem deseja o mal, sofre mais desse mal do que o outro.

Creio que os medos agora estão se reduzindo. Já sabemos que o mal, só recai sobre o malvado, ou sobre aquele que necessita desta experiência, tendo em vista seus compromissos com as Leis de Deus, estabelecidos no passado. Que um pensamento mau, ao agir sobre outro pensamento, pode ser forte para influenciá-lo, mas que há limites para isso e que podemos nos por fora de alcance se estabelecermos outro padrão de pensar, superior, melhor. Que a ideia é educar e não exatamente punir. Mas e os objetos enfeitiçados? É possível que tenham influências sobre nós?

Retornemos a Kardec, em O Livro dos Espíritos:

553. Qual pode ser o efeito das fórmulas e práticas com o auxílio das quais certas pessoas pretendem dispor da vontade dos Espíritos?

“Esse efeito é o de torná-las ridículas, se têm boa-fé; no caso contrário, são malandros que merecem um castigo. Todas as fórmulas são charlatanice; não há palavra sacramental alguma, nenhum sinal cabalístico, nenhum talismã que tenha qualquer ação sobre os Espíritos, pois estes só são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas materiais.” (Grifo nosso.)

Segundo os Espíritos que responderam a Kardec, não é o objeto que tem a força de influenciação, mas o pensamento dos espíritos que sobre o objeto agiram, nesse caso, o pensamento age como força magnética concentrada no objeto como numa bateria e que ao entrar em contato com outro espírito, dispara todos os mecanismos acima descritos, como se fosse a própria pessoa geradora daquele pensamento. Conheçamos o que o magnetismo tem a dizer sobre o assunto:

Todos os corpos, animados ou inanimados, são suscetíveis de magnetização, isto é, podem carregar-se e saturar-se de fluido magnético. (MICHAELLUS, 1995, p. 123.)


A magnetização de objetos é conhecida pelos magnetizadores como “magnetização indireta ou secundária”, a denominação vem do fato de que com estes objetos o magnetizador não precisa estar em contato direto com o magnetizado.

Aqui, vou me valer das experiências do nosso caro Altivo Pamphiro (5), primeiro um caso em que ele parou numa esquina para esperar uma pessoa e sentiu um formigamento subir-lhe pela perna direita, ele trocou de perna sem olhar para baixo e o formigamento passou para a perna esquerda. Olhou para o chão incomodado e viu que o pé direito estava sobre uma rosa dessas que são postas em encruzilhadas como oferendas aos espíritos. Ele trocou de pé novamente, só para experimentar e imediatamente a sensação mudou para a perna oposta. Médium extremamente sensível, ele percebeu a força magnética sobre aquele objeto.

(6) Ex-presidente e fundador do CELD, desencarnado em 2006.

Noutra passagem, ele nos relatou sobre algumas crianças que recolheram numa determinada ocasião, os doces e as velas que estavam num “despacho” posto em frente ao Centro Espírita. Destacando que nada lhes acontecera, pois sequer imaginavam a razão daqueles objetos estarem ali, na calçada. Estes dois casos mostram que se não estamos afinizados ou sintonizados com os pensamentos que impregnam estes objetos eles nada nos causarão. Não há razão para o medo.

Não obstante, também acrescentarei aqui outro caso, este comigo. Há muitos anos trabalhei numa empresa onde o contínuo era um jovem muito inquieto e dado a cometer abusos. Certa ocasião, voltando do almoço, vínhamos caminhando eu, ele e mais alguns da empresa e no trajeto nos deparamos com um “despacho” no qual havia uma garrafa com um líquido e uma pequena serpente dentro. O rapaz, afirmando que aquilo “não era nada” quebrou a garrafa com uma pedrada. No dia seguinte ele não apareceu para trabalhar e nem na semana seguinte. Após algum tempo, pedimos a uma colega que morava perto para ir à casa dele visitá-lo. Ele estava acamado, com feridas por todo o corpo. Foi ao médico e fez exames que afastaram o diagnóstico inicial de virose, mas não melhorava e sequer tinha forças para sair da cama. A colega que foi visitá-lo e que não sabia do incidente com a garrafa disse “que ele estava assim desde o dia que foi almoçar com vocês”. Liguei uma coisa a outra e coloquei o nome dele no serviço de preces do Centro. No dia seguinte ele apareceu para trabalhar, disse que do mesmo jeito que tudo apareceu, havia “sumido”. Brinquei com ele que aquilo era uma lição para “ele não jogar mais pedra onde não devia” e notei que ele ficou sério. No fim do dia, me procurou e perguntou se eu era “macumbeiro” disse que não, que era espírita. Ele ainda muito sério retrucou que havia sonhado e que um “homem se apresentou a ele como amigo de um amigo e lhe disse a mesma coisa”. Há que se ter respeito.

Vimos aqui que existem forças capazes de influenciar nossas vidas, que podem ser concentradas em objetos, mas que sempre podemos nos pôr fora do alcance destas energias e inteligências desajustadas, buscando o superior, o belo, a harmonia, pelas vias do estudo, do conhecimento, do respeito e da prece.


Referências Bibliográficas

MICHAELUS. Magnetismo Espiritual. FEB, 1995.
KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. CELD,.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. CELD, 2011.
DENIS, L. No Invisível. CELD,.
XAVIER, F. C. Mecanismos da Mediunidade. FEB, 1996.
PALHANO Jr, L. Léxico Kardequiano, manual de termos e conceitos espíritas. CELD, 1999.
AMORIM, D. Africanismo e Espiritismo. Versão digitalizada, PENSE, 2011.
OLIVEIRA, I. M., Perseguição aos Cultos de Origem Africana no Brasil: o Direito e o sistema de justiça como agentes da (in)tolerância. Sociologia, Antropologia e Culturas Jurídicas.
CONPEDI, 2014, p. 308-322.

 

 

Fonte: Revista CELD de Estudos Espíritas
https://celd.xyz/wp-content/uploads/04-Revista_CELD_Abril-2018.pdf

 

 

 

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