
É comum recebermos na Casa Espírita
pessoas pedindo proteção, afirmam que “jogaram
sobre elas um feitiço” ou que, relatam seus insucessos
na vida e os justificam dizendo que “há alguém
desejando o meu mal”. E você caro leitor? Pede “licença”
ao passar por uma encruzilhada? Pensando em todas estas situações,
muito frequentes, no cotidiano da Casa Espírita, resolvemos
iniciar esta conversa sobre o tema que envolve conhecimentos do mundo
espiritual, seus habitantes e as leis que regem as relações
entre os dois mundos: o visível e o invisível.
Vamos começar pela etimologia das palavras. A palavra “magia”
tem origem grega “mageia” e significa religião
dos magos, ou seja, dos judiciosos, dos sábios e estes, para
os gregos, eram aqueles que possuíam profundo conhecimento
da natureza (1).
(1) Palhano Jr, L. Léxico
Kardequiano, p. 163.
A associação do qualificativo “negra”
à palavra “magia” nos remete a um labirinto de
ligações com culturas tão antigas quanto à
mesopotâmica ou a fenícia
(2), mas aqui nos interessa mais diretamente
a referência aos cultos afro-brasileiros, porque, na maioria
das vezes, nos defrontamos com este tema e, nesse caso, temos na citação
do professor Ilzver de Matos Oliveira uma boa explicação
sobre a base preconceituosa de uma parte e ignorante por outra, em
cima da qual se construiu esse entendimento:
(2) Wikipédia, disponível
em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Magia_negra
O fato é que a ideia de culto fetichista,
baseado em elementos míticos, envolto em segredos e mistérios,
acompanha desde sua origem às religiões de origem
africana, e é mesmo apontada como a sua maior marca.
(RAMOS, 1940, citado por OLIVEIRA, 2014, p.3.)
Defendemos que esta construção da imagem das religiões
de origem africana como mágicas e misteriosas é resultado
do processo de colonização brasileiro e de desvalorização
de tudo que vinha do “outro” colonizado, inculto e incivilizado.
(OLIVEIRA, 2014, p.3.)
Podemos pensar, então, que o termo “magia negra”,
na maioria dos casos, é usado para se referir a algo, que envolva
mágicas, conhecimentos misteriosos, voltados ao mal e, em geral,
associado à cultura afro, como se nessas culturas não
encontrássemos a prática do bem e/ou da caridade. Temos
nesse ponto um primeiro elemento do qual devemos nos destituir: o
preconceito. O mal é a ausência do bem e tal condição,
infelizmente, pertence ao homem, encarnado ou desencarnado, por isso
não deve ser associado a esta ou aquela religião.
Para discutirmos o entendimento da palavra “feitiço”,
buscaremos subsídio na obra Africanismo e Espiritismo, do jornalista
e sociólogo espírita, Deolindo Amorim:
Entende-se por fetichismo, segundo
a etimologia, o culto dos fetiches, isto é, a crença
no poder de objetos naturais ou artificiais. Mas, a palavra “feitiço”
é empregada, entre nós, na acepção vulgar
de fazer mal a alguém por meio de objetos de uso, peças
de vestuário, pratos de comida, etc. A força do uso
chegou a criar o verbo enfeitiçar, significando justamente
transmitir influências maléficas, impregnar alguém
de feitiço. (AMORIM, 2011, p.36.)
Nesse momento da nossa conversa
fica fácil identificar no preconceito e na ignorância
a origem dos medos. Um e outro, ou ora um, ora noutro, encontramos
um lastro que embora não justifique, parece explicar, ao menos
em parte, as situações que apresentamos na abertura
deste artigo, porém há mais a ser discutido.
Busquemos na lógica espírita, outros
elementos de compreensão. Primeiro, partiremos do princípio
de que aqui tratamos com pessoas que creem em Deus, e crentes em Deus,
segundo a Doutrina Espírita são os que o entendem como
“inteligência suprema, causa primária de todas
as coisas”, “eterno, infinito, imutável, imaterial,
único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom” (3).
Nessas condições entendemos que Deus é justo,
se ele é justo o mal, as aflições, as dores,
são todas justas.
(3) Questões 1 e 13, de O Livro dos Espíritos.
Este é um terreno mais difícil.
Por que o leitor amigo vai vasculhar a lembrança à procura
de algo ruim que houve e que justificas se a ação daquele
mal, na forma de “magia” e pode não encontrar.
Mas e em outra vida? As lembranças podem ir até lá?
E mais, de quantas coisas que, num dado momento, víamos como
más circunstâncias nasceram depois bens sobre os quais
nada poderíamos imaginar ou onde menos poderíamos esperar?
(4) Deus
é justo e de seus atos sempre temos o ensejo para o bem e para
a educação e redenção de todas as almas.
(4) Recomendamos aqui a leitura de O
Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. V, “Causas anteriores
e causas atuais das aflições”.
Aqui, o leitor lembrará, não
tenho nenhuma dúvida, de todos aqueles casos ouvidos de pessoas
perseguidas por espíritos e que passaram por um sem-número
de percalços e concluirá que é verdade, pode
haver “magia negra”, “feiticeiros”, então
é para se ter medo, ao que diremos, enfaticamente NÃO!
O medo vem da ignorância. Até aqui estamos somente autorizados
a pensar que é possível. Avancemos com O Livro dos
Espíritos:
557. A bênção
e a maldição podem atrair o bem e o mal para aqueles
que delas são o objeto?
“Deus não escuta uma maldição injusta,
e aquele que a pronuncia é culpado aos seus olhos. Como temos
os dois gênios opostos, o bem e o mal, pode haver uma influência
momentânea, mesmo sobre a matéria; essa influência,
porém, só acontece pela vontade de Deus e como acréscimo
de prova para aquele que dela é objeto. Aliás, geralmente,
os maus são amaldiçoados e os bons abençoados.
A bênção e a maldição nunca podem
desviar a Providência do caminho da justiça;
ela só atinge o maldito, se ele for mau, e sua
proteção só envolve aquele que a merece.”
(KARDEC, 2011, p. 276. em itálico
realce nosso.)

Estamos francamente no caminho do esclarecimento, luz que afugenta
a sombra da ignorância. Mas, há mais, muito mais. O espírita
Léon Denis, autor de “No Invisível” aborda
o que chama de “Lei de afinidade”, uma lei que funciona
por similaridade, o semelhante atrai o semelhante, entendimento que
complementa perfeitamente a citação de Kardec acima,
justificando a ação das maldições. Também
se refere, na mesma obra, à “lei de sintonia” afirmando
que pensamentos que se buscam com alguma frequência podem se
conjugar numa mesma onda, ao menos por algum tempo.
Estes são informes importantes. Nossos pensamentos impulsionados
pela vontade não são forças aleatórias,
eles se combinam e se aproximam mediante o estabelecimento de certas
condições.
De posse da visão dos estudiosos encarnados, Deolindo Amorim,
Allan Kardec e Léon Denis, saiamos à procura do que
pensam os desencarnados e encontraremos nos ensinos do Espírito
André Luiz, pelos médiuns Chico Xavier e Waldo Vieira
mais informações em nosso socorro:
Assim é
que o halo vital ou aura de cada criatura permanece tecido de correntes
atômicas sutis dos pensamentos que lhe são próprios
ou habituais (...)
Essas forças, em constantes movimentos sincrônicos
ou estado de agitação pelos impulsos da vontade, estabelecem
para cada pessoa uma onda mental própria (LUÍS, A.
1960, p.40.)
Cada um de nós tem um padrão
de pensamentos próprios, nascidos do conjunto de experiências
vividas ao longo de incontáveis existências, e que nos
define como espíritos com tais
ou tais características e necessidades que se traduzem como
agentes capazes de definir o ambiente ou o conjunto de forças
para os quais gravitaremos. Se somos seres inteligentes com as características
representadas pela letra X, atrairemos outros seres com essa mesma
característica X. Por aí, o amigo leitor já pode
ver que Deus sequer precisa gerir isso “pessoalmente”,
as próprias leis da Natureza o fazem.
Prossigamos com André Luiz:
(...) imaginemos
a mente humana no lugar da chama em atividade. Assim como a intensidade
de influência da chama diminui com a distância do núcleo
de energias em combustão, demonstrando fração
cada vez menor, sem nunca atingir a zero, a corrente mental se espraia,
segundo o mesmo princípio, não obstante a diferença
de condições.
Essa corrente de partículas mentais exterioriza-se de cada
Espírito com qualidade de indução mental, tanto
maior quanto mais amplos se lhe evidenciem as faculdades de concentração
e o teor de persistência no rumo dos objetivos que demande.
(LUÍS, A. 1960, p.41.)
A comparação aqui estabelecida
por André Luiz com um conhecimento da Física, descreve
que a ação de um ponto gerador de energia é maior
quando se está próximo e se enfraquece quanto mais nos
afastamos dele, então se o seu pensamento é ruim, ele
age mais sobre você do que sobre outro ao qual você dirija
este pensamento. Ou seja, quem deseja o mal, sofre mais desse mal
do que o outro.
Creio que os medos agora estão se reduzindo. Já sabemos
que o mal, só recai sobre o malvado, ou sobre aquele que necessita
desta experiência, tendo em vista seus compromissos com as Leis
de Deus, estabelecidos no passado. Que um pensamento mau, ao agir
sobre outro pensamento, pode ser forte para influenciá-lo,
mas que há limites para isso e que podemos nos por fora de
alcance se estabelecermos outro padrão de pensar, superior,
melhor. Que a ideia é educar e não exatamente punir.
Mas e os objetos enfeitiçados? É possível que
tenham influências sobre nós?
Retornemos a Kardec, em O Livro dos Espíritos:
553. Qual
pode ser o efeito das fórmulas e práticas com o auxílio
das quais certas pessoas pretendem dispor da vontade dos Espíritos?
“Esse efeito é o de torná-las ridículas,
se têm boa-fé; no caso contrário, são
malandros que merecem um castigo. Todas as fórmulas são
charlatanice; não há palavra sacramental alguma, nenhum
sinal cabalístico, nenhum talismã que tenha qualquer
ação sobre os Espíritos, pois estes só
são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas
materiais.” (Grifo nosso.)
Segundo os Espíritos que responderam
a Kardec, não é o objeto que tem a força de influenciação,
mas o pensamento dos espíritos que sobre o objeto agiram, nesse
caso, o pensamento age como força magnética concentrada
no objeto como numa bateria e que ao entrar em contato com outro espírito,
dispara todos os mecanismos acima descritos, como se fosse a própria
pessoa geradora daquele pensamento. Conheçamos o que o magnetismo
tem a dizer sobre o assunto:
Todos os
corpos, animados ou inanimados, são suscetíveis de
magnetização, isto é, podem carregar-se e saturar-se
de fluido magnético. (MICHAELLUS, 1995, p. 123.)

A magnetização de objetos é conhecida
pelos magnetizadores como “magnetização indireta
ou secundária”, a denominação vem do fato
de que com estes objetos o magnetizador não precisa estar em
contato direto com o magnetizado.
Aqui, vou me valer das experiências do nosso caro Altivo Pamphiro
(5), primeiro um caso em que ele parou
numa esquina para esperar uma pessoa e sentiu um formigamento subir-lhe
pela perna direita, ele trocou de perna sem olhar para baixo e o formigamento
passou para a perna esquerda. Olhou para o chão incomodado
e viu que o pé direito estava sobre uma rosa dessas que são
postas em encruzilhadas como oferendas aos espíritos. Ele trocou
de pé novamente, só para experimentar e imediatamente
a sensação mudou para a perna oposta. Médium
extremamente sensível, ele percebeu a força magnética
sobre aquele objeto.
(6) Ex-presidente e fundador do CELD, desencarnado
em 2006.
Noutra passagem, ele nos relatou sobre algumas crianças que
recolheram numa determinada ocasião, os doces e as velas que
estavam num “despacho” posto em frente ao Centro Espírita.
Destacando que nada lhes acontecera, pois sequer imaginavam a razão
daqueles objetos estarem ali, na calçada. Estes dois casos
mostram que se não estamos afinizados ou sintonizados com os
pensamentos que impregnam estes objetos eles nada nos causarão.
Não há razão para o medo.
Não obstante, também acrescentarei aqui outro caso,
este comigo. Há muitos anos trabalhei numa empresa onde o contínuo
era um jovem muito inquieto e dado a cometer abusos. Certa ocasião,
voltando do almoço, vínhamos caminhando eu, ele e mais
alguns da empresa e no trajeto nos deparamos com um “despacho”
no qual havia uma garrafa com um líquido e uma pequena serpente
dentro. O rapaz, afirmando que aquilo “não era nada”
quebrou a garrafa com uma pedrada. No dia seguinte ele não
apareceu para trabalhar e nem na semana seguinte. Após algum
tempo, pedimos a uma colega que morava perto para ir à casa
dele visitá-lo. Ele estava acamado, com feridas por todo o
corpo. Foi ao médico e fez exames que afastaram o diagnóstico
inicial de virose, mas não melhorava e sequer tinha forças
para sair da cama. A colega que foi visitá-lo e que não
sabia do incidente com a garrafa disse “que ele estava assim
desde o dia que foi almoçar com vocês”. Liguei
uma coisa a outra e coloquei o nome dele no serviço de preces
do Centro. No dia seguinte ele apareceu para trabalhar, disse que
do mesmo jeito que tudo apareceu, havia “sumido”. Brinquei
com ele que aquilo era uma lição para “ele não
jogar mais pedra onde não devia” e notei que ele ficou
sério. No fim do dia, me procurou e perguntou se eu era “macumbeiro”
disse que não, que era espírita. Ele ainda muito sério
retrucou que havia sonhado e que um “homem se apresentou a ele
como amigo de um amigo e lhe disse a mesma coisa”. Há
que se ter respeito.
Vimos aqui que existem forças capazes de influenciar nossas
vidas, que podem ser concentradas em objetos, mas que sempre podemos
nos pôr fora do alcance destas energias e inteligências
desajustadas, buscando o superior, o belo, a harmonia, pelas vias
do estudo, do conhecimento, do respeito e da prece.