1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
Na incapacidade de lidar diretamente
com a realidade, a ciência utiliza-se de modelos, buscando,
assim, um melhor entendimento dos fenômenos da natureza. Dados
dois ou mais modelos para explicar determinado fato, deve-se adotar
aquele que seja mais eficaz, claro, simples, que necessite de uma
menor quantidade de afirmações apriorísticas
e cujo campo de ação possa abranger razoavelmente o
mesmo domínio do outro.
Nas sessões práticas
dos Centros afro-brasileiros, de espiritismo, e nos cultos pentecostais
e neopentecostais, bem como nas missas da renovação
carismática, uma série de ocorrências são
explicadas por seus participantes através de modelos, que constituem
os corpos de suas doutrinas. Tomam sem comprovação um
conjunto de afirmações, tais como:
a) No espiritismo
- a sobrevivência, após a morte do ser humano, de um
constructo extra-corpóreo (o Espírito), que pode retornar
a este mundo em outro corpo humano (reencarnação) e
se comunicar conosco, do além, através de determinados
indivíduos, que teriam a capacidade de servir de intercâmbio
entre os homens e o suposto mundo espiritual ( os médiuns).
A este constructo são adicionadas, a priori, qualidades outras,
tais como: a imortalidade e um corpo designado de perispírito,
constituído de uma substância, cuja consistência
se situa entre a matéria e o próprio Espírito.
Esse novo corpo seria o elo de ligação, que permitiria
a ''comunicação'' entre mortos e vivos.
b) Nas religiões afro-brasileiras
- Admite a sobrevivência pós-morte do homem, que pode
se comunicar com os vivos sob diversas personalidades (mestres, entidades
africanas, caboclos ou ciganos). Outras entidades extrafísicas
seriam os orixás (deuses, heróis africanos antigos,
espíritos desencarnados ou apenas a tradução
dos santos católicos).
c) No pentecostalismo
e neopentecostalismo (variedades do protestantismo)
- Admite a sobrevivência do homem após a morte, a ressurreição
(retorno à vida no mesmo corpo físico), nega a reencarnação
(retorno à vida em outro corpo físico); julgamento de
cada um no final dos tempos, podendo ser condenado ao inferno ou a
viver feliz no céu; os mortos não se comunicam; o Espírito
Santo (um dos três aspectos da divindade) pode se comunicar
com os homens em idiomas desconhecidos do mesmo (xenoglossia); o diabo
ou os demônios (entidades do mal) podem se apossar dos corpos
de pessoas vivas e comandar seu comportamento, podendo ser expulsos
em cultos apropriados, etc.
d) na renovação
carismática (variedade do catolicismo)
- Admite a sobrevivência do homem após a morte, a ressurreição
(retornar ao mesmo corpo após a morte), o juízo final,
o céu, o inferno, não comunicação dos
mortos com os vivos. Apresenta uma forma de expressão (missa)
diferenciada do tradicional, com menos rigorismo e de natureza mais
festiva e espontânea.
Como se nota, esses modelos se fundamentam
em um conjunto de proposições não demonstradas,
elementos desconhecidos, para a demonstração de fatos
dos quais se procuram explicações. Tais fatos são
constatados em larga escala nos indivíduos que se encontram
hipnotizados ou deflagrando fenômenos paranormais, além
de nos depararmos, nas sessões e cultos das referidas religiões,
com elementos indutores da hipnose e que serão mencionados
mais adiante. Todo este contexto nos permite supor que muitas das
ocorrências destas sessões sejam resultantes do transe
hipnótico ou de fenômenos paranormais.
2. FUNDAMENTOS DA HIPNOSE.
A hipnose pode ser compreendida como
um estado emocional intensificado, e como tal pode ser de caráter
estabilizador, sendo induzida geralmente por uma atitude tranqüilizadora
por parte do hipnotizador, tendo uma reação predominantemente
trofotropa, com predomínio do sistema nervoso simpático,
e de caráter alterador, geralmente alcançado através
de um proceder de natureza autoritária, vigorosa, enérgica
por parte do indutor, tendo desta feita uma reação ergotropa,
com predomínio do sistema nervoso parassimpático. Constitui,
portanto, um fenômeno do cotidiano (Júnior,
1980).
Os elementos básicos para a
sua consecução são:
1 - Características
individuais: Capacidade que cada indivíduo possui
de responder distintamente aos estímulos, bloqueando-os, favorecendo-os
ou alterando-os. Confere a facilitação da produção
de determinados fenômenos em detrimento de outros.
2 - Sugestionabilidade:
Refere-se a maior ou menor propensão pelo hipnotizado de acatar
as sugestões do hipnotizador.
3 - Regressão ao estado
psicofisiológico da infância: Não se
trata de regressão de idade, mas sim de um processo natural,
pelo qual o hipnotizado passa a ter um funcionamento orgânico
análogo àquele da infância, possibilitando o surgimento
de confusão entre a realidade e a fantasia, analgesia (a criança
possui baixa sensibilidade à dor), alucinação
(Adler propõe a existência de um ''componente alucinatório
da alma'', inibido pelo pensamento lógico, que é elemento
básico da vida em sociedade). No indivíduo jovem, principalmente
em crianças, ocorrem as imagens eidéticas, que são
alucinações não patológicas, que consiste
na reprodução de uma imagem percebida anteriormente,
apresentando componentes objetivos, sem estímulo adequado perceptível.
Esta capacidade tende a regredir na maioria dos adultos), catalepsia
( observa-se no recém-nascido uma capacidade de permanecer
por muito tempo em uma mesma posição), etc.
O mais importante para o êxito
na indução hipnótica é o estabelecimento
de um relação adequada entre o hipnotizador e o hipnotizado,
o denominado rapport. Dele depende todo o êxito ou malogro da
relação hipnótica. É importante sabermos
que na hipnose não há sono, em nenhum instante o hipnotizado
perde a consciência do que lhe está acontecendo; não
há um domínio do hipnotizador sobre o hipnotizado, só
fazendo este, aquilo que não for de encontro aos seus programas
básicos.
Sob o aspecto prático pode
apresentar os seguintes grupos de fenômenos:
1 - Motores: aumento
ou diminuição da força muscular, flacidez ou
enrijecimento muscular, catalepsia, etc.
2 - Viscerais: parestesia,
aquecimento ou esfriamento cutâneo, dermografismo, etc.
3 - Sensoriais: alucinações
(para mais ''positiva'', para menos ''negativa'' ou de transformação
qualitativa) visuais, auditivas, olfativas, gustativas ou somatossensoriais.
4 - Desempenho de papel:
personificação pela qual o hipnotizado se comporta como
se houvesse regredido de idade (também pode ocorrer à
progressão) ou mesmo assumir a personalidade de outra pessoa
(fictícia, real, ou de pessoa falecida ).
A sugestão hipnótica
pode ser explícita ou implícita. Esta é muito
mais interessante pela sua aparência de naturalidade e de não
apresentar direcionamento comportamental perceptível, sendo
facilmente encontrada em ambientes religioso.
3. FUNDAMENTOS DE PARAPSICOLOGIA (Borges, 1992)
''Podemos denominar de paranormal
ou psi a todo o fenômeno que, tendo o homem como seu provável
epicentro, apresenta as seguintes características
a) Uma modalidade de conhecimento
que uma pessoa demonstra de fatos físicos e/ou psíquicos,
relativos ao passado, presente ou futuro, sem a utilização
(aparente) dos sentidos e da razão, assim como de habilidades
que não resultem de prévio aprendizado
b) Uma ação física
que uma pessoa exerce sobre seres vivos e a matéria em geral,
sem a utilização de qualquer extensão ou instrumento
de natureza material.'' (Borges & Caruso, 1986)
A Parapsicologia é a ciência que estuda e pesquisa o
fenômeno paranormal.
Este pode ser de dois tipos
1) Psi-gama: Fenômenos
paranormais subjetivos, de tomada de conhecimento, produzido de conformidade
com o descrito no item a) referido acima. É o caso da telepatia
(comunicação mente a mente) e da clarividência
(a mente toma conhecimento de maneira direta de um fato físico,
sem a intervenção de uma outra mente)
2) Psi-kapa: Fenômenos
paranormais objetivos, de ação sobre os seres, produzido
de conformidade com o descrito no item b) referido acima. É
o caso da telecinesia (movimentação de objetos pela
ação da mente).
O fenômeno psi apresenta a característica
da independência do tempo, (percepção de eventos,
psíquicos ou físicos, desviados das coordenadas temporais
almejadas), podendo ocorrer as seguintes possibilidades:
a) Precognição:
Quando alcançamos eventos posteriores ao objeto alvo. Consiste
em perceber eventos que ainda irão ocorrer
b) Retrocognição:
Quando alcançamos eventos anteriores ao objeto alvo. Consiste
em perceber eventos que já ocorreram.
c) Simulcognição:
Quando o experimento alcança temporalmente o objeto alvo. Neste
caso, ocorre à tomada de conhecimento por meio paranormal de
um evento presente.
Os fenômenos paranormais podem se expressar
de diversas formas apresentando, em cada caso, uma terminologia própria,
como algumas descritas abaixo (destacamos apenas fenômenos de
psi-gama)
1 - Psicografia -
Conteúdo transmitido através da escrita.
2 - Psicofonia -
Conteúdo transmitido através da fala.
3 - Psicopictografia
- Conteúdo transmitido através da pintura.
4 - Psicomusicografia
- Conteúdo transmitido através da música.
5 - Radiestesia ou rabdomancia
- Conteúdo transmitido através do uso do pêndulo
ou forquilha.
6 - Psicometria -
Conteúdo transmitido através de imagens impregnadas
no ambiente ou objetos.
7 - Aparição
- Conteúdo transmitido através de imagens de formas
humanas ou animais
Em relação ao conteúdo
destacamos as seguintes modalidades
a) Xenoglossia -
Conteúdo transmitido fluentemente, através de um ou
mais idiomas desconhecido do agente psi ou mesmo dos presentes, de
teor compatível com a situação presente. É
importante destacarmos o caso de pseudoxenoglossia em que o agente
exterioriza fragmentos mnemônicos de textos, nos referidos idiomas,
adquiridos no passado e guardados em seu nível inconsciente
e os relatos de glossolalia, que consiste na criação,
pela mente do agente, de idiomas fictícios, nunca existentes
b) Memória extracerebral
- Conteúdo transmitido através de relatos de vivências
e elementos mnemônicos supostamente acontecidos com uma pessoa
já falecida, e que o agente afirmar ter sido ele mesmo.
c) Criatividade psi
- Conteúdo transmitido através de produções
artísticas cujo nível ultrapassa bastante a capacidade
do agente.
4. VISÃO GERAL DE ALGUMAS RELIGIÕES
NO BRASIL
No conjunto das religiões
presentes no Brasil, iremos destacar algumas e/ou suas variedades
mais significativas para nossa discussão, como as religiões
afro-brasileiras, espiritismo, pentecostalismo (variedade do protestantismo)
e a renovação carismática (variedade do catolicismo).
4.1 - Religiões afro-brasileiras
As religiões afro-brasileiras
do Recife, segundo o antropólogo Roberto Mota, apresentam-se
em quatro variedades principais (Motta, 1999):
4.1.1 - Catimbó
(ou Jurema) - Consiste no culto dos mestres (espíritos curadores
de origem luso-brasileira, posteriormente acrescidos de entidades
africanas), dos caboclos ( curadores de origem indígena) e
mais recentemente dos ciganos. Na segunda metade do século
XX, conjuntos hagiológicos do Rio de Janeiro e outras regiões
foram acrescidos, como os exus (masculinos) e pombas-gira (femininos).
O culto se processa através do canto, da dança e da
possessão verbal. Há também a utilização
ritual da fumaça de tabaco e a ingestão de uma bebida
feita à base do vegetal jurema (Mimosa hostilis) e de aguardente
de cana. O Catimbó-Jurema consiste num sistema de cura e de
alívio. Cada ''entidade '' tem suas preferências de cor,
bebidas, charutos, etc. Trata-se de uma religião infra-sacrificial,
ou seja, não adota o sacrifício de animais, e infra-organizacional
(raramente seus grupos se articulam em congregações
análogas aos terreiros, com hierarquias e códigos rígidos
de direitos e deveres). Temos assim a figura do mago, isto é,
um especialista no intercâmbio e controle de forças sobrenaturais,
com finalidade terapêutica, de consolo ou de realização
de desejos correlatos.
4.1.2 - Xangô - Corresponde ao Candomblé
da Bahia e consiste no culto dos orixás que são divindades
iorubá , por alguns sincretizados com santos católicos.
Os seguidores desta variedade não se preocupam com uma estruturação
formal de sua religião, tanto que para alguns os orixás
são deuses e para outros são heróis africanos
antigos, espíritos desencarnados ou apenas a tradução
(em língua nagô) dos santos católicos. Trata-se
de uma religião sacrificial (adota o sacrifício de animais,
o qual é retribuído com a proteção ou
a concretização dos desejos dos fiéis) e organizacional
(os terreiros se agrupam em estruturas maiores e os seus membros apresentam
uma hierarquia, sendo os referidos terreiros comandados por pais e
mães-de-santo, isto é, babalorixás e ialorixás),
bem como, não apresenta compromisso com a moralidade, fundamentando-se
em um pacto de permuta de favores entre o fiel e o orixá. Apresenta
canto, dança e um transe extático que poderá
apresentar esporadicamente exclamações em nagô
4.1.3 - Umbanda Branca
- Consiste da aplicação nas diversas religiões
afro-brasileiras dos elementos de natureza teológica do espiritismo
europeu (Kardecismo). As entidades do Xangô e do Candomblé
são interpretadas como entes desencarnados, apresentando-se
em diversos graus de desenvolvimento, sendo passíveis de interagir
com os encarnados e permutarem ensinamentos. Esta variedade apresenta
uma valorização da palavra em detrimento da imagem,
do ícone, tendo eliminado o sacrifício de animais, ou
seja, é supra-sacrificial e preserva os nomes das entidades
do Xangô, Candomblé, Catimbó e cultos análogos.
O termo Umbanda às vezes é compreendido como uma forma
polida de Xangô ou mesmo designar o conjunto das religiões
afro-brasileiras. O transe consiste em uma possessão verbal
cujo conteúdo é uma mensagem de conforto ou ensinamento
ou mesmo o estabelecimento de um simples diálogo. Em teoria
a uma valorização do desenvolvimento individual em detrimento
do carisma.
Diferenças rituais entre o candomblé (Bahia) e a umbanda,
conforme Vagner Gonçalves da Silva, no Livro das Religiões,
de Gaard, editado em 2000, pela Companhia Editora de artes, são
destacadas a seguir:
''a) Panteão :
1 - Candomblé - predomínio
de um número menor de categorias de entidades circunscritas
aos deuses de origem africana (orixás, vodus, inquices), erês
(espíritos infantis) e algumas vezes caboclos (espíritos
ameríndios).
2 - Umbanda - predomínio de
um número maior de categorias de entidades agrupadas por linhas
de falanges (orixás, caboclos, pretos velhos, erês, exus,
pombagiras, ciganos, marinheiros, zé-pilintra, baianos, etc).
b) Finalidades do culto às
divindades:
1 - Candomblé - serem louvados
através dos rituais privados e festas públicas nas quais
os deuses incorporam nos adeptos, fortalecendo os vínculos
que os unem e potencializando o axé (energia mítica)
que protege e beneficia os membros do terreiro.
2 - Umbanda - desenvolvimento espiritual
dos médiuns e das divindades (da escala mais baixa, representada
pelos exus, a mais alta, representada pelos orixás que, quando
incorporam nos adeptos, geralmente o fazem para trabalharem receitando
passes e atendendo ao público).
c) Concepção e finalidade
do transe:
1 - Candomblé - declarado inconsciente
e legitimamente aceito somente após a iniciação
do fiel para um número reduzido de entidades.
2 - Umbanda - declarado semiconsciente
e permitido para um número maior de entidades, na medida do
desenvolvimento mediúnico do fiel.
d) Iniciação:
1 - Candomblé - condição
básica para o ingresso legítimo no culto. Segregação
do fiel por um longo período, raspagem total da cabeça,
sacrifício animal e oferendas rituais. Grande número
de preceitos.
2 - Umbanda - existe, mas não
como condição básica para o pertencimento ao
culto; camarinho: segregação do fiel por um período
curto, raspagem parcial da cabeça (não obrigatória),
sacrifício animal (não obrigatório) e oferendas
rituais, Predomínio do batismo, realizado na cachoeira, no
mar ou através de entregas de oferenda na mata.
e) Processos divinatórios:
modos de comunicação com os deuses:
1 - Candomblé - predomínio
do jogo de búzios realizado somente pelo pai-de-santo (sem
necessidade do transe), que recomenda os ebós ou despachos
para a resolução dos problemas do consulente.
2 - Umbanda - predomínio do
diálogo direto entre os consulentes e as divindades que dão
'' passes '' ou receitam trabalhos.
f) Hierarquia religiosa:
1 - Candomblé - estabelecida
a partir do tempo de iniciação e da indicação
dos adeptos para ocuparem os cargos religiosos. Fundamental na organização
sócio-religiosa do grupo.
2 - Umbanda - estabelecida a partir
da capacidade de liderança religiosa dos médiuns e de
seus guias. Importância da ordem burocrática.
g) Música ritual:
1 - Candomblé - predomínio
de cantigas contendo expressões de origem africana. Acompanhamento
executado por três atabaques percutidos somente pelos alabés
(iniciados do sexo masculino que não entram em transe ).
2 - Umbanda - predomínio de
pontos cantados em português, acompanhados por palmas ou pelas
curimbas (atabaques), sem número fixo, que podem ser percutidos
por adeptos (curimbeiros) de ambos os sexos.
h) Dança ritual:
1 - Candomblé - Formação
obrigatória da ''roda de santo'' (disposição
dos adeptos na forma circular, dançando em sentido anti-horário).
Predomínio de expressões coreográficas preestabelecidas,
que identificam cada divindade ou momento ritual.
2 - Umbanda - não-obrigatoriedade
da formação da '' roda de santo ''. Disposição
dos adeptos em fileiras paralelas. Predomínio de uma maior
liberdade de expressão da linguagem gestual nas danças
que identificam as divindades '' (Silva, 1994).
4.1.4 -. Xangô Umbandizado - Religião que adota elementos
kardecistas, preservação dos toques, danças e
nomenclatura do Xangô, Catimbó e do Candomblé.
Conforme a região onde é praticada pode receber várias
denominações como omolokô e o Candomblé
de Goméia . Apresenta uma significativa diminuiçaõ
na prática do sacrifício, que tende a tornar-se vestigial,
sendo portanto uma religião hipo-sacrificial; na prática
observa-se a presença , em alguns terreiros, de sacrifício
animal, talvez por motivos de natureza financeira. Podemos constatar
uma exacerbação ritual e do personalismo carismático
(principalmente do dos pais e mães-de-santo), valorização
da palavra, desvalorização do jogo de búzios,
presença de exageros gestuais e de consultas verbais aos seres
desencarnados
Por terem se formado em diferentes
regiões do Brasil e em momentos históricos também
distintos, as religiões afro-brasileiras receberam diversos
nomes, conforme já mencionado. Assim temos: candomblé
(na Bahia), xangô (em Pernambuco e Alagoas), tambor de mina
(no Maranhão e no Piauí), batuque (no Rio Grande do
Sul) e macumba e umbanda no Rio de Janeiro. É importante destacarmos
que, no Brasil, o ritual de certas religiões africanas sobrevive
na sua forma mais pura no estado da Bahia.
Para facilitar nossas argumentações,
doravante nos referiremos às religiões afro-brasileiras,
sem entrarmos em detalhes sobre as suas variedades, haja visto que
elementos como a dança, o canto, o toque, uso de bebidas e
alimentos bastante condimentados, cores e luzes intensas entre outros,
se encontram presentes, de uma forma ou de outra, nas diversas variedades
deste grupo religioso, bem como, são nestes componentes que
estamos interessados para desenvolver a nossa tese.
4.2 - Espiritismo/Kardecismo
Consiste num sistema filosófico-religioso,
codificado por Léon Hyppolite Denizard Rivail (Allan Kardec),
fundamentado na reencarnação, que se baseia na idéia
hinduísta da transmigração das almas e que se
apóia em dois princípios básicos:
a) A lei do carma - A toda ação
corresponde uma reação igual e de sentido contrário,
ou seja, todo pensamento, vontade ou ação produzidos
pelo ser humano acarretará sobre este um evento de mesma
natureza e intensidade, nesta vida ou em outra.
b) A comunicação com
os mortos - Algumas pessoas (os médiuns) são dotadas
da capacidade de se comunicarem ostensivamente com o mundo dos mortos
(mundo dos Espíritos). Esta comunicação pode
se efetuar através da fala (psicofonia), escrita (psicografia),
pintura (psicopictografia), etc.
No Brasil o espiritismo enfatiza o
lado religioso da moralidade, do assistencialismo, tendo como moto
comportamental a caridade, inspirando-se nos Evangelhos e compreendendo
Jesus Cristo como o mais evoluído Espírito que já
se encarnou; também é dado destaque à terapia
mediúnica, principalmente com a aplicação
de passes e utilização da água fluidificada.
4.3 - Renovação carismática
(variedade do catolicismo):
Admite basicamente os mesmos fundamentos
do protestantismo, ou seja, a sobrevivência do homem, a ressurreição,
o juízo final, o céu, o inferno, não comunicação
dos mortos entre outros. Diferenciando-se deste por admitir que a
interpretação única e correta da Bíblia
é a fornecida pela igreja católica, a veneração
aos santos e as imagens, a infalibilidade do papa, o dogma da transubstanciação.
O característico desta variedade
religiosa é a forma de expressão alicerçada em
músicas modernas e encenações como palmas, batida
dos pés, giro do corpo, etc, que dão um tom mais jovial
às missas. Apresenta também, com menor freqüência,
atividades correspondentes a comunicação do Espírito
Santo (análogo ao pentecostes).
4.4 - Pentecostalismo (variedade do
protestantismo):
Na Europa ocidental, durante o século
XVI, ocorreu uma grande revolução eclesiástica
que rompeu com a estrutura hegemônica do catolicismo, dando
origem ao protestantismo (no Brasil os protestantes também
são denominados de evangélicos). Martinho Lutero, monge
agostiniano alemão, criticou os abusos e o luxo da igreja católica,
a decadência de costumes e a corrupção do clero,
fundando o luteranismo, que discorda do catolicismo nos seguintes
aspectos:
1 - Salvação pela
fé: O homem está destinado a pecar, sendo salvo não
por suas obras, mas pelo arrependimento e pela fé.
2 – Estímulo ao conhecimento: Ocorre
a valorização da busca do conhecimento e da eloqüência
da palavra escrita. Incentiva o desenvolvimento de uma mente questionadora
e autônoma, ignorando, às vezes contestando, a autoridade
de Roma.
2 - Livre-exame: O fiel deve interpretar a Bíblia
a sua maneira e não se submeter a interpretação
da igreja.
3 - Abolição do celibato: Os ministros
da igreja podem se casar, pois não há fundamentação
bíblica para o celibato.
4 - Condenação do culto aos santos:
A veneração só poderia ser feita a Deus, sendo
condenável a adoração as imagens.
5 - Falibilidade papal: O papa, por ser uma criatura
humana é susceptível ao erro.
6 - Negação do dogma da transubstanciação:
O pão e o vinho não se transformam no corpo e no sangue
de Jesus, sendo, entretanto, apenas uma representação
simbólica da eucaristia.
O movimento calvinista, também
denominado presbiteriano, fundado pelo francês João Calvino,
deriva do luteranismo, diferenciando-se deste basicamente pela doutrina
da salvação que é vista como uma predestinação
divina e não uma conseqüência da fé, além
do que favorece a acumulação de capital decorrente do
trabalho, indo de encontro ao princípio católico do
justo preço e da proibição da usura.
A reforma anglicana foi um movimento
mais político do que ideológico, promovido pelo rei
inglês Henrique VIII que teve seu pedido de divórcio
negado pelo papa Clemente VII. A disputa pelo poder e o interesse
no confisco das terras da igreja seriam os motivos reais pelo surgimento
desta reforma, não diferindo muito, no início, do catolicismo.
Posteriormente, surgiram os movimentos
reformados radicais como os metodistas, o exército da salvação,
os quakers e os pentecostais. De todos estes movimentos vamos nos
ater basicamente ao último.
O pentecostalismo é um movimento
protestante que crê nas verdades básicas do cristianismo,
tendo como característica a expressão semelhante ao
pentecostes dos Atos dos apóstolos, descrito na bíblia.
O caminho da salvação é feito em três etapas:
a conversão, o batismo na água (que se dá por
imersão total, não sendo possível o batismo de
crianças) e o batismo no Espírito Santo, quando são
descobertos os dons que os fiéis possuem, sendo basicamente
três:
1 - Dom das línguas: Este
é um fenômeno parapsicológico, denominado xenoglossia,
consistindo na fluente expressão, escrita ou falada (nesta
variedade religiosa consideramos apenas a transmissão verbal)
pelos fiéis, de conteúdos em idioma desconhecido pelo
agente ou até mesmo de todos que estejam no local, sendo
o discurso compatível com a situação presente.
Na prática o fenômeno observado é apenas uma
glossolalia (palavras inventadas pelo inconsciente do indivíduo)
de fragmentos textuais, não apresentando um real significado.
Temos que diferenciar também da pseudoxenoglossia em que
o agente exterioriza fragmentos lingüísticos do inconsciente,
obtidos no passado, e que jazem no mesmo, temporariamente esquecidos.
2 - Dom da profecia: Fenômeno
paranormal, conhecido como precognição, que consiste
na percepção e expressão de eventos físicos
ou psíquicos que ainda irão ocorrer, conforme descrito
anteriormente. Na prática, não temos precognições
reais, mas, pseudoprecognição de natureza vaga ou
de baixo grau de refutabilidade.
3 - Dom de cura : Pelo qual o agente
é capaz de curar patologias em outros indivíduos.
Há de se distinguir a cura psi da cura por meios paranormais.
Naquele caso, se trata-se de um processo auto-hipnótico pelo
qual o indivíduo mobiliza suas capacidades orgânicas,
latentes, possibilitando o alívio de seus males. No segundo
caso, teríamos uma ação da mente sobre o organismo
vivo restabelecendo o seu funcionamento normal, caracterizando-se
pela cura de doenças que ainda não possuem tratamento
adequado pela medicina, extração não cirúrgica
de corpos estranhos (como projétil de arma de fogo) ou a
reconstituição de tecidos destruídos ou ossos
esfacelados. Na prática, a maioria das curas obtidas são
apenas as referidas curas psíquicas e o desaparecimento de
patologias simples (Lins, 1995).
Além disso, em vários
cultos desta variedade religiosa, presenciamos o fenômeno pelo
qual o fiel aparenta estar possuído por um ser imaterial denominado
demônio ou o próprio diabo, tornando-se agressivo e apresentando
mudança de voz (mais rouca) e agitação motora.
Entende-se por personificação
a mudança no comportamento e/ou no pensamento do indivíduo,
que passa a agir como se fosse uma outra pessoa, apresentando sentimentos
e atitudes que pouco ou nada têm de comum com a sua personalidade
habitual, sendo resultante de distúrbios psicológicos,
psiquiátricos, ou de processos deflagrados por hipnose ou paranormalidade.
No caso em questão, o mais provável é que se
trate de um fenômeno de hipnose, de natureza ergotropa, com
elementos de um estado neurótico. Como sabemos, este tipo de
hipnose se expressa através de uma excitação
emocional e acentuada tensão muscular.
Teoricamente, o enfraquecimento das
censuras do ego e as motivações inconscientes, geradoras
do fenômeno, associam-se a uma fuga da situação
emergencial e da liberação de desejos arquetipais de
comportamento, que, em estado ou condições normais,
o indivíduo não consegue vivenciar.
A personificação surgida
neste tipo de situação, geralmente, é desejada
inconscientemente, ocorrendo em um ambiente de grande agitação,
podendo haver músicas de ritmos estimuladores, preces em forma
de cânticos, ou uma situação inconsciente de conflito.
Ocorre não apenas nestas variedades religiosas que buscam a
eliminação do demônio, mas, também, em
sessões das religiões afro-brasileiras e em conflitos
intrapsíquicos (Borges, 1995).
Em 1910, surgiu no Paraná e
em São Paulo, a primeira igreja pentecostal do Brasil, a Congregação
Cristã do Brasil. Em 1911, é fundada em Belém
do Pará a Assembléia de Deus. Os pentecostais constituem
o grupo da religião protestante que mais cresceu no Brasil
no século XX. No início dos anos 90 , algo em torno
de 10% da população brasileira era formada de pentecostais.
Recentemente, entre os pentecostais
brasileiros, surgiu o grupo dos neopentecostais, que apresenta uma
forma religiosa prática, pouco exigente ético e doutrinariamente,
voltado para o êxtase, com ênfase na glossolalia, exorcismo
e milagres, visando resultados imediatos.
As principais igrejas pentecostais
de tipo clássico no Brasil são a Congregação
Cristã do Brasil, a Assembléia de Deus, a Igreja do
Evangelho Quadrangular, a Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo,
a Deus é Amor e a Casa da Benção. Entre as neopentecostais,
merecem destaque a Igreja de Nova Vida, a Comunidade Evangélica
Sara Nossa Terra, a Igreja Internacional da Graça, a Renascer
em Cristo e a Igreja Universal do Reino de Deus (Gaarder,
2000).
5. ELEMENTOS INDUTORES DA HIPNOSE
NAS VIVÊNCIAS RELIGIOSAS
Nas sessões práticas
de Espiritismo observamos certos fatores predisponentes à produção
de uma hipnose trofotropa, isto é, do tipo tranqüilizadora,
quais sejam:
- Luz pouco intensa, com efeito
calmante;
- Voz pausada e repetitiva do dirigente da sessão;
- Estado de introspecção, relaxação,
produzindo uma sensação de calma e bem- estar, por
parte de seus componentes etc.
- Sugestão hipnótica implícita de que o "médium"
deverá "incorporar uma entidade" ou deve se comportar
como se fosse um outro indivíduo.
Nas sessões afro-brasileiras,
determinados fatores condicionam uma hipnose ergotropa, isto é,
do tipo excitadora, como:
- O canto, conhecido como "ponto",
acompanhado ritmicamente pelo toque dos instrumentos musicais;
- A dança, estimulação muscular, que provoca
uma tensão e fadiga;
- A utilização, em determinadas sessões de
algumas variedades religiosa, de bebidas alcoólicas, fumaça
de tabaco, alimentos muito condimentados, luzes e roupas com cores
fortes, estimulantes;
Sugestão transmitida na saudação, letra, ritmo
e melodia do "ponto", tipo de roupa, ritual etc , de que
os '' filhos de santo '' vão incorporar um mestre, caboclo,
cigano ou orixá.
Nos cultos pentecostais e neopentecostais,
bem como, nas missas da renovação carismática,
determinados fatores condicionam uma hipnose ergotropa, isto é,
do tipo excitadora, como:
- O cântico, que pode vir
acompanhado pelo toque dos instrumentos musicais;
- Encenações como palmas, batida dos pés, giro
do corpo, etc, que promovem uma excitação muscular;
Exortação enérgica do dirigente do culto ou
missa, referindo-se a fé, realização de cura,
expulsão de demônios, etc.
A tendência a não distinguir
a fantasia da realidade e a sugestionabilidade, que facultam a aceitação
das proposições do indutor no que se refere a sua maior
ou menor facilidade para a produção de determinados
fenômenos, são componentes detectados nas aludidas reuniões.
Quanto maior for o respeito, a admiração,
que o hipnotizado tenha em relação ao hipnotizador,
mais facilmente se dará o processo e serão aceitas as
sugestões por ele emitidas. O "pai de santo", o "doutrinador",
o ''pastor'', o ''padre '' ou seus equivalentes, são vistos,
pelos adeptos, como pessoas que possuem um bom relacionamento com
os ditos mestres, caboclos, orixás, espíritos superiores
, santos, etc, e, por isto, tudo o que deles provem é tomado
como verdadeiro, não sendo permitida nenhuma discussão
em torno de suas afirmações. Desta forma, se obtém
um campo propício para uma fácil aceitação
de sugestões por parte dos adeptos. As supostas "entidades"
(espíritos, caboclos, orixás, demônios, diabo,
etc) são facilmente afastadas quando emitida uma simples palavra
dos mesmos, enquanto que, muitas vezes, elas relutam veementemente
em irem embora, no caso de outras pessoas, não reconhecidas
como superiores ou intermediários dos seres extra-corpóreos.
Nas reuniões espíritas,
em determinadas ocasiões, o doutrinador afirma que a possível
"entidade" passará a ver imagens dos principais acontecimentos
ocorridos em sua existência, quando vivo, tal qual um filme
projetado em uma tela de cinema; principia-se, assim, a produção
de uma alucinação em que o "médium"
afirma estar vendo as aludidas cenas. Além disso, freqüentemente,
essa alucinação é acompanhada de uma dramatização
do indivíduo. Tudo isso representa, tão somente, a realização
das sugestões do orientador.
6. SEMELHANÇAS ENTRE A FENOMENOLOGIA RELIGIOSA
E HIPNÓTICA
A fenomenologia existente nas reuniões
religiosas aludidas anteriormente é idêntica a obtida
durante uma sessão de hipnose, fortalecendo, portanto, a tese
de ser manifestação de um estado emocional intensificado.
Façamos então uma análise das duas e de sua convergência.
É bastante conhecido o fenômeno
da catalepsia, no qual o sujeito permanece, sem que haja cansaço,
com todo o corpo, ou parte deste, rígido e imóvel. As
manifestações religiosas em que há comunicação
verbal (comumente acompanhada de fenômenos da musculatura estriada),
como as incorporações, comunicação dos
demônios, etc, em verdade, seriam apenas manifestações
do transe hipnótico do tipo sonambúlico, quando toda
ou parte da musculatura do indivíduo permanece em condição
propícia para produzir movimentos, e do tipo letárgico,
quando toda ela se encontra tensionada, impedindo determinados deslocamentos.
Alguns indivíduos, quando apresentam estas manifestações,
ficam com todo seu sistema muscular rígido, exceção
feita aos músculos que possibilitam a fonação.
Nestas condições, desenvolvem todo o fenômeno,
adotando outra personalidade e comunicando-se através da fala.
Outras vezes apenas o braço, ou outro membro, permanece naquela
condição de rigidez. Como se nota, são nítidas
reproduções da catalepsia.
Na hipnose observa-se também
a possibilidade do aumento da força muscular, diga-se bem,
não se trata por isso de um surgimento do nada, mas sim, a
utilização de reservas energéticas existentes
em nosso próprio organismo. Da mesma maneira, verifica-se,
em várias manifestações desta natureza, caso
de pessoas que se tornam possuidoras de uma força cuja ação
vai além de sua capacidade habitual. Percebe-se, então,
que se trataria de simples aspecto do transe hipnótico.
Em várias reuniões de
religiões afro-brasileiras, algumas pessoas, sob estado de
transe, cortam seus próprios pulsos sem expressarem estar sentindo
qualquer dor, caracterizando, assim, um fenômeno de anestesia,
neste caso particular, perda da sensibilidade à dor, é
mais correto denominar de analgesia, que, como sabemos, é encontrada
em pessoas hipnotizadas. Pode ocorrer ainda, durante a hipnose, a
hiperalgesia, que se caracteriza por uma exagerada sensibilidade à
dor. Analogamente, nas reuniões espíritas, já
presenciamos, em diversas circunstâncias, a possível
"personalidade comunicante" afirmar ter nos braços
ou em outras áreas de seu corpo, queimaduras ou feridas, e
que, ao menor toque nestas regiões, essa tende a se retrair
imediatamente, expressando a presença de uma impressão
penosa. Fiéis do movimento pentecostal, neopentecostal e renovação
carismática, referem cura de suas dores, de seus males, devido
à oração, benção ou culto da respectiva
religião, sendo um fenômeno hipnótico decorrente
da intensa emoção que as pessoas envolvidas apresentam.
Constatamos, também, que, em sessões kardecistas, alguns
"médiuns" se ressentem ao menor ruído provocado,
podendo ouvir conversações a voz baixa que ocorram entre
os componentes do grupo durante a mesma. Vale destacar, que, nesses
casos, o possível aumento da sensibilidade auditiva nunca ultrapassa
a capacidade normal da pessoa em questão. Atentamos, em outras
ocasiões, que barulhos, mesmo de alta intensidade, não
pareciam afetar alguns dos que se encontravam em transe, continuando
o seu proceder, como se nada de mais estivesse ocorrendo; não
se trataria de surdez real, porém de uma diminuição
da capacidade auditiva. Durante o transe, observa-se fisiologicamente
uma inibição do córtex cerebral, sendo importante
mencionar a existência da fase paradoxal, em que devido a esta
inibição ocorre uma maior sensibilidade cortical aos
estímulos mais débeis em detrimento dos mais fortes,
ou seja, estímulos externos mais violentos não impressionam
o córtex em transe, porém os débeis influxos
nervosos são amplificados Os dois fenômenos, presentemente
mencionados, também surgem durante a hipnose, sendo comumente
denominados de hiperestesia auditiva (hiperacusia) e surdez hipnótica
(Cerviño, 1989).
Uma das ocorrências de maior
incidência, nestas reuniões de caráter religioso,
é o que denominamos em hipnose de parestesia, ou seja, a sensação
de picadas, formigamento, etc., sem que haja causa externa. Os espíritas
afirmam que isto se deve à concentração de "fluidos"
por parte dos "espíritos" nestas regiões do
corpo onde tais fatos são percebidos, os seguidores afro-brasileiros
dizem dever-se a '' encostos '', correspondendo a ação
dos ''demônios'' dos pentecostais. Além de ocorrer com
os participantes destas reuniões, o mesmo se observa nas pessoas
que recebem e aplicam ''passes".
Nas manifestações religiosas
mencionadas, quando se observa uma modificação no comportamento
dos fieis em transe, na maioria das vezes, nota-se uma aceleração
dos batimentos cardíacos e dos movimentos respiratórios.
Verifica-se, em certos casos, que vivenciando as mais diversas circunstâncias,
uma das mãos do fiel pode se tornar fria e a outra quente,
caracterizando, este conjunto de eventos, os fenômenos viscerais
da hipnose .
Quando da aplicação do "passe", da benção,
da oração '' forte '', há toda uma alteração
emocional tanto por parte do paciente, que busca desesperadamente
ser curado ou ter amenizado os seus males e o "passista",
padre, pastor ou equivalentes que deseja ardentemente a melhora do
paciente. Devido a esta alteração emocional, o paciente
poderá sofrer toda uma modificação metabólica
em seu organismo, podendo sobrevir, conseqüentemente, a cura
esperada. A água "fluidificada" ou benta, tão
comum nos centros espíritas, missas, cultos evangélicos,
etc, a qual é atribuída a propriedade de curar determinadas
doenças, seria o desenvolvimento de um processo semelhante
ao descrito anteriormente. Temos assim, por correspondência
com a hipnose, os fenômenos viscerais.
Muitas vezes, o "médium"
inicia a dita "incorporação" através
de intensa agitação e sensação de sufocação,
para depois, com as palavras calmantes e tranqüilizadoras do
doutrinador, atingir a um estado estabilizador, denotando, claramente,
a passagem de um transe hipnótico de natureza ergotropa para
um de natureza trofotropa. O inverso também poderá ser
obtido, através de sugestões do doutrinador, de que
o "espírito" irá revivenciar os males que
praticou em "outras existências". Ante a cena que
a personalidade vivenciada pelo "médium" diz ver,
e que passa a transferir-se àquela, o seu terror, perante o
conhecimento dos males realizados, provoca uma série de alterações
em seu organismo, observando-se , então, a transformação
de um transe trofotropo em ergotropo.
Podemos, também, obter um estado
emocional intensificado através de fatores impessoais, tais
como músicas, cores, etc. Tais elementos são encontrados,
em maior ou menor grau, nas reuniões das diversas variedades
religiosas aqui estudadas. Nas afro-brasileiras, através do
toque de instrumentos, danças, perfumes, bebidas, etc; no espiritismo,
através de música suave, muito utilizada nas chamadas
reuniões de consultas e mesmo nas de desenvolvimento mediúnico,
usando lâmpadas de fraca intensidade, comumente de cor azul,
provocando uma sensação de calma e tranqüilidade;
na renovação carismática, pentecostalismo e neopentecostalismo,
através de cânticos, palmas, batidos de pés. É
bom ressaltar que não se trata de indução hipnótica
por via física, mas através da representação,
pelo significado que tais fatores possuem em relação
aos programas adquiridos e até mesmo os programas inatos.
Quando uma comunidade religiosa recebe
um novato, este passa a observar o comportamento dos antigos, em transe
e fora de transe, só exercendo suas funções na
comunidade após várias reuniões. Nota-se que
o novato imita atitudes estereotipadas ou semelhantes àquelas
possuídas pelos veteranos, de conformidade com a variedade.
Assim, durante o transe, temos:
a) No espiritismo - O ''médium'' treme as mãos quando
do "recebimento de uma entidade", inspira fortemente, bate
ruidosamente com as mãos na mesa, boceja com regularidade,
comunica-se gritando ou em tom calmo; etc.
b) Nas religiões afro-brasileiras
- O ''médium'' ou ''cavalo'' dança, bebe, fala e se
comporta de conformidade com a '' entidade recebida '', e com um padrão
semelhante ao que os antigos apresentam.
c) Na renovação carismática,
pentecostalismo e neopentecostalismo - Os ''endemoniados'' apresentam
voz rouca e agressividade, os fieis batizados com o Espírito
Santo falam palavras estranhas aos presentes, os demônios são
expulsos após determinado ritual e ordem do dirigente, etc,
tudo em conformidade com o que os antigos apresentam.
Esses comportamentos indicam, evidentemente,
que ocorreram sugestões hipnóticas de natureza implícita,
conquanto não expressas oralmente, como é o caso da
linguagem gesticulada e da simbologia das roupas, cânticos e
rituais.
Em alguns Centros de Umbanda, são
comuns os "médiuns" sentarem-se em torno de uma mesa
forrada de branco, sobre a qual se encontram alguns cálices
ou copos de vidro, contendo água. Após determinado tempo
de concentração, alguns deles afirmam visualizar sobre
a superfície dos vidros, certas imagens, como sendo de santos,
caboclos, etc. Porém, nem sempre se faz necessária a
utilização daqueles apetrechos, pois, via de regra,
após certo estágio inicial, os aludidos "médiuns"
declaram perceber, sem a necessidade de projetá-las sobre determinada
superfície, imagens de seres humanos, animais e até
mesmo objetos, que não são apreendidos por todos os
participantes. Em diversas oportunidades, os membros da referida mesa
informam sentir o aroma de flores, que não possuem existência
física constatada.
Nos cursos de formação de "médiuns",
é referido que a faculdade de ouvir sons, vozes, não
perceptíveis pelas vias auditivas normais (audiência
ou clariaudiência), poderia ocorrer de duas maneiras distintas:
estas sairiam do interior do "médium", ou seja, partiriam
de sua mente, ou viriam de fora, do exterior.
Os fenômenos ora citados, nitidamente
alucinações, são obtidos na hipnose e são
conhecidos respectivamente por alucinação visual positiva,
olfativa e auditiva. Esta última apresenta as duas modalidades
citadas, como bem observou o pesquisador Schneck.
Ao contrário do que geralmente
se pensa, não existe um domínio, um controle do hipnotizador
sobre o hipnotizado. Esta imagem é produto de uma interpretação
errônea que vem persistindo há muito tempo com relação
à hipnose. A sugestão não é fundamento
básico do fenômeno hipnótico, porém um
seu auxiliar. Se a sugestão emitida contrariar os programas
básicos do hipnotizado, este não a acatará. Quando
se utiliza uma sugestão de tirar a roupa em público,
ou suicidar-se, estas ordens serão cumpridas, apenas, se o
hipnotizado realmente estiver com idéias suicidas ou possuir
o hábito de tirar a roupa em público. Analisando o transe
mediúnico como um estado hipnótico, a validade desta
assertiva prevalece. Várias vezes foram constatados que "médiuns"
em estado de transe, comportando-se como suicidas, ameaçavam
tirar a própria vida e, ao verificarem que os participantes
da sessão não davam atenção ao que diziam,
desistiam de realizar o que haviam prometido. É bem verdade
que, neste caso, se deve ter mais cuidado, pois o indivíduo
pode sofrer de distúrbios mentais e realmente executar a ação
a que se propõe. Porém, fique claro, isto poderá
sobrevir em decorrência, tão somente, de seu estado de
perturbação mental ou de sua predisposição
à concretização daquele ato, e não como
resultante do transe em si e, muito menos, de uma ação
dominadora, incontrolável do hipnotizador sobre o hipnotizado.
Essa ação dominadora atribuída ao hipnotizador
é uma mistificação.
Apreendemos nas reuniões mediúnicas, nos cultos pentecostais
e neopentecostais, bem como, em algumas reuniões da renovação
carismática, um processo de dramatização do inconsciente,
no qual se observa o fenômeno supra citado. O "médium"
afirma ser outro indivíduo, podendo relatar uma "história",
como morreu e até mesmo modificar a sua voz. Caso o "espírito"
comunicante seja um conhecido de alguma pessoa presente, e geralmente
do próprio "médium", este muitas vezes passa
a revelar atitudes características do morto em apreço.
Entretanto, essas personalidades são comumente estereotipadas:
na Umbanda se encontram, por exemplo, os "pretos velhos",
os exus, etc.; no Espiritismo, os "espíritos obsessores",
os guias espirituais, etc. Tal fenômeno é conhecido,
nessas religiões, como "incorporação"
e, na ocorrência de comunicação oral, é
denominada pelos espíritas de psicofonia. Nas referidas variedades
católica e protestante o ''endemoniado'' também modifica
a voz, apresenta um comportamento violento, diferente daquele apresentado
pelo fiel em condições normais. Todos estes fenômenos
podem ser interpretados como manifestações hipnóticas,
visto que, é freqüente, no transe hipnótico, o
sujeito aceitar a sugestão de se comportar como outra personalidade,
que poderá ser tanto a de um morto como a de um vivo, real
ou fictício, sendo tal fato denominado de transidentificação.
É importante mencionarmos os
casos de pintura obtidos durante transe hipnótico e que, teoricamente,
extrapola a capacidade do autor. Helena Smith, que conhecia pintura,
sob transe hipnótico, denominado psicoautônomo, pintava
usando os dedos no lugar dos pincéis de maneira aparentemente
desordenada e sem coerência, pintando um pé, um olho,
uma árvore, em pontos diferentes da tela e posteriormente harmonizando
estas imagens em um conjunto coerente. Augustin Lesage, trabalhador
de minas, durante o trabalho ouviu uma voz que lhe dizia: ''Tu serás
pintor''; a partir deste momento ''sua mão adquiriu um automatismo
inconsciente, executando, em completa amnésia, aquilo que sua
inteligência não fora capaz de executar'' (Mello,
1950).
''As pressões sociais impedem
comumente o surgimento de verdadeiros gênios nas artes; esses
indivíduos reprimem suas qualidades e no estado de transe
psicoautônomo podem desinibi-las. Temos visto médiuns
espíritas que no estado de transe perdem toda a sua timidez
e inibição, e falam o que antes não tinham
coragem de falar, e apresentam qualidades variadas - artísticas,
por exemplo - que estavam impossibilitados de mostrar antes... Os
médiuns, por meio de uma ''entidade espiritual incorporada'',
apresentam uma estereotipia dinâmica que representa uma conduta
organizada no passado, comumente imaginária, porém,
em geral, desejada. Os estados de transe psicoautônomo se
devidamente orientados por um médico hipnologista podem,
pelas suas características, ser de grande interesse para
o indivíduo e para a sociedade. Lembremos que no Brasil milhares
de indivíduos entram em transe em milhares de centros espíritas.
Seria bastante interessante e importante para todos se esses médiuns
pudessem abstrair do seu transe os aspectos religiosos, o que, entretanto
não é fácil, dado o hábito já
bastante arraigado da concentração na fé religiosa,
a qual proporciona uma melhor profundidade do transe'' (Akstein,1973).
Devemos mencionar ainda o dermografismo,
que consiste no aparecimento de sinais, letras ou palavras na epiderme
do indivíduo, devido a um processo de irritação
cutânea . Um exemplo disto é o fenômeno da '' mão
de fogo '', onde surge manchas hiperemeadas, em formato de mão,
sobre as coxas, braços ou tronco. Normalmente as vítimas
são pessoas deprimidas, com sentimento de autopunição,
passando por problemas de natureza emocional. Ocorre em algumas vivências
espíritas
A estigmatização é,
de certa forma, uma modalidade de dermografismo em que surge lesão
espontânea da epiderme, onde aparecem marcas sanguinolentas,
arranhões e cortes sobre o corpo, podendo resultar de:
a) necessidade inconsciente de autopunição - as vítimas
em geral apresentam sentimento de autodestruição, atravessando
uma fase de transtornos emocionais. Encontramos em alguns casos de
'' possessão '' e pessoas '' endemoniadas ''. Ocorre em algumas
vivências espíritas, pentecostais e neopentecostais
b) estado de exaltação
mística - é um fenômeno exclusivo do universo
cristão, onde ocorre chagas sanguinolentas em várias
regiões do corpo de um santo ou de um místico, reproduzindo
os ferimentos sofridos por Jesus . É típico de algumas
vivências católicas
Tanto o dermografismo em geral, como
a estigmatização, em particular, são fenômenos
viscerais de natureza hipnótica, da categoria ergotropa nos
casos de ''possessão'' e ''endemoniados'' e da categoria trofotropa
no casos dos santos e místicos.
7. SEMELHANÇAS ENTRE A FENOMENOLOGIA RELIGIOSA
E PARANORMAL
Muitas formas dos fenômenos
paranormais podem surgir, durante as atividades das referidas variedades
religiosas, e serem interpretadas inadequadamente, de conformidade
com os modelos em questão. Assim, podemos ter:
1. - Psicografia: Forma de fenômeno
paranormal em que o conteúdo psigâmico, evento físico
ou psíquico, se expressa através da escrita. Pode apresentar
diversas modalidades como a ambidestra (produzindo simultaneamente
com as duas mãos mensagens distintas), invertida (em que as
letras das palavras estão transladadas, escritas na ordem inversa),
especular (subtipo da psicografia invertida em que as letras também
estão rotacionadas, sendo necessário contrapor o escrito
a um espelho para se efetuar a sua adequada leitura) e a xenográfica
(escrita em um idioma desconhecido dos participantes da reunião
e cujo conteúdo se relaciona com o contexto da mesma ). É
comum nas sessões espíritas
2. - Personificação
subjetiva: Termo criado por Valter da Rosa Borges para designar a
modificação, espontânea ou provocada, da personalidade
do Agente Psi, a qual ele se comporta como se fosse outra pessoa,
fictícia ou real, viva ou falecida, apresentando fenômenos
de psi-gama. Quase sempre se manifesta na forma oral (psicofonia),
sendo, no campo religioso, conhecida como “incorporação
'' ou '' possessão ''. Pode apresentar a modalidade xenoglóssica,
pela qual o conteúdo psigâmico é expresso em um
idioma desconhecido dos participantes da reunião e cujo conteúdo
se relaciona com o contexto da mesma. Está presente em todas
as variedades religiosas acima.
3. - Psicopictografia: Designa a manifestação
paranormal expressa através de pinturas (a óleo, nanquim
etc) cujo nível extrapola, e muito, a capacidade do Agente
Psi. Muitas vezes vem assinada por personalidades famosas já
falecidas. Ocorre nas sessões espíritas.
4. - Projeção da consciência:
Manifestação paranormal em que o Agente Psi visualiza
cenas de outro ambiente e tem a sensação de aí
se encontrar. Mais conhecido no campo religioso como viagem astral,
projeção do corpo astral, desdobramento, bicorporeidade,
bilocação ou experiência fora do corpo (EFC).
Deve ser interpretado como uma clarividência associada a uma
sensação subjetiva de deslocamento espacial do Eu. Comum
nas sessões espíritas.
5. - Precognição: Característica do fenômeno
paranormal pelo qual o agente é capaz de expressar acontecimentos
futuros, ou seja, que ainda irão se realizar. Encontramos principalmente
em sessões espíritas e em cultos pentecostais e neopentecostais.
6. - Aparição: É
uma manifestação psigâmica, telepática
ou clarividente, cujo conteúdo informacional se expressa sob
forma alucinatória ou simbólica, podendo apresentar
imagens de pessoas, animais e/ou coisas. É freqüente em
reuniões espíritas e de religiões afro-brasileiras.
8. CONCLUSÃO
Como pudemos perceber, todos estes
indícios, ora descritos, apontam para o modelo proposto, do
estado emocional intensificado e dos fenômenos paranormais.
Apesar de tudo isso, muitos preferem
não ver o que possivelmente está ocorrendo, por inúmeras
razões, dentre as quais podemos citar:
- Falta de hábito em assumir
uma atitude científica, da maior parte da coletividade, perante
os fatos defrontados;
- O desconhecimento do que seja realmente a hipnose e a paranormalidade,
devido a um antiquado processo de mistificação que
as envolvem;
- A insegurança de inúmeras pessoas que, tendo suas
vidas já fundamentadas por inúmeros conceitos, temem
ver seus castelos desmoronarem e preferem não enxergar aquilo
que se lhes depara;
- Uma estrutura tendenciosa do indivíduo, proveniente da
recepção, sem crítica, dos conteúdos
informacionais advindos daqueles que os rodeiam.
Estes e outros motivos formam o nível
de consciência possível da população, nível
este que atua como filtro ideológico e permite enxergar apenas
o que querem e o que lhes convém., possuindo as suas próprias
regras, impede, na maioria das vezes, uma melhor compreensão
da realidade.
Desta forma, não se acuse de
reducionismo da hipótese, mas de correta atitude científica
ante fenômenos dos quais se procuram explicações.
Se existe um modelo conhecido, simples, no qual podemos operar e controlar
e que explica um conjunto de fatos observados com maior abrangência,
seria anticientífico, e perda de tempo, procurar-se um outro
modelo, mais complexo e menos abrangente para descrever esta mesma
série de fenômenos. Um bom modelo deve ser lógico
em sua descrição, consistente com a experiência
e abrangente quanto ao conjunto de fatos observados e a ele pertinente.
Sendo assim, somos conduzidos a supor
que, nas sessões mediúnicas (espíritas e das
religiões afro-brasileiras), nos cultos pentecostais e neopentecostais
e nas reuniões da renovação carismática,
tudo se passa como se a maioria dos fenômenos observados fossem
estados emocionais intensificados, ou seja, processo hipnótico
ou fenômenos de natureza paranormal.
AS EXPERIÊNCIAS RELIGIOSAS SOB O ENFOQUE
DA HIPNOSE E DA PARAPSICOLOGIA
Ronaldo Dantas Lins
RESUMO
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
Na incapacidade de lidar diretamente
com a realidade, a ciência utiliza-se de modelos, buscando,
assim, um melhor entendimento dos fenômenos da natureza. Dados
dois ou mais modelos para explicar determinado fato, deve-se adotar
aquele que seja mais eficaz, claro, simples, que necessite de uma
menor quantidade de afirmações apriorísticas
e cujo campo de ação possa abranger razoavelmente o
mesmo domínio do outro.
Nas sessões práticas
dos Centros afro-brasileiros, de espiritismo, e nos cultos pentecostais
e neopentecostais, bem como nas missas da renovação
carismática, uma série de ocorrências são
explicadas por seus participantes através de modelos, que constituem
os corpos de suas doutrinas. Tomam sem comprovação um
conjunto de afirmações, tais como:
a) No espiritismo - a sobrevivência,
após a morte do ser humano, de um constructo extra-corpóreo
(o Espírito), que pode retornar a este mundo em outro corpo
humano (reencarnação) e se comunicar conosco, do além,
através de determinados indivíduos, que teriam a capacidade
de servir de intercâmbio entre os homens e o suposto mundo espiritual
( os médiuns). A este constructo são adicionadas, a
priori, qualidades outras, tais como: a imortalidade e um corpo designado
de perispírito, constituído de uma substância,
cuja consistência se situa entre a matéria e o próprio
Espírito. Esse novo corpo seria o elo de ligação,
que permitiria a ''comunicação'' entre mortos e vivos.
b) Nas religiões afro-brasileiras
- Admite a sobrevivência pós-morte do homem, que pode
se comunicar com os vivos sob diversas personalidades (mestres, entidades
africanas, caboclos ou ciganos). Outras entidades extrafísicas
seriam os orixás (deuses, heróis africanos antigos,
espíritos desencarnados ou apenas a tradução
dos santos católicos).
c) No pentecostalismo e neopentecostalismo
(variedades do protestantismo) - Admite a sobrevivência do homem
após a morte, a ressurreição (retorno à
vida no mesmo corpo físico), nega a reencarnação
(retorno à vida em outro corpo físico); julgamento de
cada um no final dos tempos, podendo ser condenado ao inferno ou a
viver feliz no céu; os mortos não se comunicam; o Espírito
Santo (um dos três aspectos da divindade) pode se comunicar
com os homens em idiomas desconhecidos do mesmo (xenoglossia); o diabo
ou os demônios (entidades do mal) podem se apossar dos corpos
de pessoas vivas e comandar seu comportamento, podendo ser expulsos
em cultos apropriados, etc.
d) na renovação carismática
(variedade do catolicismo) - Admite a sobrevivência do homem
após a morte, a ressurreição (retornar ao mesmo
corpo após a morte), o juízo final, o céu, o
inferno, não comunicação dos mortos com os vivos.
Apresenta uma forma de expressão (missa) diferenciada do tradicional,
com menos rigorismo e de natureza mais festiva e espontânea.
Como se nota, esses modelos se fundamentam
em um conjunto de proposições não demonstradas,
elementos desconhecidos, para a demonstração de fatos
dos quais se procuram explicações. Tais fatos são
constatados em larga escala nos indivíduos que se encontram
hipnotizados ou deflagrando fenômenos paranormais, além
de nos depararmos, nas sessões e cultos das referidas religiões,
com elementos indutores da hipnose e que serão mencionados
mais adiante. Todo este contexto nos permite supor que muitas das
ocorrências destas sessões sejam resultantes do transe
hipnótico ou de fenômenos paranormais.
2. FUNDAMENTOS DA HIPNOSE.
A hipnose pode ser compreendida como
um estado emocional intensificado, e como tal pode ser de caráter
estabilizador, sendo induzida geralmente por uma atitude tranqüilizadora
por parte do hipnotizador, tendo uma reação predominantemente
trofotropa, com predomínio do sistema nervoso simpático,
e de caráter alterador, geralmente alcançado através
de um proceder de natureza autoritária, vigorosa, enérgica
por parte do indutor, tendo desta feita uma reação ergotropa,
com predomínio do sistema nervoso parassimpático. Constitui,
portanto, um fenômeno do cotidiano (Júnior, 1980).
Os elementos básicos para a
sua consecução são:
1 - Características individuais:
Capacidade que cada indivíduo possui de responder distintamente
aos estímulos, bloqueando-os, favorecendo-os ou alterando-os.
Confere a facilitação da produção de determinados
fenômenos em detrimento de outros.
2 - Sugestionabilidade: Refere-se
a maior ou menor propensão pelo hipnotizado de acatar as sugestões
do hipnotizador.
3 - Regressão ao estado psicofisiológico
da infância: Não se trata de regressão de idade,
mas sim de um processo natural, pelo qual o hipnotizado passa a ter
um funcionamento orgânico análogo àquele da infância,
possibilitando o surgimento de confusão entre a realidade e
a fantasia, analgesia (a criança possui baixa sensibilidade
à dor), alucinação (Adler propõe a existência
de um ''componente alucinatório da alma'', inibido pelo pensamento
lógico, que é elemento básico da vida em sociedade).
No indivíduo jovem, principalmente em crianças, ocorrem
as imagens eidéticas, que são alucinações
não patológicas, que consiste na reprodução
de uma imagem percebida anteriormente, apresentando componentes objetivos,
sem estímulo adequado perceptível. Esta capacidade tende
a regredir na maioria dos adultos), catalepsia ( observa-se no recém-nascido
uma capacidade de permanecer por muito tempo em uma mesma posição),
etc
O mais importante para o êxito
na indução hipnótica é o estabelecimento
de um relação adequada entre o hipnotizador e o hipnotizado,
o denominado rapport. Dele depende todo o êxito ou malogro da
relação hipnótica. É importante sabermos
que na hipnose não há sono, em nenhum instante o hipnotizado
perde a consciência do que lhe está acontecendo; não
há um domínio do hipnotizador sobre o hipnotizado, só
fazendo este, aquilo que não for de encontro aos seus programas
básicos.
Sob o aspecto prático pode
apresentar os seguintes grupos de fenômenos:
1 - Motores: aumento ou diminuição
da força muscular, flacidez ou enrijecimento muscular, catalepsia,
etc.
2 - Viscerais: parestesia, aquecimento
ou esfriamento cutâneo, dermografismo, etc.
3 - Sensoriais: alucinações
(para mais ''positiva'', para menos ''negativa'' ou de transformação
qualitativa) visuais, auditivas, olfativas, gustativas ou somatossensoriais.
4 - Desempenho de papel: personificação
pela qual o hipnotizado se comporta como se houvesse regredido de
idade (também pode ocorrer à progressão) ou mesmo
assumir a personalidade de outra pessoa (fictícia, real, ou
de pessoa falecida ).
A sugestão hipnótica
pode ser explícita ou implícita. Esta é muito
mais interessante pela sua aparência de naturalidade e de não
apresentar direcionamento comportamental perceptível, sendo
facilmente encontrada em ambientes religioso
3. FUNDAMENTOS DE PARAPSICOLOGIA (Borges,
1992)
'' Podemos denominar de paranormal
ou psi a todo o fenômeno que, tendo o homem como seu provável
epicentro, apresenta as seguintes características
a) Uma modalidade de conhecimento
que uma pessoa demonstra de fatos físicos e/ou psíquicos,
relativos ao passado, presente ou futuro, sem a utilização
(aparente) dos sentidos e da razão, assim como de habilidades
que não resultem de prévio aprendizado
b) Uma ação física
que uma pessoa exerce sobre seres vivos e a matéria em geral,
sem a utilização de qualquer extensão ou instrumento
de natureza material. '' (Borges & Caruso, 1986)
A Parapsicologia é a ciência
que estuda e pesquisa o fenômeno paranormal. Este pode ser de
dois tipos
1) Psi-gama: Fenômenos paranormais
subjetivos, de tomada de conhecimento, produzido de conformidade com
o descrito no item a) referido acima. É o caso da telepatia
(comunicação mente a mente) e da clarividência
(a mente toma conhecimento de maneira direta de um fato físico,
sem a intervenção de uma outra mente)
2) Psi-kapa: Fenômenos paranormais
objetivos, de ação sobre os seres, produzido de conformidade
com o descrito no item b) referido acima. É o caso da telecinesia
(movimentação de objetos pela ação da
mente).
O fenômeno psi apresenta a característica
da independência do tempo, (percepção de eventos,
psíquicos ou físicos, desviados das coordenadas temporais
almejadas), podendo ocorrer as seguintes possibilidades:
a) Precognição: Quando
alcançamos eventos posteriores ao objeto alvo. Consiste em
perceber eventos que ainda irão ocorrer
b) Retrocognição: Quando
alcançamos eventos anteriores ao objeto alvo. Consiste em perceber
eventos que já ocorreram.
c) Simulcognição: Quando
o experimento alcança temporalmente o objeto alvo. Neste caso,
ocorre à tomada de conhecimento por meio paranormal de um evento
presente.
Os fenômenos paranormais podem
se expressar de diversas formas apresentando, em cada caso, uma terminologia
própria, como algumas descritas abaixo (destacamos apenas fenômenos
de psi-gama)
1 - Psicografia - Conteúdo
transmitido através da escrita.
2 - Psicofonia - Conteúdo transmitido
através da fala.
3 - Psicopictografia - Conteúdo
transmitido através da pintura.
4 - Psicomusicografia - Conteúdo
transmitido através da música.
5 - Radiestesia ou rabdomancia - Conteúdo
transmitido através do uso do pêndulo ou forquilha.
6 - Psicometria - Conteúdo
transmitido através de imagens impregnadas no ambiente ou objetos.
7 - Aparição - Conteúdo
transmitido através de imagens de formas humanas ou animais
Em relação ao conteúdo
destacamos as seguintes modalidades
a) Xenoglossia - Conteúdo transmitido
fluentemente, através de um ou mais idiomas desconhecido do
agente psi ou mesmo dos presentes, de teor compatível com a
situação presente. É importante destacarmos o
caso de pseudoxenoglossia em que o agente exterioriza fragmentos mnemônicos
de textos, nos referidos idiomas, adquiridos no passado e guardados
em seu nível inconsciente e os relatos de glossolalia, que
consiste na criação, pela mente do agente, de idiomas
fictícios, nunca existentes
b) Memória extracerebral -
Conteúdo transmitido através de relatos de vivências
e elementos mnemônicos supostamente acontecidos com uma pessoa
já falecida, e que o agente afirmar ter sido ele mesmo.
c) Criatividade psi - Conteúdo
transmitido através de produções artísticas
cujo nível ultrapassa bastante a capacidade do agente.
4. VISÃO GERAL DE ALGUMAS RELIGIÕES
NO BRASIL
No conjunto das religiões presentes
no Brasil, iremos destacar algumas e/ou suas variedades mais significativas
para nossa discussão, como as religiões afro-brasileiras,
espiritismo, pentecostalismo (variedade do protestantismo) e a renovação
carismática (variedade do catolicismo).
4.1 - Religiões afro-brasileiras
As religiões afro-brasileiras
do Recife, segundo o antropólogo Roberto Mota, apresentam-se
em quatro variedades principais (Motta, 1999):
4.1.1 -. Catimbó (ou Jurema)
- Consiste no culto dos mestres (espíritos curadores de origem
luso-brasileira, posteriormente acrescidos de entidades africanas),
dos caboclos ( curadores de origem indígena) e mais recentemente
dos ciganos. Na segunda metade do século XX, conjuntos hagiológicos
do Rio de Janeiro e outras regiões foram acrescidos, como os
exus (masculinos) e pombas-gira (femininos). O culto se processa através
do canto, da dança e da possessão verbal. Há
também a utilização ritual da fumaça de
tabaco e a ingestão de uma bebida feita à base do vegetal
jurema (Mimosa hostilis) e de aguardente de cana. O Catimbó-Jurema
consiste num sistema de cura e de alívio. Cada ''entidade ''
tem suas preferências de cor, bebidas, charutos, etc. Trata-se
de uma religião infra-sacrificial, ou seja, não adota
o sacrifício de animais, e infra-organizacional (raramente
seus grupos se articulam em congregações análogas
aos terreiros, com hierarquias e códigos rígidos de
direitos e deveres). Temos assim a figura do mago, isto é,
um especialista no intercâmbio e controle de forças sobrenaturais,
com finalidade terapêutica, de consolo ou de realização
de desejos correlatos
4.1.2 - Xangô - Corresponde
ao Candomblé da Bahia e consiste no culto dos orixás
que são divindades iorubá , por alguns sincretizados
com santos católicos. Os seguidores desta variedade não
se preocupam com uma estruturação formal de sua religião,
tanto que para alguns os orixás são deuses e para outros
são heróis africanos antigos, espíritos desencarnados
ou apenas a tradução ( em língua nagô)
dos santos católicos. Trata-se de uma religião sacrificial
(adota o sacrifício de animais, o qual é retribuído
com a proteção ou a concretização dos
desejos dos fiéis) e organizacional (os terreiros se agrupam
em estruturas maiores e os seus membros apresentam uma hierarquia,
sendo os referidos terreiros comandados por pais e mães-de-santo,
isto é, babalorixás e ialorixás), bem como, não
apresenta compromisso com a moralidade, fundamentando-se em um pacto
de permuta de favores entre o fiel e o orixá. Apresenta canto,
dança e um transe extático que poderá apresentar
esporadicamente exclamações em nagô
4.1.3 - Umbanda Branca - Consiste
da aplicação nas diversas religiões afro-brasileiras
dos elementos de natureza teológica do espiritismo europeu
(Kardecismo). As entidades do Xangô e do Candomblé são
interpretadas como entes desencarnados, apresentando-se em diversos
graus de desenvolvimento, sendo passíveis de interagir com
os encarnados e permutarem ensinamentos. Esta variedade apresenta
uma valorização da palavra em detrimento da imagem,
do ícone, tendo eliminado o sacrifício de animais, ou
seja, é supra-sacrificial e preserva os nomes das entidades
do Xangô, Candomblé, Catimbó e cultos análogos.
O termo Umbanda às vezes é compreendido como uma forma
polida de Xangô ou mesmo designar o conjunto das religiões
afro-brasileiras. O transe consiste em uma possessão verbal
cujo conteúdo é uma mensagem de conforto ou ensinamento
ou mesmo o estabelecimento de um simples diálogo. Em teoria
a uma valorização do desenvolvimento individual em detrimento
do carisma.
Diferenças rituais entre o
candomblé (Bahia) e a umbanda, conforme Vagner Gonçalves
da Silva, no Livro das Religiões, de Gaard, editado em 2000,
pela Companhia Editora de artes, são destacadas a seguir:
''a) Panteão :
1 - Candomblé - predomínio
de um número menor de categorias de entidades circunscritas
aos deuses de origem africana (orixás, vodus, inquices), erês
(espíritos infantis) e algumas vezes caboclos (espíritos
ameríndios).
2 - Umbanda - predomínio de
um número maior de categorias de entidades agrupadas por linhas
de falanges (orixás, caboclos, pretos velhos, erês, exus,
pombagiras, ciganos, marinheiros, zé-pilintra, baianos, etc).
b) Finalidades do culto às
divindades:
1 - Candomblé - serem louvados
através dos rituais privados e festas públicas nas quais
os deuses incorporam nos adeptos, fortalecendo os vínculos
que os unem e potencializando o axé (energia mítica)
que protege e beneficia os membros do terreiro.
2 - Umbanda - desenvolvimento espiritual
dos médiuns e das divindades (da escala mais baixa, representada
pelos exus, a mais alta, representada pelos orixás que, quando
incorporam nos adeptos, geralmente o fazem para trabalharem receitando
passes e atendendo ao público).
c) Concepção e finalidade
do transe:
1 - Candomblé - declarado inconsciente
e legitimamente aceito somente após a iniciação
do fiel para um número reduzido de entidades.
2 - Umbanda - declarado semiconsciente
e permitido para um número maior de entidades, na medida do
desenvolvimento mediúnico do fiel.
d) Iniciação:
1 - Candomblé - condição
básica para o ingresso legítimo no culto. Segregação
do fiel por um longo período, raspagem total da cabeça,
sacrifício animal e oferendas rituais. Grande número
de preceitos.
2 - Umbanda - existe, mas não
como condição básica para o pertencimento ao
culto; camarinho: segregação do fiel por um período
curto, raspagem parcial da cabeça (não obrigatória),
sacrifício animal (não obrigatório) e oferendas
rituais, Predomínio do batismo, realizado na cachoeira, no
mar ou através de entregas de oferenda na mata.
e) Processos divinatórios:
modos de comunicação com os deuses:
1 - Candomblé - predomínio
do jogo de búzios realizado somente pelo pai-de-santo (sem
necessidade do transe), que recomenda os ebós ou despachos
para a resolução dos problemas do consulente.
2 - Umbanda - predomínio do
diálogo direto entre os consulentes e as divindades que dão
'' passes '' ou receitam trabalhos.
f) Hierarquia religiosa:
1 - Candomblé - estabelecida
a partir do tempo de iniciação e da indicação
dos adeptos para ocuparem os cargos religiosos. Fundamental na organização
sócio-religiosa do grupo.
2 - Umbanda - estabelecida a partir
da capacidade de liderança religiosa dos médiuns e de
seus guias. Importância da ordem burocrática.
g) Música ritual:
1 - Candomblé - predomínio
de cantigas contendo expressões de origem africana. Acompanhamento
executado por três atabaques percutidos somente pelos alabés
(iniciados do sexo masculino que não entram em transe ).
2 - Umbanda - predomínio de
pontos cantados em português, acompanhados por palmas ou pelas
curimbas (atabaques), sem número fixo, que podem ser percutidos
por adeptos (curimbeiros) de ambos os sexos.
h) Dança ritual:
1 - Candomblé - Formação
obrigatória da '' roda de santo '' (disposição
dos adeptos na forma circular, dançando em sentido anti-horário).
Predomínio de expressões coreográficas preestabelecidas,
que identificam cada divindade ou momento ritual.
2 - Umbanda - não-obrigatoriedade
da formação da '' roda de santo ''. Disposição
dos adeptos em fileiras paralelas. Predomínio de uma maior
liberdade de expressão da linguagem gestual nas danças
que identificam as divindades '' (Silva, 1994).
4.1.4 -. Xangô Umbandizado -
Religião que adota elementos kardecistas, preservação
dos toques, danças e nomenclatura do Xangô, Catimbó
e do Candomblé. Conforme a região onde é praticada
pode receber várias denominações como omolokô
e o Candomblé de Goméia . Apresenta uma significativa
diminuiçaõ na prática do sacrifício, que
tende a tornar-se vestigial, sendo portanto uma religião hipo-sacrificial;
na prática observa-se a presença , em alguns terreiros,
de sacrifício animal, talvez por motivos de natureza financeira.
Podemos constatar uma exacerbação ritual e do personalismo
carismático (principalmente do dos pais e mães-de-santo),
valorização da palavra, desvalorização
do jogo de búzios, presença de exageros gestuais e de
consultas verbais aos seres desencarnados
Por terem se formado em diferentes
regiões do Brasil e em momentos históricos também
distintos, as religiões afro-brasileiras receberam diversos
nomes, conforme já mencionado. Assim temos: candomblé
(na Bahia), xangô (em Pernambuco e Alagoas), tambor de mina
(no Maranhão e no Piauí), batuque (no Rio Grande do
Sul) e macumba e umbanda no Rio de Janeiro. É importante destacarmos
que, no Brasil, o ritual de certas religiões africanas sobrevive
na sua forma mais pura no estado da Bahia.
Para facilitar nossas argumentações,
doravante nos referiremos às religiões afro-brasileiras,
sem entrarmos em detalhes sobre as suas variedades, haja visto que
elementos como a dança, o canto, o toque, uso de bebidas e
alimentos bastante condimentados, cores e luzes intensas entre outros,
se encontram presentes, de uma forma ou de outra, nas diversas variedades
deste grupo religioso, bem como, são nestes componentes que
estamos interessados para desenvolver a nossa tese.
4.2 - Espiritismo/Kardecismo
Consiste num sistema filosófico-religioso,
codificado por Léon Hyppolite Denizard Rivail (Allan Kardec),
fundamentado na reencarnação , que se baseia na idéia
hinduísta da transmigração das almas e que se
apóia em dois princípios básicos:
a) A lei do carma - A toda ação
corresponde uma reação igual e de sentido contrário,
ou seja, todo pensamento, vontade ou ação produzidos
pelo ser humano acarretará sobre este um evento de mesma natureza
e intensidade, nesta vida ou em outra.
b) A comunicação com
os mortos - Algumas pessoas (os médiuns) são dotadas
da capacidade de se comunicarem ostensivamente com o mundo dos mortos
(mundo dos Espíritos). Esta comunicação pode
se efetuar através da fala (psicofonia), escrita (psicografia),
pintura (psicopictografia), etc.
No Brasil o espiritismo enfatiza o
lado religioso da moralidade, do assistencialismo, tendo como moto
comportamental a caridade, inspirando-se nos Evangelhos e compreendendo
Jesus Cristo como o mais evoluído Espírito que já
se encarnou; também é dado destaque à terapia
mediúnica, principalmente com a aplicação de
passes e utilização da água fluidificada.
4.3 - Renovação carismática
(variedade do catolicismo):
Admite basicamente os mesmos fundamentos
do protestantismo, ou seja, a sobrevivência do homem, a ressurreição,
o juízo final, o céu, o inferno, não comunicação
dos mortos entre outros. Diferenciando-se deste por admitir que a
interpretação única e correta da Bíblia
é a fornecida pela igreja católica, a veneração
aos santos e as imagens, a infalibilidade do papa, o dogma da transubstanciação.
O característico desta variedade
religiosa é a forma de expressão alicerçada em
músicas modernas e encenações como palmas, batida
dos pés, giro do corpo, etc, que dão um tom mais jovial
às missas. Apresenta também, com menor freqüência,
atividades correspondentes a comunicação do Espírito
Santo (análogo ao pentecostes).
4.4 - Pentecostalismo (variedade do protestantismo):
Na Europa ocidental, durante o século
XVI, ocorreu uma grande revolução eclesiástica
que rompeu com a estrutura hegemônica do catolicismo, dando
origem ao protestantismo (no Brasil os protestantes também
são denominados de evangélicos). Martinho Lutero, monge
agostiniano alemão, criticou os abusos e o luxo da igreja católica,
a decadência de costumes e a corrupção do clero,
fundando o luteranismo, que discorda do catolicismo nos seguintes
aspectos:
1 - Salvação pela fé:
O homem está destinado a pecar, sendo salvo não por
suas obras, mas pelo arrependimento e pela fé.
2 – Estímulo ao conhecimento:
Ocorre a valorização da busca do conhecimento e da eloqüência
da palavra escrita. Incentiva o desenvolvimento de uma mente questionadora
e autônoma, ignorando, às vezes contestando, a autoridade
de Roma.
2 - Livre-exame: O fiel deve interpretar
a Bíblia a sua maneira e não se submeter a interpretação
da igreja.
3 - Abolição do celibato:
Os ministros da igreja podem se casar, pois não há fundamentação
bíblica para o celibato.
4 - Condenação do culto
aos santos: A veneração só poderia ser feita
a Deus, sendo condenável a adoração as imagens.
5 - Falibilidade papal : O papa, por
ser uma criatura humana é susceptível ao erro.
6 - Negação do dogma
da transubstanciação: O pão e o vinho não
se transformam no corpo e no sangue de Jesus, sendo, entretanto, apenas
uma representação simbólica da eucaristia
O movimento calvinista, também
denominado presbiteriano, fundado pelo francês João Calvino,
deriva do luteranismo, diferenciando-se deste basicamente pela doutrina
da salvação que é vista como uma predestinação
divina e não uma conseqüência da fé, além
do que favorece a acumulação de capital decorrente do
trabalho, indo de encontro ao princípio católico do
justo preço e da proibição da usura.
A reforma anglicana foi um movimento
mais político do que ideológico, promovido pelo rei
inglês Henrique VIII que teve seu pedido de divórcio
negado pelo papa Clemente VII. A disputa pelo poder e o interesse
no confisco das terras da igreja seriam os motivos reais pelo surgimento
desta reforma, não diferindo muito, no início, do catolicismo.
Posteriormente, surgiram os movimentos
reformados radicais como os metodistas, o exército da salvação,
os quakers e os pentecostais. De todos estes movimentos vamos nos
ater basicamente ao último.
O pentecostalismo é um movimento
protestante que crê nas verdades básicas do cristianismo,
tendo como característica a expressão semelhante ao
pentecostes dos Atos dos apóstolos, descrito na bíblia.
O caminho da salvação é feito em três etapas:
a conversão, o batismo na água (que se dá por
imersão total, não sendo possível o batismo de
crianças) e o batismo no Espírito Santo, quando são
descobertos os dons que os fiéis possuem, sendo basicamente
três:
1 - Dom das línguas: Este é
um fenômeno parapsicológico, denominado xenoglossia,
consistindo na fluente expressão, escrita ou falada (nesta
variedade religiosa consideramos apenas a transmissão verbal)
pelos fiéis, de conteúdos em idioma desconhecido pelo
agente ou até mesmo de todos que estejam no local, sendo o
discurso compatível com a situação presente.
Na prática o fenômeno observado é apenas uma glossolalia
(palavras inventadas pelo inconsciente do indivíduo) de fragmentos
textuais, não apresentando um real significado. Temos que diferenciar
também da pseudoxenoglossia em que o agente exterioriza fragmentos
lingüísticos do inconsciente, obtidos no passado, e que
jazem no mesmo, temporariamente esquecidos.
2 - Dom da profecia: Fenômeno
paranormal, conhecido como precognição, que consiste
na percepção e expressão de eventos físicos
ou psíquicos que ainda irão ocorrer, conforme descrito
anteriormente. Na prática, não temos precognições
reais, mas, pseudoprecognição de natureza vaga ou de
baixo grau de refutabilidade.
3 - Dom de cura : Pelo qual o agente
é capaz de curar patologias em outros indivíduos. Há
de se distinguir a cura psi da cura por meios paranormais. Naquele
caso, se trata-se de um processo auto-hipnótico pelo qual o
indivíduo mobiliza suas capacidades orgânicas, latentes,
possibilitando o alívio de seus males. No segundo caso, teríamos
uma ação da mente sobre o organismo vivo restabelecendo
o seu funcionamento normal, caracterizando-se pela cura de doenças
que ainda não possuem tratamento adequado pela medicina, extração
não cirúrgica de corpos estranhos (como projétil
de arma de fogo) ou a reconstituição de tecidos destruídos
ou ossos esfacelados. Na prática, a maioria das curas obtidas
são apenas as referidas curas psíquicas e o desaparecimento
de patologias simples (Lins, 1995).
Além disso, em vários
cultos desta variedade religiosa, presenciamos o fenômeno pelo
qual o fiel aparenta estar possuído por um ser imaterial denominado
demônio ou o próprio diabo, tornando-se agressivo e apresentando
mudança de voz (mais rouca) e agitação motora.
Entende-se por personificação
a mudança no comportamento e/ou no pensamento do indivíduo,
que passa a agir como se fosse uma outra pessoa, apresentando sentimentos
e atitudes que pouco ou nada têm de comum com a sua personalidade
habitual, sendo resultante de distúrbios psicológicos,
psiquiátricos, ou de processos deflagrados por hipnose ou paranormalidade.
No caso em questão, o mais provável é que se
trate de um fenômeno de hipnose, de natureza ergotropa, com
elementos de um estado neurótico. Como sabemos, este tipo de
hipnose se expressa através de uma excitação
emocional e acentuada tensão muscular.
Teoricamente, o enfraquecimento das
censuras do ego e as motivações inconscientes, geradoras
do fenômeno, associam-se a uma fuga da situação
emergencial e da liberação de desejos arquetipais de
comportamento, que, em estado ou condições normais,
o indivíduo não consegue vivenciar.
A personificação surgida
neste tipo de situação, geralmente, é desejada
inconscientemente, ocorrendo em um ambiente de grande agitação,
podendo haver músicas de ritmos estimuladores, preces em forma
de cânticos, ou uma situação inconsciente de conflito.
Ocorre não apenas nestas variedades religiosas que buscam a
eliminação do demônio, mas, também, em
sessões das religiões afro-brasileiras e em conflitos
intrapsíquicos (Borges, 1995).
Em 1910, surgiu no Paraná e
em São Paulo, a primeira igreja pentecostal do Brasil, a Congregação
Cristã do Brasil. Em 1911, é fundada em Belém
do Pará a Assembléia de Deus. Os pentecostais constituem
o grupo da religião protestante que mais cresceu no Brasil
no século XX. No início dos anos 90 , algo em torno
de 10% da população brasileira era formada de pentecostais.
Recentemente, entre os pentecostais
brasileiros, surgiu o grupo dos neopentecostais, que apresenta uma
forma religiosa prática, pouco exigente ético e doutrinariamente,
voltado para o êxtase, com ênfase na glossolalia, exorcismo
e milagres, visando resultados imediatos.
As principais igrejas pentecostais
de tipo clássico no Brasil são a Congregação
Cristã do Brasil, a Assembléia de Deus, a Igreja do
Evangelho Quadrangular, a Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo,
a Deus é Amor e a Casa da Benção. Entre as neopentecostais,
merecem destaque a Igreja de Nova Vida, a Comunidade Evangélica
Sara Nossa Terra, a Igreja Internacional da Graça, a Renascer
em Cristo e a Igreja Universal do Reino de Deus (Gaarder, 2000).
5. ELEMENTOS INDUTORES DA HIPNOSE NAS VIVÊNCIAS
RELIGIOSA
Nas sessões práticas
de Espiritismo observamos certos fatores predisponentes à produção
de uma hipnose trofotropa, isto é, do tipo tranqüilizadora,
quais sejam:
- Luz pouco intensa, com efeito
calmante;
- Voz pausada e repetitiva do dirigente da sessão;
- Estado de introspecção, relaxação,
produzindo uma sensação de calma e bem- estar, por
parte de seus componentes etc.
- Sugestão hipnótica implícita de que o "médium"
deverá "incorporar uma entidade" ou deve se comportar
como se fosse um outro indivíduo.
Nas sessões afro-brasileiras,
determinados fatores condicionam uma hipnose ergotropa, isto é,
do tipo excitadora, como:
- O canto, conhecido como "ponto",
acompanhado ritmicamente pelo toque dos instrumentos musicais;
A dança, estimulação
muscular, que provoca uma tensão e fadiga;
A utilização, em determinadas sessões de
algumas variedades religiosa, de bebidas alcoólicas, fumaça
de tabaco, alimentos muito condimentados, luzes e roupas com cores
fortes, estimulantes.
Sugestão transmitida na saudação, letra,
ritmo e melodia do "ponto", tipo de roupa, ritual etc
, de que os '' filhos de santo '' vão incorporar um mestre,
caboclo, cigano ou orixá.
Nos cultos pentecostais e neopentecostais,
bem como, nas missas da renovação carismática,
determinados fatores condicionam uma hipnose ergotropa, isto é,
do tipo excitadora, como:
- O cântico, que pode vir
acompanhado pelo toque dos instrumentos musicais;
- Encenações como palmas, batida dos pés, giro
do corpo, etc, que promovem uma excitação muscular.
- Exortação enérgica do dirigente do culto
ou missa, referindo-se a fé, realização de
cura, expulsão de demônios, etc
A tendência a não distinguir
a fantasia da realidade e a sugestionabilidade, que facultam a aceitação
das proposições do indutor no que se refere a sua maior
ou menor facilidade para a produção de determinados
fenômenos, são componentes detectados nas aludidas reuniões.
Quanto maior for o respeito, a admiração,
que o hipnotizado tenha em relação ao hipnotizador,
mais facilmente se dará o processo e serão aceitas as
sugestões por ele emitidas. O "pai de santo", o "doutrinador",
o '' pastor '', o ''padre '' ou seus equivalentes, são vistos,
pelos adeptos, como pessoas que possuem um bom relacionamento com
os ditos mestres, caboclos, orixás, espíritos superiores
, santos, etc, e, por isto, tudo o que deles provem é tomado
como verdadeiro, não sendo permitida nenhuma discussão
em torno de suas afirmações. Desta forma, se obtém
um campo propício para uma fácil aceitação
de sugestões por parte dos adeptos. A supostas "entidades"
(espíritos, caboclos, orixás, demônios, diabo,
etc) são facilmente afastadas quando emitida uma simples palavra
dos mesmos, enquanto que, muitas vezes, elas relutam veementemente
em irem embora , no caso de outras pessoas, não reconhecidas
como superiores ou intermediários dos seres extra-corpóreos.
Nas reuniões espíritas,
em determinadas ocasiões, o doutrinador afirma que a possível
"entidade" passará a ver imagens dos principais acontecimentos
ocorridos em sua existência, quando vivo, tal qual um filme
projetado em uma tela de cinema; principia-se, assim, a produção
de uma alucinação em que o "médium"
afirma estar vendo as aludidas cenas. Além disso, freqüentemente,
essa alucinação é acompanhada de uma dramatização
do indivíduo. Tudo isso representa, tão somente, a realização
das sugestões do orientador.
6. SEMELHANÇAS ENTRE A FENOMENOLOGIA RELIGIOSA
E HIPNÓTICA
A fenomenologia existente nas reuniões
religiosas aludidas anteriormente é idêntica a obtida
durante uma sessão de hipnose, fortalecendo, portanto, a tese
de ser manifestação de um estado emocional intensificado.
Façamos então uma análise das duas e de sua convergência.
É bastante conhecido o fenômeno
da catalepsia, no qual o sujeito permanece, sem que haja cansaço,
com todo o corpo, ou parte deste, rígido e imóvel. As
manifestações religiosas em que há comunicação
verbal (comumente acompanhada de fenômenos da musculatura estriada),
como as incorporações, comunicação dos
demônios, etc, em verdade, seriam apenas manifestações
do transe hipnótico do tipo sonambúlico, quando toda
ou parte da musculatura do indivíduo permanece em condição
propícia para produzir movimentos, e do tipo letárgico,
quando toda ela se encontra tensionada, impedindo determinados deslocamentos.
Alguns indivíduos, quando apresentam estas manifestações,
ficam com todo seu sistema muscular rígido, exceção
feita aos músculos que possibilitam a fonação.
Nestas condições, desenvolvem todo o fenômeno,
adotando outra personalidade e comunicando-se através da fala.
Outras vezes apenas o braço, ou outro membro, permanece naquela
condição de rigidez. Como se nota, são nítidas
reproduções da catalepsia.
Na hipnose observa-se também
a possibilidade do aumento da força muscular, diga-se bem,
não se trata por isso de um surgimento do nada, mas sim, a
utilização de reservas energéticas existentes
em nosso próprio organismo. Da mesma maneira, verifica-se,
em várias manifestações desta natureza, caso
de pessoas que se tornam possuidoras de uma força cuja ação
vai além de sua capacidade habitual. Percebe-se, então,
que se trataria de simples aspecto do transe hipnótico.
Em várias reuniões de
religiões afro-brasileiras, algumas pessoas, sob estado de
transe, cortam seus próprios pulsos sem expressarem estar sentindo
qualquer dor, caracterizando, assim, um fenômeno de anestesia,
neste caso particular, perda da sensibilidade à dor, é
mais correto denominar de analgesia, que, como sabemos, é encontrada
em pessoas hipnotizadas. Pode ocorrer ainda, durante a hipnose, a
hiperalgesia, que se caracteriza por uma exagerada sensibilidade à
dor. Analogamente, nas reuniões espíritas, já
presenciamos, em diversas circunstâncias, a possível
"personalidade comunicante" afirmar ter nos braços
ou em outras áreas de seu corpo, queimaduras ou feridas, e
que, ao menor toque nestas regiões, essa tende a se retrair
imediatamente, expressando a presença de uma impressão
penosa. Fiéis do movimento pentecostal, neopentecostal e renovação
carismática, referem cura de suas dores, de seus males, devido
à oração, benção ou culto da respectiva
religião, sendo um fenômeno hipnótico decorrente
da intensa emoção que as pessoas envolvidas apresentam.
Constatamos, também, que, em
sessões kardecistas, alguns "médiuns" se ressentem
ao menor ruído provocado, podendo ouvir conversações
a voz baixa que ocorram entre os componentes do grupo durante a mesma.
Vale destacar, que, nesses casos, o possível aumento da sensibilidade
auditiva nunca ultrapassa a capacidade normal da pessoa em questão.
Atentamos, em outras ocasiões, que barulhos, mesmo de alta
intensidade, não pareciam afetar alguns dos que se encontravam
em transe, continuando o seu proceder, como se nada de mais estivesse
ocorrendo; não se trataria de surdez real, porém de
uma diminuição da capacidade auditiva. Durante o transe,
observa-se fisiologicamente uma inibição do córtex
cerebral, sendo importante mencionar a existência da fase paradoxal,
em que devido a esta inibição ocorre uma maior sensibilidade
cortical aos estímulos mais débeis em detrimento dos
mais fortes, ou seja, estímulos externos mais violentos não
impressionam o córtex em transe, porém os débeis
influxos nervosos são amplificados Os dois fenômenos,
presentemente mencionados, também surgem durante a hipnose,
sendo comumente denominados de hiperestesia auditiva (hiperacusia)
e surdez hipnótica (Cerviño, 1989).
Uma das ocorrências de maior
incidência, nestas reuniões de caráter religioso,
é o que denominamos em hipnose de parestesia, ou seja, a sensação
de picadas, formigamento, etc., sem que haja causa externa. Os espíritas
afirmam que isto se deve à concentração de "fluidos"
por parte dos "espíritos" nestas regiões do
corpo onde tais fatos são percebidos, os seguidores afro-brasileiros
dizem dever-se a '' encostos '', correspondendo a ação
dos '' demônios '' dos pentecostais. Além de ocorrer
com os participantes destas reuniões, o mesmo se observa nas
pessoas que recebem e aplicam ''passes".
Nas manifestações religiosas
mencionadas, quando se observa uma modificação no comportamento
dos fieis em transe, na maioria das vezes, nota-se uma aceleração
dos batimentos cardíacos e dos movimentos respiratórios.
Verifica-se, em certos casos, que vivenciando as mais diversas circunstâncias,
uma das mãos do fiel pode se tornar fria e a outra quente,
caracterizando, este conjunto de eventos, os fenômenos viscerais
da hipnose .
Quando da aplicação
do "passe", da benção, da oração
'' forte '', há toda uma alteração emocional
tanto por parte do paciente, que busca desesperadamente ser curado
ou ter amenizado os seus males e o "passista", padre, pastor
ou equivalentes que deseja ardentemente a melhora do paciente. Devido
a esta alteração emocional, o paciente poderá
sofrer toda uma modificação metabólica em seu
organismo, podendo sobrevir, conseqüentemente, a cura esperada.
A água "fluidificada" ou benta, tão comum
nos centros espíritas, missas, cultos evangélicos, etc,
a qual é atribuída a propriedade de curar determinadas
doenças, seria o desenvolvimento de um processo semelhante
ao descrito anteriormente. Temos assim, por correspondência
com a hipnose, os fenômenos viscerais.
Muitas vezes, o "médium"
inicia a dita "incorporação" através
de intensa agitação e sensação de sufocação,
para depois, com as palavras calmantes e tranqüilizadoras do
doutrinador, atingir a um estado estabilizador, denotando, claramente,
a passagem de um transe hipnótico de natureza ergotropa para
um de natureza trofotropa. O inverso também poderá ser
obtido, através de sugestões do doutrinador, de que
o "espírito" irá revivenciar os males que
praticou em "outras existências". Ante a cena que
a personalidade vivenciada pelo "médium" diz ver,
e que passa a transferir-se àquela, o seu terror, perante o
conhecimento dos males realizados, provoca uma série de alterações
em seu organismo, observando-se , então, a transformação
de um transe trofotropo em ergotropo.
Podemos, também, obter um estado
emocional intensificado através de fatores impessoais, tais
como músicas, cores, etc. Tais elementos são encontrados,
em maior ou menor grau, nas reuniões das diversas variedades
religiosas aqui estudadas. Nas afro-brasileiras, através do
toque de instrumentos, danças, perfumes, bebidas, etc; no espiritismo,
através de música suave, muito utilizada nas chamadas
reuniões de consultas e mesmo nas de desenvolvimento mediúnico,
usando lâmpadas de fraca intensidade, comumente de cor azul,
provocando uma sensação de calma e tranqüilidade;
na renovação carismática, pentecostalismo e neopentecostalismo,
através de cânticos, palmas, batidos de pés. É
bom ressaltar que não se trata de indução hipnótica
por via física, mas através da representação,
pelo significado que tais fatores possuem em relação
aos programas adquiridos e até mesmo os programas inatos.
Quando uma comunidade religiosa recebe
um novato, este passa a observar o comportamento dos antigos, em transe
e fora de transe, só exercendo suas funções na
comunidade após várias reuniões. Nota-se que
o novato imita atitudes estereotipadas ou semelhantes àquelas
possuídas pelos veteranos, de conformidade com a variedade.
Assim, durante o transe, temos:
a) No espiritismo - O ''médium''
treme as mãos quando do "recebimento de uma entidade",
inspira fortemente, bate ruidosamente com as mãos na mesa,
boceja com regularidade, comunica-se gritando ou em tom calmo; etc.
b) Nas religiões afro-brasileiras
- O ''médium'' ou '' cavalo '' dança, bebe, fala e se
comporta de conformidade com a '' entidade recebida '', e com um padrão
semelhante ao que os antigos apresentam.
c) Na renovação carismática,
pentecostalismo e neopentecostalismo - Os '' endemoniados '' apresentam
voz rouca e agressividade, os fieis batizados com o Espírito
Santo falam palavras estranhas aos presentes, os demônios são
expulsos após determinado ritual e ordem do dirigente, etc,
tudo em conformidade com o que os antigos apresentam.
Esses comportamentos indicam, evidentemente,
que ocorreram sugestões hipnóticas de natureza implícita,
conquanto não expressas oralmente, como é o caso da
linguagem gesticulada e da simbologia das roupas, cânticos e
rituais.
Em alguns Centros de Umbanda, são
comuns os "médiuns" sentarem-se em torno de uma mesa
forrada de branco, sobre a qual se encontram alguns cálices
ou copos de vidro, contendo água. Após determinado tempo
de concentração, alguns deles afirmam visualizar sobre
a superfície dos vidros, certas imagens, como sendo de santos,
caboclos, etc. Porém, nem sempre se faz necessária a
utilização daqueles apetrechos, pois, via de regra,
após certo estágio inicial, os aludidos "médiuns"
declaram perceber, sem a necessidade de projetá-las sobre determinada
superfície, imagens de seres humanos, animais e até
mesmo objetos, que não são apreendidos por todos os
participantes. Em diversas oportunidades, os membros da referida mesa
informam sentir o aroma de flores, que não possuem existência
física constatada.
Nos cursos de formação
de "médiuns", é referido que a faculdade de
ouvir sons, vozes, não perceptíveis pelas vias auditivas
normais (audiência ou clariaudiência), poderia ocorrer
de duas maneiras distintas: estas sairiam do interior do "médium",
ou seja, partiriam de sua mente, ou viriam de fora, do exterior.
Os fenômenos ora citados, nitidamente
alucinações, são obtidos na hipnose e são
conhecidos respectivamente por alucinação visual positiva,
olfativa e auditiva. Esta última apresenta as duas modalidades
citadas, como bem observou o pesquisador Schneck.
Ao contrário do que geralmente
se pensa, não existe um domínio, um controle do hipnotizador
sobre o hipnotizado. Esta imagem é produto de uma interpretação
errônea que vem persistindo há muito tempo com relação
à hipnose. A sugestão não é fundamento
básico do fenômeno hipnótico, porém um
seu auxiliar. Se a sugestão emitida contrariar os programas
básicos do hipnotizado, este não a acatará. Quando
se utiliza uma sugestão de tirar a roupa em público,
ou suicidar-se, estas ordens serão cumpridas, apenas, se o
hipnotizado realmente estiver com idéias suicidas ou possuir
o hábito de tirar a roupa em público. Analisando o transe
mediúnico como um estado hipnótico, a validade desta
assertiva prevalece. Várias vezes foram constatados que "médiuns"
em estado de transe, comportando-se como suicidas, ameaçavam
tirar a própria vida e, ao verificarem que os participantes
da sessão não davam atenção ao que diziam,
desistiam de realizar o que haviam prometido. É bem verdade
que, neste caso, se deve ter mais cuidado, pois o indivíduo
pode sofrer de distúrbios mentais e realmente executar a ação
a que se propõe. Porém, fique claro, isto poderá
sobrevir em decorrência, tão somente, de seu estado de
perturbação mental ou de sua predisposição
à concretização daquele ato, e não como
resultante do transe em si e, muito menos, de uma ação
dominadora, incontrolável do hipnotizador sobre o hipnotizado.
Essa ação dominadora atribuída ao hipnotizador
é uma mistificação.
Apreendemos nas reuniões mediúnicas,
nos cultos pentecostais e neopentecostais, bem como, em algumas reuniões
da renovação carismática, um processo de dramatização
do inconsciente, no qual se observa o fenômeno supra citado.
O "médium" afirma ser outro indivíduo, podendo
relatar uma "história", como morreu e até
mesmo modificar a sua voz. Caso o "espírito" comunicante
seja um conhecido de alguma pessoa presente, e geralmente do próprio
"médium", este muitas vezes passa a revelar atitudes
características do morto em apreço. Entretanto, essas
personalidades são comumente estereotipadas: na Umbanda se
encontram, por exemplo, os "pretos velhos", os exus, etc.;
no Espiritismo, os "espíritos obsessores", os guias
espirituais, etc. Tal fenômeno é conhecido, nessas religiões,
como "incorporação" e, na ocorrência
de comunicação oral, é denominada pelos espíritas
de psicofonia. Nas referidas variedades católica e protestante
o '' endemoniado '' também modifica a voz, apresenta um comportamento
violento, diferente daquele apresentado pelo fiel em condições
normais. Todos estes fenômenos podem ser interpretados como
manifestações hipnóticas, visto que, é
freqüente, no transe hipnótico, o sujeito aceitar a sugestão
de se comportar como outra personalidade, que poderá ser tanto
a de um morto como a de um vivo, real ou fictício, sendo tal
fato denominado de transidentificação.
É importante mencionarmos os
casos de pintura obtidos durante transe hipnótico e que, teoricamente,
extrapola a capacidade do autor. Helena Smith, que conhecia pintura,
sob transe hipnótico, denominado psicoautônomo, pintava
usando os dedos no lugar dos pincéis de maneira aparentemente
desordenada e sem coerência, pintando um pé, um olho,
uma árvore, em pontos diferentes da tela e posteriormente harmonizando
estas imagens em um conjunto coerente. Augustin Lesage, trabalhador
de minas, durante o trabalho ouviu uma voz que lhe dizia: '' Tu serás
pintor ''; a partir deste momento '' sua mão adquiriu um automatismo
inconsciente, executando, em completa amnésia, aquilo que sua
inteligência não fora capaz de executar ''
(Mello, 1950).
''As pressões sociais impedem
comumente o surgimento de verdadeiros gênios nas artes; esses
indivíduos reprimem suas qualidades e no estado de transe psicoautônomo
podem desinibi-las. Temos visto médiuns espíritas que
no estado de transe perdem toda a sua timidez e inibição,
e falam o que antes não tinham coragem de falar, e apresentam
qualidades variadas - artísticas, por exemplo - que estavam
impossibilitados de mostrar antes... Os médiuns, por meio de
uma '' entidade espiritual incorporada '', apresentam uma estereotipia
dinâmica que representa uma conduta organizada no passado, comumente
imaginária, porém, em geral, desejada. Os estados de
transe psicoautônomo se devidamente orientados por um médico
hipnologista podem, pelas suas características, ser de grande
interesse para o indivíduo e para a sociedade. Lembremos que
no Brasil milhares de indivíduos entram em transe em milhares
de centros espíritas. Seria bastante interessante e importante
para todos se esses médiuns pudessem abstrair do seu transe
os aspectos religiosos, o que, entretanto não é fácil,
dado o hábito já bastante arraigado da concentração
na fé religiosa, a qual proporciona uma melhor profundidade
do transe'' (Akstein,1973).
Devemos mencionar ainda o dermografismo,
que consiste no aparecimento de sinais, letras ou palavras na epiderme
do indivíduo, devido a um processo de irritação
cutânea . Um exemplo disto é o fenômeno da '' mão
de fogo '', onde surge manchas hiperemeadas, em formato de mão,
sobre as coxas, braços ou tronco. Normalmente as vítimas
são pessoas deprimidas, com sentimento de autopunição,
passando por problemas de natureza emocional. Ocorre em algumas vivências
espíritas
A estigmatização é,
de certa forma, uma modalidade de dermografismo em que surge lesão
espontânea da epiderme, onde aparecem marcas sanguinolentas,
arranhões e cortes sobre o corpo, podendo resultar de
a) necessidade inconsciente de autopunição
- as vítimas em geral apresentam sentimento de autodestruição,
atravessando uma fase de transtornos emocionais. Encontramos em alguns
casos de '' possessão '' e pessoas '' endemoniadas ''. Ocorre
em algumas vivências espíritas, pentecostais e neopentecostais
b) estado de exaltação
mística - é um fenômeno exclusivo do universo
cristão, onde ocorre chagas sanguinolentas em várias
regiões do corpo de um santo ou de um místico, reproduzindo
os ferimentos sofridos por Jesus . É típico de algumas
vivências católicas
Tanto o dermografismo em geral, como
a estigmatização, em particular, são fenômenos
viscerais de natureza hipnótica, da categoria ergotropa nos
casos de '' possessão '' e '' endemoniados '' e da categoria
trofotropa no casos dos santos e místicos.
7. SEMELHANÇAS ENTRE A FENOMENOLOGIA RELIGIOSA
E PARANORMAL
Muitas formas dos fenômenos
paranormais podem surgir, durante as atividades das referidas variedades
religiosas, e serem interpretadas inadequadamente, de conformidade
com os modelos em questão. Assim, podemos ter
1. - Psicografia: Forma de fenômeno
paranormal em que o conteúdo psigâmico, evento físico
ou psíquico, se expressa através da escrita. Pode apresentar
diversas modalidades como a ambidestra (produzindo simultaneamente
com as duas mãos mensagens distintas), invertida (em que as
letras das palavras estão transladadas, escritas na ordem inversa),
especular (subtipo da psicografia invertida em que as letras também
estão rotacionadas, sendo necessário contrapor o escrito
a um espelho para se efetuar a sua adequada leitura) e a xenográfica
(escrita em um idioma desconhecido dos participantes da reunião
e cujo conteúdo se relaciona com o contexto da mesma ). É
comum nas sessões espíritas
2. - Personificação
subjetiva: Termo criado por Valter da Rosa Borges para designar a
modificação, espontânea ou provocada, da personalidade
do Agente Psi, a qual ele se comporta como se fosse outra pessoa,
fictícia ou real, viva ou falecida, apresentando fenômenos
de psi-gama. Quase sempre se manifesta na forma oral (psicofonia),
sendo, no campo religioso, conhecida como “incorporação
'' ou '' possessão ''. Pode apresentar a modalidade xenoglóssica,
pela qual o conteúdo psigâmico é expresso em um
idioma desconhecido dos participantes da reunião e cujo conteúdo
se relaciona com o contexto da mesma. Está presente em todas
as variedades religiosas acima.
3. - Psicopictografia: Designa a manifestação
paranormal expressa através de pinturas (a óleo, nanquim
etc) cujo nível extrapola, e muito, a capacidade do Agente
Psi. Muitas vezes vem assinada por personalidades famosas já
falecidas. Ocorre nas sessões espíritas.
4. - Projeção da consciência:
Manifestação paranormal em que o Agente Psi visualiza
cenas de outro ambiente e tem a sensação de aí
se encontrar. Mais conhecido no campo religioso como viagem astral,
projeção do corpo astral, desdobramento, bicorporeidade,
bilocação ou experiência fora do corpo (EFC).
Deve ser interpretado como uma clarividência associada a uma
sensação subjetiva de deslocamento espacial do Eu. Comum
nas sessões espíritas.
5. - Precognição: Característica
do fenômeno paranormal pelo qual o agente é capaz de
expressar acontecimentos futuros, ou seja, que ainda irão se
realizar. Encontramos principalmente em sessões espíritas
e em cultos pentecostais e neopentecostais.
6. - Aparição: É
uma manifestação psigâmica, telepática
ou clarividente, cujo conteúdo informacional se expressa sob
forma alucinatória ou simbólica, podendo apresentar
imagens de pessoas, animais e/ou coisas. É freqüente em
reuniões espíritas e de religiões afro-brasileiras.
8. CONCLUSÃO
Como pudemos perceber, todos estes
indícios, ora descritos, apontam para o modelo proposto, do
estado emocional intensificado e dos fenômenos paranormais.
Apesar de tudo isso, muitos preferem
não ver o que possivelmente está ocorrendo, por inúmeras
razões, dentre as quais podemos citar:
- Falta de hábito em assumir
uma atitude científica, da maior parte da coletividade, perante
os fatos defrontados;
- O desconhecimento do que seja realmente a hipnose e a paranormalidade,
devido a um antiquado processo de mistificação que
as envolvem;
- A insegurança de inúmeras pessoas que, tendo suas
vidas já fundamentadas por inúmeros conceitos, temem
ver seus castelos desmoronarem e preferem não enxergar aquilo
que se lhes depara;
- Uma estrutura tendenciosa do indivíduo, proveniente da
recepção, sem crítica, dos conteúdos
informacionais advindos daqueles que os rodeiam.
Estes e outros motivos formam o nível
de consciência possível da população, nível
este que atua como filtro ideológico e permite enxergar apenas
o que querem e o que lhes convém, possuindo as suas próprias
regras, impede, na maioria das vezes, uma melhor compreensão
da realidade.
Desta forma, não se acuse de
reducionismo da hipótese, mas de correta atitude científica
ante fenômenos dos quais se procuram explicações.
Se existe um modelo conhecido, simples, no qual podemos operar e controlar
e que explica um conjunto de fatos observados com maior abrangência,
seria anticientífico, e perda de tempo, procurar-se um outro
modelo, mais complexo e menos abrangente para descrever esta mesma
série de fenômenos. Um bom modelo deve ser lógico
em sua descrição, consistente com a experiência
e abrangente quanto ao conjunto de fatos observados e a ele pertinente.
Sendo assim, somos conduzidos a supor
que, nas sessões mediúnicas (espíritas e das
religiões afro-brasileiras), nos cultos pentecostais e neopentecostais
e nas reuniões da renovação carismática,
tudo se passa como se a maioria dos fenômenos observados fossem
estados emocionais intensificados, ou seja, processo hipnótico
ou fenômenos de natureza paranormal.
Akstein, D. Hipnologia. Vol. I. Editora
Hypnos Ltda. Rio de Janeiro. 1973.
Borges, M. R. Personificação
- Uma Forma de Expressão do Fenômeno Paranormal. Instituto
Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas - IPPP. Recife. 1995.
Borges, V. R. Manual de Parapsicologia.
Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas - IPPP. Recife.
1992.
Borges, V. R. & Caruso, I. C. Parapsicologia:
Um Novo Modelo (e outras teses). Fundação Antônio
dos Santos Abranches - FASA. Recife. 1986.
Cerviño, J. Além do Inconsciente.
FEB. Rio de Janeiro. 1989.
Gaarder, J; Hellern, V. & Notaker,
H. O Livro das Religiões. Editora Companhia das Letras. São
Paulo. 2000.
Júnior, L. H; Milechnin, A. &
Solovey, G. Cibernética dos Estados Emocionais - hipnose moderna.
Editora Pensamento. São Paulo. 1980.
Lins, R. D. Curas por meios paranormais:
Realidade ou fantasia. Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas
- IPPP. Recife. 1995.
Mello, A. S. Mistérios e realidades
deste e do outro mundo. 2ª. Edição, aumentada. Livraria
José Olympio Editora. São Paulo. 1950.
Motta, R. Religiões afro-recifenses
- ensaio de classificação. Faces da tradição
afro-brasileira.Pallas Editora. Salvador. 1999.
Silva, V. G. Candomblé e Umbanda
- caminhos de devoção brasileira. Editora Ática.
São Paulo. 1994.