Introdução
“Nós devemos praticar
e defender o fato de que os psiquiatras são médicos
da alma tanto quanto do corpo.” Com essas palavras, a editora-chefe
do American Journal of Psychiatry, Nancy Andreasen, aponta para
um cenário que havia sido relegado pela pesquisa científica
(Andreasen, 1996). Vimos surgir em diversas pesquisas uma busca
de reaproximação entre ciência e religião.
Esses dois campos de investigação têm se relacionado
de maneira diversa na história da humanidade (Peters e Bennet,
2003). No estudo realizado por Hess (2003), são apresentados
elementos da história da ciência ocidental reveladores
da união intrínseca que existia anteriormente. Atualmente
existem diversos centros de pesquisa científica que se dedicam
a conduzir investigações sobre as relações
entre saúde e espiritualidade. Nos EUA, por exemplo, as Universidades
George Washington e Duke têm centros de pesquisa em espiritualidade
e saúde. Outros centros, como Harvard Medical School e o
Mind/Body Medical Institute of Deaconess Hospital em Boston* conduzem
cursos destinados a examinar as relações entre práticas
médicas e religião. Outra referência importante
é o curso oferecido pelo Johns Hopkins Medicine: Spirituality
and Medicine Institute**.
Na Europa, The Spirituality and Psychiatry Special Interest Group,
do Royal College of Psychiatrists***, dedica-se a pesquisas sobre
as interferências espirituais na saúde mental.
Entre os pioneiros da área, David B. Larson contribuiu para
mudanças quanto às representações de
experiências religiosas e espirituais presentes na versão
3 do Diagnostic and Statistical Manual, (DSM-III-R) em relação
à versão DSM-IV.
Koenig (2002), da Universidade de Duke, é autor de vários
artigos que discutem de forma crítica as relações
entre religião e saúde. Benson e Marg (1998), da Universidade
de Harvard, também apontam as relações entre
espiritualidade e cura. Astin et al. (2000), do Stanford University
Center for Research in Disease Prevention, fizeram uma revisão
sistemática da cura a distância para todo tipo de tratamento
médico. Em 57% dos ensaios clínicos, verificou efeitos
positivos.
No Brasil, Lotufo Neto (1997) afirma que ter uma orientação
religiosa intrínseca pode ser benéfico à saúde
mental. No entanto, a psiquiatria tem negligenciado avaliar os efeitos
de uma atitude religiosa em seus pacientes. O Núcleo de Estudos
de Problemas Espirituais e Religiosos (Neper), do Instituto de Psiquiatria
da Universidade de São Paulo, reúne vários
dos pesquisadores nessa área. Na Unicamp, na área
de saúde mental e espiritualidade, Giglio e Giglio (1991)
são líderes do grupo de pesquisa em psicologia e religião.
Nessa mesma instituição, outro pesquisador nessa linha
de investigação é Dalgalarrondo (1991), cujas
pesquisas associam vivências religiosas, aspectos culturais
e psiquiatria.
A pesquisa que associa saúde e espiritualidade se depara
com algumas dificuldades inerentes. O primeiro desafio é
vencer o preconceito de que os assuntos relacionados à fé
não podem ser estudados na ciência. O segundo problema
refere-se aos conceitos de corpo, mente, espírito e alma.
Definir as relações entre corpo e mente permanece
sendo um grande enigma. Para alguns, a mente é um produto
do cérebro (Crick, 1994). Para outros, a mente se localiza
no corpo como um todo (Varela et al., 1991).
Em alguns casos, a religiosidade pode exercer efeitos negativos.
O fanatismo, por exemplo, faz que pessoas religiosas muitas vezes
excluam ou neguem condutas médicas. Além disso, vários
indivíduos desenvolvem sintomas derivados de uma interpretação
distorcida de preceitos religiosos. Entre os efeitos psicológicos
negativos mais comuns, observam-se: geração de culpa;
diminuição de auto-estima; repressão de raiva,
ansiedade e medo por meio de crenças punitivas; favorecimento
de dependência, conformismo e sugestionabilidade; desenvolvimento
de intolerância e hostilidade aos que não seguem a
mesma religião (Koenig, 2001).
A gênese do espiritismo tem sido associada às irmãs
Fox. Em Hydesville, em 1847, as irmãs ouviram sons inexplicáveis
e conduziram sessões com o objetivo de se comunicar com supostas
entidades espirituais. A repercussão desses eventos e o interesse
pelas manifestações “sobrenaturais” se
propagaram até a Europa (Doyle, 2002).
Também nessa época, Hippolyte Leon Denizard Rivail
começou a estudar sonambulismo e magnetismo. Na evolução
de suas pesquisas, Rivail passou a se interessar por manifestações
espíritas. Suas investigações são consideradas
os fundamentos teóricos da doutrina espírita. Rivail
publicou vários livros e assumiu o pseudônimo de Allan
Kardec. Segundo os preceitos do espiritismo, os livros de Kardec
são baseados em diálogos com espíritos por
meio de comunicações mediúnicas. A partir da
codificação de Kardec, o espiritismo foi se difundido
para vários países, inclusive o Brasil. Na Itália,
um grande pesquisador do espiritismo foi Ernesto Bozzano que privilegiava
o aspecto psíquico. Suas pesquisas geraram vários
trabalhos científicos sobre a existência dos espíritos
(Silva, 1999).
No Brasil, o espiritismo assumiu características próprias.
Os mais famosos nomes do espiritismo brasileiro se dedicaram a realizar
obras com ênfase no aprimoramento moral. Entre os mais populares
estão os médiuns Francisco Cândido Xavier e
Divaldo Pereira Franco. Os brasileiros Bezerra de Menezes e Inácio
Ferreira, ambos médicos, foram fundamentais para a difusão
das idéias kardecistas (Stoll, 1999).
No Brasil, o espiritismo aceita, estimula e valoriza experiências
dissociativas, tais como: incorporação espiritual
e experiências fora do corpo. Existem várias instituições
filantrópicas para o tratamento de transtornos mentais que
visam a associar práticas médicas a religiosas. Os
procedimentos utilizados são preces, energização
e uso de mediunidade, segundo os princípios da doutrina espírita
(Negro, 1999).
As comunicações recebidas pelos médiuns podem
ter duas origens: um espírito desencarnado (de pessoa que
já faleceu) ou um espírito encarnado (pessoa viva),
embora a comunicação por meio de espíritos
de desencarnados seja mais freqüente (Bozzano, 1940).
Historicamente, organizações religiosas têm
fundado e mantido serviços de saúde mental em diversas
regiões do planeta (Larson, 1997). Segundo uma pesquisa feita
pelo Instituto Superior de Estudos da Religião (Iser) em
parceria com a Universidade Johns Hopkins, o Brasil tem em torno
de 220 mil instituições filantrópicas, agregando
10 milhões de voluntários, atendendo a cerca de 40
milhões de pessoas, isto é, cerca de um quarto da
população brasileira. Segundo o censo demográfico
de 2000, 1,3% da população se declarou espírita.
A contribuição que o espiritismo oferece à
sociedade brasileira por meio de seus hospitais filantrópicos
é significativa, visto que a saúde pública
é deficitária.
A instituição estudada, o Centro Espírita Nosso
Lar Casas André Luiz (Cencal), oferece atendimento técnico
multidisciplinar a 650 pacientes portadores de deficiências
mental e múltiplas, que passam sua vida inteira no hospital.
Nessa instituição, os pacientes recebem, em paralelo,
atendimento espiritual, uma vez que o Cencal segue a filosofia espírita.
As práticas espirituais não entram em conflito com
os procedimentos da medicina convencional e envolvem aplicação
de preces e realização de reuniões mediúnicas.
Esta pesquisa focou-se nas atividades de assistência espiritual
realizadas nas reuniões mediúnicas.
Um dos autores da presente pesquisa trabalha na instituição
desde 1997 e observou empiricamente variações positivas
na evolução clínica e comportamental de pacientes
que participaram das práticas espirituais (reuniões
mediúnicas), mesmo quando eles não estavam presentes
fisicamente.
O objetivo geral desta pesquisa é estudar os resultados terapêuticos
da aplicação de práticas espirituais em pacientes
portadores de deficiência mental. Buscou-se também
avaliar o impacto de uma reunião mediúnica na evolução
clínica e comportamental dos pacientes portadores de deficiência
mental.
A hipótese do estudo é: pacientes portadores de deficiência
mental que participam de sessão mediúnica apresentam
melhora de seus problemas clínicos e/ou comportamentais.
Método
Casuística
Do total de 650 pacientes
portadores de deficiência mental, segundo a CID-10, internados
na Unidade Hospitalar de Longa Permanência das Casas André
Luiz foram constituídos dois grupos (experimental e controle)
com 20 pacientes cada um.
Instrumentos
O instrumento escolhido para obtenção
dos dados foi a Escala de Observação Interativa de
Pacientes Psiquiátricos Internados (EOIPPI) (Zuardi et al.,
1989), que é um instrumento de avaliação de
alterações clínicas e comportamentais de pacientes
por combinar observação direta e julgamento clínico.
Os fatores que envolvem cuidados especiais, interesse e competência
social são encontrados na Escala de Observação
Direta do Comportamento.
A EOIPPI tem uma graduação
de itens que lida com a relação avaliador/paciente.
É uma escala que tem 16 itens de avaliação
e para cada um há apenas uma graduação possível
(0, 1 ou 2), devendo ser escolhida a que mais bem descrever a observação.
A validade da EOIPPI foi estabelecida
em pacientes internados na Unidade Psiquiátrica do Hospital
das Clínicas de Ribeirão Preto. Verificou-se que a
EIOPPI mostrou fidedignidade interobservador significativa. Os critérios
de validade preditiva também foram satisfeitos, uma vez que
os pacientes que tiveram alta, em até uma semana após
a última avaliação, apresentaram escores da
EIOPPI significativamente menores que os pacientes que não
tiveram alta nesse período (Zuardi et al., 1995). O conjunto
das observações mostra que a EOIPPI satisfaz os critérios
de confiabilidade e validade, exigidos para uma escala de avaliação,
estando em condições de ser utilizada para a finalidade
de avaliação das possíveis alterações
clínicas e comportamentais.
Procedimentos
Nas Casas André Luiz as reuniões
mediúnicas são compostas por um grupo de 12 pessoas,
em média, em que cada um tem uma função específica.
Aproximadamente metade do grupo é constituída por
médiuns e os demais podem atuar como dirigente, orientador
ou apoio. Após a leitura inicial, ocorre uma prece de abertura
para harmonização dos participantes. Em seguida, os
médiuns ficam receptivos à comunicação
mediúnica, que ocorre de modo espontâneo. Muitas vezes,
considera-se que essas comunicações provêm de
espíritos de pacientes internados na instituição
(daqui para frente denominados comunicantes). A conversa que se
estabelece visa a ajudar o comunicante a superar a condição
aflitiva em que se encontra. O comunicante não está
fisicamente presente na reunião e sua identificação
nem sempre é possível. As reuniões mediúnicas
são realizadas semanalmente, com duração de
duas horas cada uma.
Todos os 650 pacientes das Casas
André Luiz foram acompanhados por seis meses, sendo avaliados
no início e no final desse período com a escala EOIPPI,
obtendo duas amostras de dados. As duas avaliações
foram realizadas por profissionais de nível superior
após prévio treinamento. Além disso, os entrevistadores
eram cegos ao procedimento espiritual.
O grupo experimental foi formado
por 20 pacientes que ao longo desse período participaram
das reuniões mediúnicas. O grupo controle foi formado
por 20 pacientes, por meio de pareamento (por idade, sexo e grau
de deficiência mental), a partir dos outros 630 pacientes
que não participaram da reunião mediúnica.
Três tipos de identificação espontânea
foram observados durante as comunicações mediúnicas:
1. Sujeito comunicante se identifica
pelo nome;
2. Na comunicação mediúnica, o sujeito comunicante
apontava e/ou expressava características pessoais, comportamentais
e clínicas de determinado paciente;
3. Comunicações de caráter genérico,
inconclusivas, sem identificação precisa.
Estabeleceu-se que só fariam
parte do grupo experimental casos enquadrados nas categorias 1 e
2, ou seja, comunicações inconclusivas e/ou sem identificação
foram excluídas deste grupo. O grupo controle foi composto
por pacientes que não se classificaram como sendo sujeitos
comunicantes das reuniões mediúnicas, a partir de
pareamento de gênero, idade e grau de deficiência mental.
Os pacientes, supostos sujeitos
comunicantes desta reunião, por não estarem fisicamente
presentes nem terem conhecimento de sua eventual participação,
não sabem de sua elegibilidade para o grupo experimental.
Os avaliadores não têm conhecimento de quais foram
os sujeitos que supostamente participaram, o que caracteriza um
estudo do tipo duplo-cego.
O procedimento das reuniões
mediúnicas obedeceu a parâmetros da doutrina espírita.
Em todas as reuniões mediúnicas, adotava-se o procedimento
do diálogo que passava por três fases ou momentos.
No primeiro momento, o diálogo tinha por objetivo acalmar
angústias, rancores, cóleras, entre outros sentimentos,
e com isso proporcionar bem-estar. O segundo momento visava a estabelecer
um vínculo de confiança entre o sujeito comunicante
e o orientador da sessão. Em seguida, adotavam-se técnicas
sugestivas de valorização da vida, conforto e aconselhamento
moral.
Estatística
Efetuou-se a análise
descritiva de todas as variáveis do estudo. As variáveis
qualitativas foram representadas em termos de número absoluto
e porcentagem. As variáveis quantitativas foram representadas
em termos de seus valores de tendências centrais e dispersão.
Para verificar a aderência à curva normal, aplicou-se
o teste de Kolmogorov-Smirnov e, para constatar a homogeneidade
das variâncias, o teste de Levene. Como as variáveis
deste estudo apresentaram esses dois princípios satisfeitos,
foram utilizados testes paramétricos, teste t (quando se
comparou o grupo experimental com o controle tanto para escore I
[avaliação inicial] quanto para escore II [avaliação
final]) e teste t pareado (quando se comparou o grupo experimental
com o controle [escores I e II]). Além disso, aplicou-se
o teste de ANOVA (análise de variância) de medidas
repetidas para verificar se havia diferenças nos grupos e
no tempo (escores I e II) ao mesmo tempo. O nível de significância
foi de 5%.
Resultados
Grupo geral: A população estudada
é constituída por 650 pacientes, todos portadores
de deficiências mentais.
Grupo experimental: Ocorreram 58 comunicações
em reunião mediúnica durante o período do estudo.
Nestas, 20 satisfizeram os critérios de identificação
adotados pelos autores e 38 não. Portanto, o grupo experimental
foi constituído por 20 pacientes.
Dados biodemográficos
Não há diferenças
entre os dois grupos quanto às variáveis gênero,
idade e grau de deficiência mental (Tabela 1).
Resultados da Escala de Observação
Interativa de Pacientes Psiquiátricos Internados (EOIPPI)
A análise estatística
compara o grupo experimental (n = 20) com o grupo controle (n =
20), constituído pelo método de pareamento por idade,
gênero e grau de deficiência. Aplicando o teste t da
diferença de variação entre os grupos, obtivemos
p = 0,045. No teste t pareado, p < 0,0001. Esses dados revelam
que ocorreu variação positiva.
Observa-se, na figura 1, que quando
comparados o grupo experimental (n = 20) com o grupo controle, ambos
diferiram entre si quanto à variação entre
escores I e II (teste t, p < 0,05). Esse resultado é confirmado
pelo teste Qui-quadrado (p = 0,008), conforme demonstra
a tabela 2.
Cinqüenta e cinco por cento
dos pacientes melhoraram no grupo experimental.
Observa-se nessa figura uma melhor variação do grupo
experimental que no grupo controle.
Discussão
Observando os resultados obtidos,
ocorreram 58 comunicações em reunião mediúnica
durante o período do estudo, e 20 satisfizeram os critérios
de identificação adotados. Na análise da diferença
observada, verifica-se que a variação da média
de escores do grupo experimental (5,6) é maior que a do grupo
controle (3). Na comparação
do grupo controle (n = 20) com o grupo experimental (n = 20), verificou-se
a diferença de variação entre os grupos (p
= 0,045), o que demonstra um resultado estaticamente significativo.
Esse resultado positivo gera várias
reflexões. A primeira, sem dúvida, leva a considerar
o efeito positivo nas pessoas que participaram de uma comunicação
mediúnica. Uma das questões a ser posta refere-se
às relações entre os benefícios observados
e os benefícios obtidos mediante apoio psicoterápico.
Sabe-se que muitos pacientes apresentam melhoras de sintomas ao
expressar verbalmente suas angústias. Nesse sentido, é
possível que essa prática espiritual ofereça
uma oportunidade de comunicação para uma população
que é incapaz de se comunicar pelas vias convencionais. Outra
possibilidade está no fato de uma instituição
religiosa com atividades interdisciplinares ter nas suas práticas
religiosas um estímulo adicional aos membros das equipes
técnicas de um trabalho mais dedicado do que instituições
sem orientação espiritualista. Nesse sentido, observam-se
nesse caso os benefícios organizacionais que a aplicação
de terapias complementares pode gerar.
A segunda série de questões emerge do seguinte ponto:
tendo em vista os benefícios obtidos, como é possível
se desenvolver uma reflexão que gere um sistema de aplicação
dessas práticas para que outros pacientes sejam beneficiados.
Seria possível replicar esse experimento em uma instituição
laica? E mais, seria possível replicar esse experimento mediante
a aplicação da prática espiritual por meio
da formação de reuniões mediúnicas dirigidas
a pacientes com deficiência mental internos em outras instituições?
Outro ponto relevante quanto à
aplicação dessas práticas diz respeito à
duração. Como determinar o tempo necessário
e suficiente para consolidar as melhoras obtidas? As práticas
espirituais devem ser realizadas durante um período prolongado?
Se sim, qual a freqüência das aplicações
das práticas? No caso estudado, as reuniões mediúnicas
são realizadas semanalmente. Será que em aplicações
das práticas em outras instituições deverá
ser mantida essa mesma freqüência? Esses tópicos
não foram cobertos na presente pesquisa, mas, com certeza,
com a obtenção dos resultados positivos, será
necessário investigar essa freqüência. Outro ponto
a ser destacado refere-se ao fato de que a presente pesquisa colheu
os dados no intervalo de seis meses. Nesse sentido, é importante
enfatizar que os resultados obtidos se deram segundo práticas
que ocorreram em determinado período.
Observa-se que a humanidade em seu
desenvolvimento sempre buscou desenvolver tecnologias que expandissem
sua capacidade de comunicação. Há menos de
um século, a idéia de que seríamos capazes
de conversar, em tempo real, com pessoas dispersas no planeta era
uma ficção, algo muito improvável de se realizar.
Há vários anos, o pesquisador inglês Ascott
(1999) vem desenvolvendo pesquisas que inter-relacionam as experiências
psíquicas extracorpóreas do xamanismo com algo que
é cotidiano na presente era da cibercultura. Segundo ele,
ao se navegar no ciberespaço, experenciam-se diferentes possibilidades
de presença, percepção e comunicação.
Considerando essas premissas, será que a abertura de um novo
campo de pesquisa que possibilite outras formas de comunicação
para os deficientes mentais poderá trazer benefícios
na qualidade de vida desses indivíduos, aumentando sua auto-estima
e transformando sua atuação social?
Será que os resultados positivos
obtidos neste estudo não estão apontado para a questão
de Nancy Andreasen citada logo no início deste artigo? Como
pensar uma psiquiatria na qual o profissional possa interagir com
o corpo e a alma de seus pacientes? Será que os conceitos
com os quais se operam as reflexões são suficientes
para articular um pensamento investigativo? Será que a humanidade
está preparada para olhar para esses conceitos sem preconceitos?
A princípio, as investigações
foram conduzidas no sentido de verificar se os pacientes que se
comunicaram via reuniões mediúnicas apresentaram melhoras
significativas em sua evolução clínica e comportamental.
A população estudada é de portadores de retardo
do desenvolvimento mental. Assim, não se procurou verificar
possibilidades de cura dessa enfermidade, mas sim melhoras clínicas
de intercorrências pontuais e, principalmente, melhoras de
comportamento.
A análise dos resultados
obtidos no experimento confirmou a hipótese. Embora durante
vários anos tenha prevalecido uma visão na qual se
inter-relacionavam mediunidade e transtornos mentais, estudos recentes
não comprovam essa relação direta de causa
e efeito (Almeida e Lotufo Neto, 2003). Nesse sentido, é
bom que se retome a questão das práticas espirituais
que visam a melhora de males espirituais segundo uma perspectiva
que englobe o conceito de evolução como um processo
contínuo. Em inglês, há dois termos que, apesar
de terem significados semelhantes, guardam diferenças sutis.
Healing refere-se ao processo enquanto tratamento e, nesse sentido,
envolve o conceito de melhora; cure é mais empregado para
se referir a curas pontuais, estando muitas vezes associado ao conceito
de milagre. Talvez fosse interessante retomar a avaliação
dos resultados a partir desse paradigma de processo de cura (healing).
Conclusões
Os resultados obtidos na presente
pesquisa estimulam a produção de novos estudos. Entre
os possíveis desdobramentos que se pode sugerir há:
novas análises e novos experimentos; aplicação
do modelo de prática das comunicações mediúnicas
como terapias complementares; outros desenvolvimentos de métodos
de reconhecimento para supostos sujeitos comunicantes portadores
de deficiência mental; conceituação de benefícios
clínicos e comportamentais como indicativos provisórios
e inconstantes etc. A partir de uma perspectiva interdisciplinar,
é necessário que se reexamine os resultados em correlação
com os demais procedimentos terapêuticos, quer sejam de natureza
religiosa, quer não.
Esta pesquisa foi pioneira
ao investigar os possíveis efeitos clínicos e comportamentais
oriundos de práticas religiosas espíritas em portadores
de deficiência mental. Com certeza, muitas outras pesquisas
precisam ser desenvolvidas para que o fenômeno das relações
entre essas práticas religiosas e benefícios clínicos
e comportamentais seja compreendido em sua complexidade.