Sob este último título, lê-se na Presse
Littéraire de 15 de março de 1854, o artigo seguinte,
assinado por Émile Deschamps:
“Se o homem só acreditasse
no que compreende, não acreditaria em Deus, nem em si mesmo,
nem nos astros que rolam sobre sua cabeça, nem na erva que
cresce sob seus pés.
“Milagres, profecias, visões,
fantasmas, prognósticos, pressentimentos, coincidências
sobrenaturais, etc., que pensar de tudo isto? Os espíritos
fortes se saem com duas palavras: mentira ou acaso.
Nada de mais cômodo. As almas supersticiosas se saem bem,
ou não se saem. Prefiro mais estas almas que aqueles espíritos.
Com efeito, é preciso ter imaginação para que
ela seja doente, ao passo que basta ser eleitor e assinante de dois
ou três jornais industriais para saber muito sobre isso e
crer tão pouco quanto Voltaire. E depois, prefiro a loucura
à tolice, a superstição à incredulidade;
mas o que prefiro acima de tudo é a verdade, a luz, a razão;
busco-as com uma fé viva e um coração sincero;
examino todas as coisas e tomo o partido de não tomar partido
por coisa alguma.
“Vejamos. Que! O mundo material e visível está
cheio de impenetráveis mistérios, de fenômenos
inexplicáveis, e não se quereria que o mundo intelectual,
que a vida da alma, que já é um milagre,
também tivesse os seus milagres e os seus mistérios!
Por que tal bom pensamento, tal fervorosa prece, tal outro desejo
não teriam o poder de produzir ou atrair certos acontecimentos,
bênçãos ou catástrofes? Por que não
existiriam causas morais, como existem causas físicas, das
quais não nos damos conta? E por que os germes de todas
as coisas não seriam depostos e fecundados na terra
do coração e da alma, para desabrochar mais tarde,
sob a forma palpável de fatos? Ora, quando Deus, em raras
circunstâncias, e para alguns de seus filhos, se dignou levantar
a ponta do véu eterno e espalhar sobre sua fronte um raio
fugidio da chama da presciência, guardemo-nos de gritar que
é absurdo e assim blasfemar contra a luz e a própria
verdade.
“Eis uma reflexão que tenho feito muitas vezes: Foi
dado às aves e a certos animais prever e anunciar a tempestade,
as inundações, os terremotos. Diariamente os barômetros
nos dizem o tempo que fará amanhã; e o homem não
poderia, por um sonho, uma visão, um sinal qualquer da Providência,
ser advertido algumas vezes de algum acontecimento futuro que interessa
à sua alma, à sua vida, à sua eternidade? Não
tem pois também o Espírito a sua atmosfera, cujas
variações possa pressentir? Enfim, seja qual for a
miséria do maravilhoso neste século muito positivo,
haveria ainda encanto e utilidade em retirá-lo, se todos
aqueles que lhe refletem fracos clarões levassem a um foco
comum todos esse raios divergentes; se cada um, depois de haver
conscientemente interrogado suas recordações, redigisse
de boa-fé e depositasse nos arquivos uma ata circunstanciada
do que experimentou, do que lhe adveio de sobrenatural e de miraculoso.
Talvez um dia se encontrasse alguém que, analisando os sintomas
e os acontecimentos, chegasse a recompor, em parte, uma ciência
perdida. Em todo caso, ele comporia um livro que valeria muitos
outros.
“Quanto a mim, sou aparentemente o que se chama um sujeito,
porque tive de tudo isto em minha vida, aliás tão
obscura; e sou o primeiro a depositar aqui o meu tributo, persuadido
de que essa visão interior tem sempre uma espécie
de interesse. Por menor que seja o maravilhoso que vos dou, leitores,
isso passou-se em minha vida real. Desde quando aprendi a ler, tudo
o que acontece de sobrenatural eu registro no papel. São
memórias de um gênero singular.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
“Em fevereiro de 1846, eu viajava pela França. Chegando
a uma rica e grande cidade, fui passear na frente dos seus abundantes
e belos magazines. Começou a chover; abriguei-me numa elegante
galeria; de repente fiquei imóvel; meus olhos não
se podiam desviar da figura de uma jovem, sozinha atrás de
uma vitrina de joias. A moça era muito bela, mas não
era a sua beleza que me atraía. Não sei que interesse
misterioso, que laço inexplicável dominava e prendia
todo o meu ser. Era uma simpatia súbita e profunda, desligada
de qualquer mistura sensual, mas de uma força irresistível,
como o desconhecido em todas as coisas. Fui empurrado como uma máquina
para a loja, por um poder sobrenatural. Comprei alguns pequenos
objetos e paguei, dizendo:
“- Obrigado, senhorita Sara.
A jovem olhou-me com um ar um pouco surpreendido.
“- Admirai-vos, continuei, que um estranho saiba o vosso nome,
um dos vossos nomes; mas se quiserdes pensar atentamente em
todos os vossos nomes, eu os direi sem hesitar. Pensareis?
“- Sim, senhor, respondeu ela, meio risonha, meio trêmula.
“- Pois bem! continuei, olhando-a
fixamente no rosto, chamais-vos Sara, Adèle, Benjamine
N...
“- Está certo, replicou
ela, e depois de alguns segundos de estupor, começou a rir
francamente, e eu vi que ela pensava que eu tivesse tido
informações na vizinhança, o que me divertiu.
“Mas eu, que sabia bem que
disso não sabia uma palavra, fiquei chocado com essa adivinhação
instantânea.
“No outro dia, e nos seguintes, corri à bela loja.
Minha adivinhação se renovava a cada momento. Eu lhe
pedia que pensasse em algo, sem mo dizer e quase que imediatamente
lia em sua fronte esse pensamento não verbalizado. Eu lhe
pedia que escrevesse com um lápis, algumas palavras que me
ocultava e, depois de olhá-la um minuto, eu escrevia as mesmas
palavras, na mesma ordem. Eu lia no seu pensamento como num livro
aberto, e ela não lia no meu, eis a minha superioridade,
mas ela me impunha suas ideias e emoções. Se ela pensasse
seriamente num objeto; se ela repetisse intimamente as palavras
de um escrito, de súbito eu adivinhava tudo. O mistério
estava entre o seu cérebro e o meu, e não entre minhas
faculdades de intuição e as coisas materiais. Seja
como for, havia-se estabelecido entre nós uma relação
tanto mais íntima quanto mais pura.
“Uma noite escutei no ouvido uma voz forte que me gritava:
Sara está doente, muito doente! Corri à sua casa;
um médico a velava e esperava uma crise. Na véspera,
à noite, Sara tinha voltado com febre ardente; o delírio
tinha continuado durante toda a noite. O médico chamou-me
à parte e me disse que temia muito. Dessa peça eu
via em cheio o rosto de Sara, e com minha intuição
superando a própria inquietude, eu lhe disse baixinho: Doutor,
quer saber de que imagens está povoado o seu sono febril?
Neste momento ela se julga na grande Ópera de Paris, onde
jamais esteve, e uma dançarina corta, entre outras ervas,
uma planta de cicuta e lha atira dizendo: É para ti. O médico
julgou-me em delírio. Alguns minutos depois a doente despertou
pesadamente, e suas primeiras palavras foram: ‘Oh! Como a
Ópera é bonita! Mas, por que essa cicuta que me atira
aquela bela ninfa?’ O médico ficou estupefato. Foi
administrada a Sara uma poção em que entrava a cicuta
e ela ficou curada nalguns dias.”
Os exemplos de transmissão do pensamento são muito
frequentes, não talvez de maneira tão característica
quanto no fato acima, mas sob formas diversas. Quantos fenômenos
assim se passam diariamente aos nossos olhos, que são como
os fios condutores da vida espiritual, e aos quais, contudo, a Ciência
não se digna conceder a menor atenção! Certamente
os que os repelem não são todos materialistas; muitos
admitem uma vida espiritual, mas sem relação direta
com a vida orgânica. No dia em que essas relações
forem reconhecidas como lei fisiológica, ver-se-á
realizar-se um imenso progresso, porque só então a
Ciência terá a chave de uma porção de
efeitos aparentemente misteriosos, que prefere negar, por não
poder explicá-los à sua maneira e com os seus meios
limitados às leis da matéria bruta.
Ligação íntima entre a vida espiritual e a
vida orgânica durante a vida terrena; destruição
da vida orgânica e persistência da vida espiritual após
a morte; ação do fluido perispiritual sobre o organismo;
reação incessante do mundo invisível sobre
o mundo visível e reciprocamente, tal é a lei que
o Espiritismo vem demonstrar, e que abre à Ciência
e ao homem moral horizontes completamente novos.
Por que lei da fisiologia puramente
material poder-se-iam explicar os fenômenos do gênero
do acima referido? Para que o Sr. Deschamps pudesse ler tão
claramente no pensamento da moça, era preciso um intermediário
entre ambos, um elo qualquer. Medite-se bem o artigo precedente
e reconhecer-se-á que esse elo não passa da radiação
fluídica, que dá a visão espiritual, visão
que não é barrada pelos corpos materiais.
Sabe-se que os Espíritos
não necessitam da linguagem articulada. Eles se entendem
sem o recurso da palavra, pela só transmissão do pensamento,
que é a linguagem universal. Assim acontece por vezes entre
os homens, porque os homens são Espíritos encarnados
e, por essa razão, gozam, em maior ou menor grau, dos atributos
e faculdades do Espírito.
Mas, então, por que a moça
não lia o pensamento do Sr. Deschamps? Porque numa visão
espiritual era desenvolvida, no outro, não. Segue-se que
ele poderia tudo ver, ler nos espelhos espirituais, por exemplo,
ou ver à distância, à maneira dos sonâmbulos?
Não, porque sua faculdade podia ser desenvolvida apenas num
sentido especial e parcialmente. Poderia ele ler com a mesma facilidade
o pensamento de todo mundo? Ele não o diz, mas é provável
que não, porque podem existir relações fluídicas
que facilitem essa transmissão de indivíduo a indivíduo
e não existir do próprio indivíduo para uma
outra pessoa. Ainda não conhecemos senão imperfeitamente
as propriedades desse fluido universal, agente tão poderoso
e que desempenha tão importante papel nos fenômenos
da Natureza. Conhecemos o princípio, e já é
muito para nos darmos conta de muitas coisas; os detalhes virão
a seu tempo.
Comunicado o fato acima à Sociedade de Paris, um Espírito
deu a respeito a instrução seguinte:
(SOCIEDADE ESPÍRITA DE PARIS,
8 DE JULHO DE 1864 MÉDIUM: SR. A. DIDIER)
Os ignorantes - e os há muitos
- ficam cheios de dúvidas e de inquietude quando ouvem falar
de fenômenos espíritas. Segundo eles, a face do mundo
está derrubada, a intimidade do coração, dos
sentimentos, a virgindade do pensamento são lançadas
através do mundo e entregues à mercê do primeiro
que vier. Com efeito, o mundo estaria singularmente mudado, e a
vida privada não mais ficaria oculta por trás da personalidade
de cada um, se todos os homens pudessem ler no espírito uns
dos outros.
Um ignorante nos diz com muita ingenuidade: Mas a justiça,
as perseguições da polícia, as operações
comerciais, governamentais, poderiam ser consideravelmente revistas,
corrigidas, esclarecidas, etc., com o auxílio desses processos.
Os erros estão muito difundidos. A ignorância tem a
particularidade de esquecer completamente o objetivo das coisas
para lançar o espírito inculto numa série de
incoerências.
Jesus tinha razão de dizer:
“Meu reino não é deste mundo”, o que também
significava que neste mundo as coisas não se passam como
no seu reino. O Espiritismo, que em tudo e por tudo é o espiritualismo
do Cristianismo, pode igualmente dizer às ambiciosas e terroristas
ignorâncias, que o seu grande objetivo não é
de dar montanhas de ouro a um; de deixar a consciência de
um ser fraco à vontade de um ser forte e de reunir a força
e a fraqueza num duelo eternamente inevitável e iminente.
Não. Se o Espiritismo proporciona satisfações,
são as da calma, da esperança e da fé. Se às
vezes ele adverte por pressentimentos, ou pela visão adormecida
ou desperta, é que os Espíritos sabem perfeitamente
que um fato caritativo e particular não transtornará
a superfície do globo. Ademais, se observarmos a marcha dos
fenômenos, o mal aí tem uma parte mínima. A
ciência funesta parece relegada aos alfarrábios dos
velhos alquimistas, e se Cagliostro voltasse, certamente não
viria armado com a varinha mágica ou o frasco encantado,
mas com sua força elétrica, comunicativa, espiritualista
e sonambúlica, força que todo ser superior possui
em si mesmo, e que toca ao mesmo tempo o cérebro e o coração.
A adivinhação era
o maior dom de Jesus, como eu dizia ultimamente. (O Espírito
alude a outra comunicação). Destinados a nos tornarmos
superiores, como Espíritos, peçamos a Deus uma parte
das luzes que ele concedeu a certos seres privilegiados, que a mim
próprio concedeu, e que eu poderia ter espalhado mais santamente.
MESMER
OBSERVAÇÃO: Não
há uma só das faculdades concedidas ao homem da qual
ele não possa abusar, em virtude de seu livre arbítrio.
Não é a faculdade que é má em si mesma,
mas o uso que dela se faz. Se os homens fossem bons, nenhuma delas
seria temível, porque ninguém as usaria para o mal.
No estado de inferioridade em que ainda se acham os homens na Terra,
a penetração do pensamento, se fosse geral, sem dúvida
seria uma das mais perigosas, porque se tem muito a ocultar, e muitos
podem abusar. Mas, sejam quais forem os inconvenientes, se ela existe,
é um fato que deve ser aceito, de bom grado ou de mau grado,
pois não se pode suprimir um efeito natural. Mas Deus, que
é soberanamente bom, mede a extensão dessa faculdade
pela nossa fraqueza. Ele no-la mostra de vez em quando, para melhor
nos fazer compreender nossa essência espiritual, e nos advertir
a trabalhar a nossa depuração para não termos
que temê-la.