Allan
Kardec
> Procedimentos para afastar os maus Espíritos
Revista Espírita
Jornal de Estudos Psicológicos
publicada sob a direção de Allan Kardec
setembro de 1859
A intromissão dos Espíritos
enganadores nas comunicações escritas é uma das
maiores dificuldades do Espiritismo; sabe-se, por experiência,
que eles não têm nenhum escrúpulo em tomarem nomes
supostos, e mesmo nomes respeitáveis; há meios de afastá-los?
Aí está a questão. Certas pessoas empregam, para
esse fim, o que se poderia chamar de procedimentos, quer dizer, sejam
fórmulas particulares de evocação, sejam espécies
de exorcismos, como fazê-los jurarem em nome de Deus de que dizem
a verdade, fazê-los escrever certas coisas, etc. Conhecemos alguém
que, a cada frase, intimava o Espírito para assinar seu nome;
se fosse a verdade, ele escreveria o nome sem dificuldade; se fosse
o falso, ele se deteria logo, ou no meio, sem poder terminá-lo;
vimos essa pessoa receber as comunicações mais ridículas
de parte dos Espíritos que assinavam o nome de empréstimo
com uma firmeza perfeita. Outras pessoas pensam que o meio eficaz é
fazer confessar Jesus em carne, ou outras verdades da religião.
Pois bem! Declaramos nós que se alguns Espíritos, um pouco
mais escrupulosos, detém-se pela idéia de um perjúrio
ou de uma profanação, há os que juram tudo o que
se quer, que assinam todos os nomes, que se riem de tudo, e afrontam
a presença dos mais veneráveis sinais, de onde concluímos
que, entre o que se pode chamar de procedimentos, não há
nenhuma fórmula, nenhum expediente material que possa servir
de preservativo eficaz.
Nesse caso, dir-se-á, não há senão uma coisa
a fazer, que a de parar de escrever. Este meio não seria melhor;
longe disso, seria pior em muitos casos. Dissemos, e não poderíamos
repeti-lo muito, que a ação dos Espíritos sobre
nós é incessante, e não é menos real porque
é oculta. Se ela deve ser má, será mais perniciosa
ainda pelo fato de que o inimigo estará oculto; pelas comunicações
escritas, ele se revela, se desmascara, sabe-se com quem se tem relação,
e pode-se combatê-lo. - Mas se não há nenhum meio
de afastá-lo, que fazer então? Não dissemos que
não haja nenhum meio, mas somente que a maioria daqueles que
se empregam são impotentes; aí está o assunto que
nos propomos desenvolver.
Não se pode perder de vista que os Espíritos constituem
todo um mundo, toda uma população que preenche o espaço,
que circula aos nossos lados, e que se mistura a tudo aquilo que fazemos.
Se o véu que no-los oculta viesse a ser levantado, ve-los-íamos,
ao redor de nós, irem, virem, seguir-nos ou evitar-nos segundo
o grau de sua simpatia; uns indiferentes, verdadeiros vadios do mundo
oculto, os outros muito ocupados, seja consigo mesmos, seja com homens
aos quais se agarram, com um objetivo mais ou menos louvável,
segundo as qualidades que os distinguem. Veríamos, em uma palavra,
o duble do gênero humano com as suas boas e suas más qualidades,
suas virtudes e seus vícios. Essa companhia, da qual não
podemos escapar, porque não há lugar tão oculto
que seja inacessível aos Espíritos, exerce sobre nós
e com o nosso desconhecimento uma influência permanente; uns nos
conduzem ao bem, os outros ao mal, e nossas determinações,
muito freqüentemente, são o resultado de suas sugestões;
felizes somos quando temos bastante julgamento para discernir a boa
ou a má senda à qual procuram nos arrastar. Uma vez que
os Espíritos não são outra coisa senão os
próprios homens despojados de seu envoltório grosseiro,
senão as almas que sobrevivem ao corpo, disso resulta que há
Espíritos desde que haja seres humanos no Universo; é
uma das forças da Natureza, e não esperam que haja médiuns
escreventes para agirem, e a prova disso é que, em todos os tempos,
os homens cometeram inconseqüências; eis porque dizemos que
sua influência é independente da faculdade de escrever;
essa faculdade é um meio de conhecer essa influência, de
saber quem são aqueles que vagueiam ao nosso redor, que se agarram
a nós. Crer que se pode subtrair deles abstendo-se de escrever,
é fazer como as crianças que crêem escaparem de
um perigo tapando os olhos. A escrita, revelando-nos aqueles que temos
por acólitos, por amigos ou por inimigos, nos dá, por
isso mesmo, uma arma para combater esses últimos, e devemos agradecer
a Deus por isso; na falta da visão para conhecer os Espíritos,
temos as comunicações escritas; por elas eles revelam
o que são: é para nós um sentido que nos permite
julgá-los; repeli-lo é comprazer-se em permanecer cego,
e querer continuar exposto à mentira sem controle.
A intromissão dos maus Espíritos nas comunicações
escritas não é, pois, um perigo do Espiritismo, uma vez
que, se houver perigo, o perigo existe sem isso, porque é permanente;
eis do que não se poderia muito persuadir-se: é simplesmente
uma dificuldade, mas da qual é fácil triunfar tomando-a
convenientemente.
Pode-se primeiro colocar como princípio que os maus Espíritos
não vão senão lá onde alguma coisa os atraia;
portanto, quando se misturam às comunicações, é
porque encontram simpatias no meio onde se apresentam, ou pelo menos
lados fracos dos quais esperam se aproveitar; em todo o processo, é
que não encontram uma força moral suficiente para repeli-los.
Entre as causas que os atraem, é necessário colocar em
primeira linha as imperfeições morais de toda natureza,
porque o mal simpatiza sempre com o mal; em segundo lugar, a muito grande
confiança com a qual se acolhe suas palavras. Quando uma comunicação
acusa origem má, seria ilógico disso inferir uma paridade
necessária entre o Espírito e os evocadores; freqüentemente,
se vêem as pessoas mais honradas expostas aos embustes dos Espíritos
enganadores, como acontece no mundo, pessoas honestas enganadas por
velhacos; mas quando se está atento, os velhacos não têm
o que fazer; é o que acontece também com os Espíritos.
Quando uma pessoa honesta é enganada por eles, isso pode prender-se
a duas causas: a primeira é uma confiança muito absoluta
que a dissuade de todo exame; a segunda, que as melhores qualidades
não excluem certos lados fracos que dão presa aos maus
Espíritos, ansiosos em agarrar os menores defeitos da couraça.
Não falamos do orgulho e da ambição, que são
mais do que defeito, mas de uma certa fraqueza de caráter, e
sobretudo de preconceitos que esses Espíritos sabem explorar
habilmente lisonjeando-os, e, a esse respeito, tomam todas as máscaras
para inspirar mais confiança.
As comunicações francamente grosseiras são as menos
perigosas, porque não podem enganar a ninguém; as que
mais enganam, são aquelas que não têm senão
uma falsa aparência de sabedoria ou de seriedade, em uma palavra,
a dos Espíritos hipócritas e dos pseudo-sábios;
uns podem se enganar de boa fé, por ignorância ou por fatuidade,
os outros não agem senão por astúcia. Vejamos,
pois, o meio para desembaraçar-se deles.
A primeira coisa é de início não os atrair, e evitar
tudo o que possa lhes dar acesso.
As disposições morais são, como vimos, uma causa
preponderante; mas, abstração feita dessa causa, o modo
empregado não é sem influência. Há pessoas
que têm por princípio nunca fazerem evocações
e esperarem a primeira comunicação espontânea que
se apresente sob o lápis do médium; ora, querendo-se lembrar
do que dissemos sobre a multidão muito misturada dos Espíritos
que nos cercam, conceber-se-á, sem dificuldade, que é
colocar-se segundo a opinião do primeiro que venha, bom ou mau;
e como nessa multidão há mais maus do que bons, há
maior chance de haver os maus, absolutamente como se abrísseis
vossa porta a todos os que passam pela rua; ao passo que, pela evocação,
fazeis vossa escolha, e vos cercando de bons Espíritos, impondes
silêncio aos maus, que poderão muito bem, apesar disso,
procurar algumas vezes se introduzirem habilmente, - os bons mesmo o
permitirão para exercer a vossa sagacidade em reconhecê-los,
- mas eles não terão influência. As comunicações
espontâneas têm uma grande utilidade quando se está
certo da qualidade de sua companhia, então, freqüentemente,
deve-se felicitar pela iniciativa deixada aos Espíritos; o inconveniente
não está senão no sistema absoluto que consiste
em se abster do apelo direto e das perguntas.
Entre as causas que influem poderosamente na qualidade dos Espíritos
que freqüentam os círculos espíritas, não
se pode omitir a natureza das coisas das quais se ocupam. Aqueles que
se propõem um objetivo sério e útil atraem, por
isso mesmo, os Espíritos sérios; aqueles que não
têm em vista senão satisfazerem uma vã curiosidade
ou seus interesses pessoais, se expõem pelo menos às mistificações,
se não tiverem piores. Em resumo, podem-se tirar das comunicações
espíritas os mais sublimes ensinamentos, os mais úteis,
quando se sabe dirigi-las; a questão toda está em não
se deixar prender pela astúcia dos Espíritos zombeteiros
ou malevolentes; ora, para isso, o essencial é saber com quem
se lida. Escutemos, primeiro, a esse respeito, os conselhos que o Espírito
de São Luís deu, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas,
por intermédio do senhor R..., um de seus bons médiuns.
Esta é uma comunicação espontânea, que recebeu
um dia em sua casa, com a missão de transmiti-la.
"Qualquer que seja a confiança
legítima que vos inspirem os Espíritos que presidem
aos vossos trabalhos, é uma recomendação que
não poderíamos muito repetir, e que deveríeis
sempre ter presente no pensamento quando vos entregais aos estudos:
é de pesar e amadurecer, é submeter ao controle da razão
mais severa todas as comunicações que recebeis; de não
negligenciar, desde que uma resposta vos pareça duvidosa ou
obscura, em pedir os esclarecimentos necessários para vos fixar.
"Sabeis que a revelação existiu desde os tempos
mais remotos, mas foi sempre apropriada ao grau de adiantamento daqueles
que a recebiam. Hoje, não é caso mais de vos falar por
figuras e por parábolas: deveis receber os nossos ensinamentos
de um modo claro, preciso e sem ambigüidade. Mas seria muito
cômodo não ter senão que perguntar para ser esclarecido;
isso seria, aliás, sair das leis progressivas que presidem
ao adiantamento universal. Não estejais, pois, admirados se,
para vos deixar o mérito da escolha e do trabalho, e lambem
para vos punir por infrações que podeis cometer contra
os nossos conselhos, algumas vezes é permitido a certos Espíritos,
ignorantes mais do que mal intencionados, de responderem em qualquer
caso às vossas perguntas. Isso, em lugar de ser para vós
uma causa de desencorajamento, deve ser um poderoso estímulo
para procurar a verdade com ardor. Sede, pois, bem convencidos que,
seguindo essa rota, não podeis deixar de chegar a resultados
felizes. Sede unidos de coração e de intenção;
trabalhai todos, procurai, procurai sempre, e encontrareis."
Luís
A linguagem dos Espíritos sérios
e bons tem um cunho do qual é impossível se equivocar,
por pouco que se tenha de tato, de julgamento e do hábito da
observação. Os maus Espíritos, por qualquer véu
hipócrita que eles cobrem suas torpezas, não podem jamais
sustentar seu papel indefinidamente; eles mostram sempre seus verdadeiros
projetos por alguma cunha, de outro modo, se sua linguagem fosse sem
mácula eles seriam bons Espíritos. A linguagem dos Espíritos
é, portanto, o verdadeiro critério pelo qual podemos julgá-los;
sendo a linguagem a expressão do pensamento, tem sempre um reflexo
das qualidades boas ou más do indivíduo. Não é
sempre pela linguagem que nós julgamos os homens que não
conhecemos? Se recebeis vinte cartas de vinte pessoas que jamais vistes,
é lendo-as que estareis impressionados diversamente? É
que, pela qualidade do estilo, pela escolha das expressões, pela
natureza dos pensamentos, por certos detalhes mesmos de forma, não
reconheceis, naquilo que vos escreveu, um homem bem elevado de um homem
grosseiro, um sábio de um ignorante, um orgulhoso de um homem
modesto? Ocorre absolutamente o mesmo com os Espíritos. Suponde
que sejam homens que vos escrevem, e julgai-os do mesmo modo; julgai-os
severamente, os bons Espíritos não se ofendem de modo
algum com essa investigação escrupulosa, uma vez que são
eles mesmos que no-la recomendam como meio de controle. Sabemos que
podemos ser enganados, portanto, nosso primeiro sentimento deve ser
o de desconfiança; só os maus Espíritos que procuram
nos induzir ao erro podem temer o exame, porque estes, longe de provocá-lo,
querem ser acreditados sob palavra.
Desse princípio decorre, muito natural e muito logicamente, o
meio mais eficaz de afastar os maus Espíritos, e de se premunir
contra as suas velhacarias. O homem que não é escutado
pára de falar; o velhaco que sabe que se está a par do
que ele é, não faz tentativas inúteis. Do mesmo
modo os Espíritos enganadores abandonam a parte onde vêem
que nada têm a fazer, e onde não encontram senão
pessoas atentas que rejeitam tudo o que lhes pareça suspeito.
Resta-nos, para terminar, passar em revistas os principais caracteres
que nos revelam a origem das comunicações espíritas.
1. Os Espíritos superiores têm, como dissemos em muitas
circunstâncias, uma linguagem sempre digna, nobre, elevada, sem
mistura com qualquer trivialidade; eles dizem tudo com simplicidade
e modéstia, não se vangloriam nunca, não exibem
jamais seu saber nem sua posição entre os outros. A dos
Espíritos inferiores ou vulgares tem sempre algum reflexo das
paixões humanas; toda a expressão que exala a baixeza,
a suficiência, a arrogância, a fanfarrice, a acrimônia,
é um indício característico de inferioridade, ou
de fraude se o Espírito se apresenta sob um nome respeitável
e venerado.
2. Os bons Espíritos não dizem senão o que sabem;
eles se calam ou confessam sua ignorância sobre o que não
sabem. Os maus falam de tudo com segurança, sem se importarem
com a verdade. Toda heresia científica notória, todo princípio
que choca com a razão e o bom senso, mostra a fraude se o Espírito
se dá por um Espírito esclarecido.
3. A linguagem dos Espíritos elevados é sempre idêntica,
senão pela forma, ao menos pelo fundo. Os pensamentos são
os mesmos, quaisquer que sejam o tempo e o lugar; eles podem ser mais
ou menos desenvolvidos segundo as circunstâncias, as necessidades
e as facilidades de comunicar, mas não serão contraditórios.
Se duas comunicações levando o mesmo nome estão
em oposição uma com a outra, uma das duas, evidentemente,
é apócrifa, e a verdadeira será aquela onde NADA
desminta o caráter conhecido do personagem. Uma comunicação
que tenha em todos os pontos o caráter da sublimidade e da elevação,
sem nenhuma mácula, é que ela emana de um Espírito
elevado, qualquer que seja o seu nome; encerre ela uma mistura de bom
e de mau, será de um Espírito comum, se ele se der por
aquilo que é; de um patife se enfeitar-se com um nome que não
saiba justificar.
4. Os bons Espíritos nunca mandam; não se impõem:
eles aconselham, e, se não são escutados, se retiram.
Os maus são imperiosos: dão ordem, e querem ser obedecidos.
Todo Espírito que se impõe trai sua origem.
5. Os bons Espíritos não lisonjeiam; eles aprovam quando
se faz bem, mas sempre com reserva; os maus dão elogios exagerados,
estimulam o orgulho e vaidade pregando a humildade, e procuram exaltar
a importância pessoal daqueles que querem captar.
6. Os Espíritos superiores estão acima das puerilidades
das formas, em todas as coisas; para eles o pensamento é tudo,
a forma nada é. Só os Espíritos vulgares podem
ligar importância a certos detalhes incompatíveis com idéias
verdadeiramente elevadas. Toda prescrição meticulosa é
um sinal de inferioridade e fraude da parte de um Espírito que
toma o nome imponente.
7. É necessário desconfiar de nomes bizarros e ridículos
que tomam certos Espíritos que querem se impor à credulidade;
seria soberanamente absurdo tomar esses nomes a sério.
8. É necessário igualmente desconfiar daqueles que se
apresentam, muito facilmente, sob nomes extremamente venerados, e não
aceitar suas palavras senão com a maior reserva; é aí
sobretudo que um controle severo é indispensável, porque,
freqüentemente, trata-se de uma máscara que tomam para fazer
crer em pretensas relações íntimas com os Espíritos
fora de linha. Por esse meio eles agradam a vaidade, e dele se aproveitam
para induzir, freqüentemente, a diligências lamentáveis
ou ridículas.
9. Os bons Espíritos são muitos escrupulosos sobre os
meios que possam aconselhar; eles não têm jamais, em todos
os casos, senão um objetivo sério e eminentemente útil.
Deve-se, pois, olhar com suspeitas todos aqueles que não tenham
esse caráter e maduramente refletir antes de executá-los.
10. Os bons Espíritos não prescrevem senão o bem.
Toda máxima, todo conselho que não esteja estritamente
conforme a pura caridade evangélica não pode ser a obra
de bons Espíritos; ocorre o mesmo com toda insinuação
malévola tendente a excitar ou entreter sentimentos de ódio,
de ciúme ou de egoísmo.
11. Os bons Espíritos não aconselham jamais senão
coisas perfeitamente racionais; toda recomendação que
se afastasse da direita linha do bom senso e das leis imutáveis
da Natureza acusa um Espírito limitado e ainda sob a influência
de preconceitos terrestres, e, por conseguinte, pouco digno de confiança.
12. Os Espíritos maus, ou simplesmente imperfeitos, se trairiam
ainda por sinais materiais com os quais não poderia equivocar-se.
Sua ação sobre o médium, algumas vezes, é
violenta, e provoca em sua escrita movimentos bruscos e irregulares,
uma agitação febril e convulsiva, que contrasta com a
calma e a doçura dos bons Espíritos.
13. Um outro sinal de sua presença é a obsessão.
Os bons Espíritos não obsidiam jamais; os maus se impõem
em todos os instantes; é por isso que todo médium deve
desconfiar da necessidade irresistível de escrever que se apodera
dele nos momentos mais inoportunos. Esse não é nunca o
fato de um bom Espírito, e não deve a isso ceder.
14. Entre os Espíritos imperfeitos que se misturam às
comunicações, há os que se insinuam, por assim
dizer, furtivamente, como para fazer uma travessura, mas que se retiram
tão facilmente quanto vieram, e isso à primeira intimação;
outros, ao contrário, são tenazes, se obstinam junto de
um indivíduo, e não cedem senão com o constrangimento
e a persistência; apoderam-se dele, subjugam-no, fascinam-no a
ponto de fazê-lo tomar os mais grosseiros absurdos por coisas
admiráveis, felizes quando pessoas de sangue frio conseguem abrir-lhes
os olhos, o que não é sempre fácil, porque esses
Espíritos têm a arte de inspirar a desconfiança
e o distanciamento para quem possa desmascará-los; de onde se
segue que se deve ter por suspeito de inferioridade ou má intenção
todo Espírito que prescreva o isolamento, o distanciamento de
quem possa dar bons conselhos. O amor próprio vem em sua ajuda,
porque lhe custa, freqüentemente, confessar que foi vítima
de mistificação, e reconhecer um velhaco naquele sob cujo
patrocínio se glorificava por se colocar. Essa ação
do Espírito é independente da faculdade de escrever; na
falta da escrita, o Espírito malévolo tem cem meios de
agir e de enganar; a escrita é para ele um meio de persuasão,
e não uma causa; para o médium, é um meio de se
esclarecer.
Passando todas as comunicações espíritas pelo controle
das considerações precedentes, se lhes reconhecerá
facilmente a origem, e poder-se-á frustrar a malícia dos
Espíritos enganadores que não se dirigem senão
àqueles que se deixam benevolentemente enganar; se veem que se
ajoelha diante de suas palavras, disso aproveitam, como fariam simples
mortais; está, pois, em nós provar-lhes que perdem seu
tempo. Acrescentamos que, para isso, a prece é um poderoso recurso,
por ela chama-se a si a assistência de Deus e dos bons Espíritos,
aumenta-se a própria força; mas conhece-se o preceito:
Ajuda-te e o céu te ajudará; Deus quer muito nos assistir,
mas com a condição de que façamos, de nossa parte,
o que é necessário.
Ao preceito acrescentamos um exemplo. Um senhor, que eu não conhecia,
veio um dia me ver, e me disse que era médium; que recebia comunicações
de um Espírito muito elevado que o encarregara de vir junto a
mim fazer-me uma revelação a respeito de uma trama que,
segundo ele, se urdia contra mim, da parte de inimigos secretos que
ele designou. "Quereis, acrescentou, que eu escreva em vossa presença?
De bom grado, respondi; mas devo dizer-vos, desde logo, que esses inimigos
devem ser menos temidos do que credes. Eu sei que os tenho; quem não
os tem? E os mais obstinados, freqüentemente, são aqueles
a quem se fez mais bem. Tenho para mim a consciência de não
ter feito, voluntariamente, mal a ninguém; os que me fizerem
não poderão dizer-o mesmo, e Deus será o juiz entre
nós. Vejamos, todavia, o aviso que vosso Espírito quer
me dar." Sobre isso esse senhor escreveu o que se segue:
"Eu ordenei a C... (o nome do
senhor) que é o facho da luz dos bons Espíritos, e que
recebeu deles a missão de difundi-la entre seus irmãos,
de ir à casa de Allan Kardec, que deverá crer cegamente
no que lhe direi, porque estou em nome dos eleitos nomeados por Deus
para velar pela salvação dos homens, e que venho anunciar
a verdade....."
Eis o bastante, disse-lhe, não
tomeis o trabalho de prosseguir. Essa exortação basta
para me mostrar com qual Espírito estais relacionado; não
acrescentarei senão uma palavra, é que para um Espírito
que se quer fazer de espertalhão, ele é bem inábil.
Esse senhor pareceu bastante escandalizado com o pouco caso que fiz
de seu Espírito, que ele tivera a bondade de tomar por algum
arcanjo, ou pelo menos por algum santo da primeira ordem, vindo propositadamente
para ele.
"Mas, disse-lhe, esse Espírito
mostra suas intenções por algumas palavras que acaba
de escrever, e é preciso convir que ele sabe bem pouco esconder
seu jogo. De início, vos ordena: portanto, ele quer vos ter
sob sua dependência, o que é próprio de Espíritos
obsessores; ele vos chama o facho da luz dos bons Espíritos,
linguagem passavelmente enfática e ambígua, bem longe
da simplicidade que caracteriza a dos bons Espíritos, e por
aí lisonjeia o vosso orgulho, e exalta a vossa importância,
o que basta para torná-lo suspeito. Ele se coloca, sem cerimônia,
em nome dos eleitos nomeados por Deus: jactância indigna de
um Espírito verdadeiramente superior. Enfim, ele me disse que
devo crer-lhe cegamente; isso coroa a obra. Está bem aí
o estilo desses Espíritos mentirosos que querem que sejam acreditados
sob palavra, porque sabem que têm tudo a perder em um exame
sério. Com um pouco mais de perspicácia, ele saberia
que não me paga com belas palavras, e que se dirigiria mal
prescrevendo-lhe uma confiança cega.
De onde concluo que sois o joguete de um Espírito que vos mistifica
e abusa de vossa boa-fé. Eu vos convido a prestar séria
atenção nisso, porque se vós não vos guardais,
ele poderá vos pregar uma peça a seu modo."
Não sei se esse senhor aproveitou a advertência, porque
jamais o revi, assim como o seu Espírito. Eu não terminaria
se contasse todas as comunicações desse gênero que
me submetem, algumas vezes seriamente, como emanando dos maiores santos,
da Virgem Maria, e mesmo do Cristo, e era verdadeiramente curioso ver
as torpezas que se debitavam a esses nomes venerados; é preciso
ser cego para se equivocar com sua origem, então que, freqüentemente,
uma única palavra equívoca, um único pensamento
contraditório, bastam para fazer descobrir a fraude a quem quer
que se dê ao trabalho de refletir. Como exemplos notáveis
de apoio, convidamos os nossos leitores a terem a bondade de se reportarem
aos artigos publicados nos números da Revista Espírita
dos meses de julho e outubro de 1858.
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