Por que os Espíritos dos
grandes gênios que brilharam na Terra não produzem obras-primas
por via mediúnica, como fizeram em vida, considerando-se que
sua inteligência nada perdeu?
Esta pergunta é, ao mesmo tempo,
uma daquelas cuja solução interessa à ciência
espírita, como assunto de estudo, e uma objeção
oposta por certos negadores à realidade das manifestações.
“Essas obras superiores, dizem estes últimos, seriam
uma prova de identidade própria para convencer os mais recalcitrantes,
ao passo que os produtos mediúnicos assinados pelos mais ilustres
nomes quase não se elevam acima da vulgaridade. Até
agora não se cita nenhuma obra capital que possa aproximar-se
das dos grandes literatos e dos grandes artistas. “Quando eu
vir, acrescentam alguns, o Espírito de Homero dar uma nova
Ilíada, o de Virgílio uma nova Eneida,
o de Corneille um novo Cid, o de Beethoven uma nova sinfonia
em la ou um sábio, como Laplace, resolver um desses
problemas inutilmente procurados, como a quadratura do círculo,
por exemplo, então poderei crer na realidade dos Espíritos.
Mas como quereis que neles creia, quando vejo dar seriamente, sob
o nome de Racine, poesias que um aluno de quarto ano corrigiria; atribuir
a Béranger versos que não passam de finais mal rimados,
sem espírito e sem sal, ou emprestar a Voltaire e Chateaubriand
uma linguagem de cozinheira?”
Há nesta objeção um lado sério, é
o que contém a última parte, mas que não denota
menos a ignorância dos primeiros princípios do Espiritismo.
Se os que a fazem não julgassem antes de havê-lo estudado,
poupar-se-iam de uma tarefa inútil.
Como se sabe, a identidade dos Espíritos é uma das grandes
dificuldades do Espiritismo prático. Ela não pode ser
constatada de maneira positiva senão para os Espíritos
contemporâneos, cujo caráter e hábitos são
conhecidos. Então eles se revelam por uma porção
de particularidades, nos fatos e na linguagem, que não podem
deixar qualquer dúvida. São esses cuja identidade nos
interessa mais, pelos laços que a eles nos unem.
Muitas vezes um sinal, uma palavra é bastante para atestar
a sua presença, e essas particularidades são tanto mais
significativas quanto mais similitude há na série de
conversas familiares que se tem com os Espíritos. Além
disto, há que considerar que quanto mais os Espíritos
estiverem próximos de nós, pela época de sua
morte terrestre, menos estarão despojados do caráter,
dos hábitos e das ideias pessoais que no-los tornam conhecidos.
Já é diferente com os
Espíritos que, de certo modo, só são conhecidos
através da História. Para esses não existe qualquer
prova material de identidade; pode haver presunção,
mas não certeza absoluta da personalidade. Quanto mais afastados
de nós estiverem os Espíritos pela época em que
viveram, menor essa certeza, visto que suas ideias e seu caráter
podem ter-se modificado com o tempo. Em segundo lugar, os que atingiram
uma certa elevação formam famílias similares
pelo pensamento e pelo grau de adiantamento, cujos membros todos estão
longe de ser nossos conhecidos. Se um deles se manifestar, fá-lo-á
sob um nome nosso conhecido, como indício de sua categoria.
Se, por exemplo, Platão for evocado, pode ser que ele responda
ao apelo, mas se ele não puder, um Espírito da mesma
classe responderá por ele. Será o seu pensamento, mas
não a sua individualidade. Eis o de que importa bem compenetrar-se.
Aliás, os Espíritos
superiores vêm para nos instruir. Sua identidade absoluta é
questão secundária. O que eles dizem é bom ou
mau, racional ou ilógico, digno ou indigno da assinatura, eis
toda a questão. No primeiro caso, aceita-se; no segundo, rejeita-se
como apócrifa.
Aqui se apresenta o grande escolho
da intromissão dos Espíritos levianos ou ignorantes,
que se enfeitam com grandes nomes para fazerem aceitar suas tolices
e utopias. Nesse caso, a distinção exige tato, observação
e, quase sempre, conhecimentos especiais. Para julgar uma coisa é
preciso ter competência. Como aquele que não é
versado em literatura e poesia pode apreciar as qualidades e os defeitos
das comunicações desse gênero? A ignorância,
neste caso, por vezes leva a tomar como belezas sublimes a ênfase,
os floreios de linguagem, as palavras sonoras que escondem o vazio
das ideias; não pode identificar-se como o gênio particular
do escritor, para julgar o que pode e o que não pode ser dele.
Assim, muitas vezes veem-se médiuns que se orgulham de receber
versos com a assinatura de Racine, Voltaire ou Béranger não
sentirem dificuldade em considerá-los autênticos, por
mais detestáveis que sejam. Felizes ainda aqueles que não
se zangam com as pessoas que se permitem pô-los em dúvida.
Consideramos, pois, perfeitamente
justa a crítica que se opõe a semelhantes coisas, porque
ela está em concordância com nossa opinião. O
erro não está no Espiritismo, mas nos que aceitam mui
facilmente o que vem dos Espíritos. Se aqueles que transformam
isto em arma contra a doutrina a tivessem estudado, saberiam o que
ela admite e não lhe imputariam o que ela recusa, nem os exageros
de uma credulidade cega e irrefletida. O erro é ainda maior
quando se publicam, sob nomes conhecidos, coisas indignas da origem
que lhes é atribuída. É oferecer o flanco à
crítica fundada e prejudicar o Espiritismo. É necessário
que se saiba que o Espiritismo racional absolutamente não patrocina
essas produções, e não assume a responsabilidade
pelas publicações feitas com mais entusiasmo do que
prudência.
A incerteza quanto à identidade
dos Espíritos, em certos casos, e a frequência da intromissão
dos Espíritos levianos provam algo contra a realidade das manifestações?
De modo algum, porque o fato das manifestações é
tão bem provado pelos Espíritos inferiores quanto pelos
superiores. A abundância dos primeiros prova a inferioridade
moral do nosso globo, e a necessidade de trabalhar pela nossa melhora,
para dela sairmos o mais cedo possível.
Resta, agora, a questão principal:
Por que os Espíritos dos homens de gênio não produzem
obras-primas pela via mediúnica?
Antes de tudo, é preciso ver
a utilidade das coisas. Para que serviria isto? Dirão que para
convencer os incrédulos. Mas, quando os vemos resistirem à
mais palpável evidência, uma obra-prima não lhes
provaria melhor a existência dos Espíritos, porque eles
a atribuiriam, como todas as produções mediúnicas,
à superexcitação cerebral. Um Espírito
familiar, um pai, uma mãe, um filho, um amigo, que vêm
revelar circunstâncias desconhecidas do médium; que vêm
dizer essas palavras que vão ao coração, provam
muito mais que uma obra-prima, que poderia sair do próprio
cérebro. Um pai, cujo filho que chora vem atestar a sua presença
e a sua afeição, não fica mais convencido do
que se Homero viesse fazer uma nova Ilíada, ou Racine
uma nova Fedra? Por que, então, lhes pedir prodígios
de força que mais espantariam do que convenceriam, quando eles
se revelam por milhares de fatos íntimos ao alcance de todos?
Os Espíritos buscam convencer as massas, e não este
ou aquele indivíduo, porque a opinião das massas faz
lei, ao passo que os indivíduos são unidades perdidas
na multidão. Eis por que eles dão pouco valor aos obstinados
que querem levá-los à força. Eles sabem muito
bem que mais cedo ou mais tarde terão de curvar-se ante a força
da opinião. Os Espíritos não se submetem aos
caprichos de ninguém. Para convencer empregam os meios que
querem, conforme os indivíduos e as circunstâncias. Tanto
pior para os que não se contentam com isto; sua vez chegará
mais tarde. Eis por que também dizemos aos adeptos: Ligai-vos
aos homens de boafé, porque não falhareis, mas não
percais o vosso tempo com os cegos que não querem ver, e os
surdos que não querem ouvir. Agir assim é faltar à
caridade? Não, pois para estes será apenas um retardamento.
Enquanto perdeis tempo com eles, negligenciais dar consolações
a uma porção de gente necessitada e que aceitaria com
alegria o pão da vida que lhes oferecêsseis. Pensai,
ainda, que os refratários, que resistem às vossas palavras
e às provas que lhes dais, cederão um dia sob o ascendente
da opinião que se formará em volta deles. Seu amor-próprio
sofrerá menos com isto.
A questão das obras-primas
liga-se ainda ao princípio que rege as relações
dos encarnados com os desencarnados. Sua solução depende
do conhecimento deste princípio. Eis as respostas dadas a respeito
na Sociedade Espírita de Paris.
(6 de janeiro de 1865 – Médium Sr. d’Ambel)
Há médiuns que, por suas aquisições
anteriores, por seus estudos particulares, na existência que
hoje percorrem, tornaram-se mais aptos, senão mais úteis
que outros. Aqui a questão moral nada tem a ver: é uma
simples questão de capacidade intelectual. Mas não se
deve ignorar que a maior parte desses médiuns não são
pródigos e que se recebem da parte dos Espíritos comunicações
de uma ordem elevada, só a eles são proveitosas. Mais
de uma obra-prima da literatura e das artes é produto de uma
mediunidade inconsciente. Sem isto, de onde viria a inspiração?
Afirmai ousadamente que as comunicações recebidas por
Delphine de Girardin, Auguste Vaquerie e outros estavam à altura
do que se tinha o direito de esperar dos Espíritos que se comunicavam
por eles. Nessas ocasiões, infelizmente muito raras em Espiritismo,
as almas dos que queriam comunicar-se tinham à mão bons,
excelentes instrumentos, ou antes, médiuns cuja capacidade
cerebral fornecia todos os elementos de palavras e de pensamentos
necessários à manifestação dos Espíritos
inspiradores. Ora, na maior parte das circunstâncias em que
os Espíritos se comunicam, os grandes Espíritos, bem
entendido, estão longe de ter sob a mão os elementos
suficientes para a emissão de seu pensamento na forma, com
a fórmula que eles lhe teriam dado em vida. É isso um
motivo para não receber suas instruções? Certamente
não, porque se algumas vezes a forma deixa a desejar, o fundo
é sempre digno do signatário das comunicações.
Além disso, são querelas de palavras. Existe ou não
existe a comunicação? Tudo está nisto. Se existe,
que importa o Espírito e o nome que este toma! Se não
se acredita, importa ainda menos com ela se preocupar. Os Espíritos
tratam de convencer; quando não o conseguem, é um inconveniente
sem importância; é apenas porque o encarnado ainda não
está pronto para ser convencido. Contudo, estou bem à
vontade para afirmar aqui que em cem indivíduos de boa-fé
que experimentam por si mesmos ou por médiuns que lhes são
estranhos, mais de dois terços se tornam partidários
sinceros da Doutrina Espírita, porque nesses períodos
excepcionais, a ação dos Espíritos não
se circunscreve ao ato do médium apenas, mas se manifesta por
mil facetas materiais ou espirituais sobre o próprio evocador.
Em suma, nada é absoluto e sempre chegará
uma hora mais fecunda, mais produtiva que a hora precedente. Eis em
duas palavras minha resposta à pergunta feita por vosso presidente.
ERASTO
(20 de janeiro de 1865 – Médium
Srta. M. C.)
Perguntais por que os Espíritos
que na Terra brilharam pelo gênio, não dão aos
médiuns comunicações à altura de suas
produções terrenas, quando deveriam antes as dar superiores,
pois o tempo decorrido desde sua morte deve ter aumentado as suas
faculdades. Eis a razão:
Para se fazer ouvir, os Espíritos
devem agir sobre os instrumentos que estejam ao nível de sua
ressonância fluídica. Que pode fazer um bom músico
com um instrumento detestável? Nada. Então! Muitos,
senão a maioria dos médiuns, são para nós
instrumentos muito imperfeitos. Compreendei que em tudo é necessário
similitude, tanto nos fluidos espirituais quanto nos fluidos materiais.
Para que os Espíritos adiantados possam se vos manifestar,
necessitam de médiuns capazes de vibrar com eles em uníssono;
do mesmo modo, para as manifestações físicas,
é preciso que os encarnados possuam fluidos materiais da mesma
natureza que os dos Espíritos errantes, tendo ainda ação
sobre a matéria.
Assim, Galileu não poderá
manifestar-se realmente senão a um astrônomo capaz de
compreendê-lo e transmitir sem erro os seus dados astronômicos;
Alfred de Musset e outros poetas terão necessidade de um médium
amante e entendedor da poesia; Beethoven, Mozart procurarão
músicos dignos de poder transcrever seus pensamentos musicais;
os Espíritos instrutores que vos desvendam os segredos da
Natureza, segredos pouco conhecidos
ou ainda ignorados, precisam de médiuns que já compreendam
certos efeitos magnéticos e que tenham estudado bem a mediunidade.
Compreendei isto, meus amigos; refleti
que não encomendais uma roupa ao chapeleiro, nem vossas cabeleiras
a um alfaiate. Deveis compreender que necessitamos de bons intérpretes
e que alguns de nós, por não encontrar esses intérpretes,
se recusem à comunicação. Mas então o
lugar é ocupado. Não esqueçais que os Espíritos
levianos são um grande número, e que eles se aproveitam
das vossas faculdades com tanto mais facilidade quanto muitos dentre
vós, envaidecidos pelas assinaturas notáveis, pouco
preocupados em se informarem sobre a fonte verdadeira e confrontar
o que obtêm com o que deveriam ter obtido. Regra geral: quando
quiserdes um calculador, não vos dirijais a um dançarino.
UM ESPÍRITO PROTETOR
OBSERVAÇÃO: Esta comunicação
repousa num princípio verdadeiro, que resolve perfeitamente
a questão, do ponto de vista científico, mas que não
poderia ser tomado num sentido muito absoluto. À primeira vista,
o princípio parece contradizer os fatos tão numerosos
de médiuns que tratam de assuntos fora de seus conhecimentos
e pareceria implicar, para os Espíritos superiores, a possibilidade
de só se comunicarem com médiuns à sua altura.
Ora, isto só se deve entender quando se trata de trabalhos
especiais e de uma importância muito alta. Concebe-se que se
Galileu quiser tratar de uma questão científica; se
um grande poeta quiser ditar uma obra poética, tenham necessidade
de um instrumento que responda ao seu pensamento, mas isto não
quer dizer que para outras coisas, uma simples questão de moral,
por exemplo, um bom conselho a dar, não poderão fazê-lo
por um médium que não seja cientista nem poeta. Quando
um médium trata com facilidade e superioridade assuntos que
lhe são estranhos, é um indício de que o seu
Espírito possui um desenvolvimento inato e faculdades latentes,
fora da educação que recebeu.