Revista Espírita
- Jornal de estudos psicológicos
- 1865 - Junho
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Jamais uma doutrina filosófica
dos tempos modernos causou tanta emoção quanto o Espiritismo.
Jamais qualquer uma foi atacada com tanto encarniçamento.
É a prova evidente de que lhe reconhecem mais vitalidade
e raízes mais profundas que nas outras, pois não se
toma de uma picareta para arrancar um capinzinho. Longe de se apavorar,
os espíritas devem alegrar-se com isso, pois é prova
da importância e da verdade da doutrina. Se ela não
passasse de uma ideia efêmera e sem consistência, de
uma mosca que voa, não a atacariam com tamanha violência;
se fosse falsa, atacá-la-iam com argumentos sólidos
que já teriam triunfado sobre ela. Entretanto, como nenhum
dos argumentos que lhe opõem pôde detê-la, é
que ninguém encontrou falha na couraça. Contudo, não
faltaram nem boa vontade nem talento aos seus antagonistas.
Nesse vasto torneio de ideias, onde
o passado entra em liça com o futuro, e que tem por campo
fechado o mundo inteiro, o grande júri é a opinião
pública. Ela escuta o pró e o contra; ela julga o
valor dos meios de ataque e de defesa e se pronuncia a favor de
quem dá as melhores razões. Se um dos dois campeões
emprega armas desleais, é condenado por antecipação.
Ora, haverá armas mais desleais que a mentira, a calúnia
e a traição? Recorrer a semelhantes meios é
confessar-se vencido pela lógica, e a causa que
se reduz a tais expedientes é uma causa perdida; não
será um homem, nem serão alguns homens que pronunciarão
a sua sentença: será a Humanidade, que a força
das coisas e a consciência do bem arrastam para o que é
mais justo e mais racional.
Vede, na história do mundo, se uma só ideia grande
e verdadeira não triunfou sempre sobre qualquer coisa que
tenham feito para entravá-la. A esse respeito, o Espiritismo
nos apresenta um fato inaudito: é o da rapidez de propagação
sem paralelo. Essa rapidez é tal que seus próprios
adversários ficam aturdidos; assim, atacam com o cego furor
dos combatentes que perdem o sangue frio e se aferram às
suas próprias armas.
Entretanto, a luta está longe
de chegar ao fim. É preciso, ao contrário, esperar
que ela adquira maiores proporções e um outro caráter.
Seria demasiado prodigioso e incompatível com o estado atual
da Humanidade que uma doutrina que leva em si o germe de toda uma
renovação se estabelecesse pacificamente em alguns
anos. Ainda uma vez, não nos lamentemos. Quanto mais rude
for a luta, mais brilhante será o triunfo. Ninguém
duvida que o Espiritismo cresceu pela oposição que
lhe fizeram. Deixemos, pois, essa oposição esgotar
os seus recursos. Ele crescerá ainda mais quando ela tiver
revelado sua própria fraqueza aos olhos de todos. O campo
de combate do Cristianismo nascente era circunscrito; o do Espiritismo
se estende por toda a face da Terra. O Cristianismo não pôde
ser abafado sob ondas de sangue; ele cresceu por seus mártires,
como a liberdade dos povos, porque era uma verdade. O Espiritismo,
que é o Cristianismo apropriado ao desenvolvimento da inteligência
e livre dos abusos, crescerá do mesmo modo sob a perseguição,
porque também ele é uma verdade.
A força bruta é reconhecidamente impotente contra
a ideia espírita, mesmo nos países onde ela é
aplicada com toda a liberdade. Aí está a experiência
para atestá-lo. Comprimindo a ideia num ponto, fazem-na surgir
de todos os lados. Uma compressão geral produzirá
uma explosão. Contudo, nossos adversários não
renunciaram. Enquanto esperam, recorrem a outra tática, a
das manobras surdas.
Muitas vezes já tentaram,
e tentarão de novo, comprometer a doutrina, impelindo-a por
uma via perigosa ou ridícula para desacreditá-la.
Hoje, semeando de forma sub-reptícia a divisão e lançando
fachos de discórdia, eles esperam lançar a dúvida
e a incerteza nos espíritos, provocar o desânimo verdadeiro
ou simulado e fomentar a perturbação entre
os adeptos. Mas não são adversários confessos
que assim agiriam. O Espiritismo, cujos princípios têm
tantos pontos de semelhança com os do Cristianismo, também
deve ter os seus Judas, para que tenha a glória de sair vitorioso
dessa nova prova. Por vezes o dinheiro é o argumento que
substitui a lógica. Não se viu uma mulher confessar
ter recebido 50 francos para simular loucura depois de haver assistido
a uma única reunião espírita?
Assim, não é sem razão que, na Revista de março
de 1863, publicamos o artigo sobre os falsos irmãos.
O artigo não agradou a todo mundo, e mais de um queria que
víssemos mais claro e que abríssemos os olhos dos
outros, apertando-nos a mão em sinal de aprovação,
como se fôssemos a vítima. Mas que importa! Nosso dever
é premunir os espíritas sinceros contra as armadilhas
que lhes preparam.
Quanto àqueles que nos hostilizaram, para os quais esses
princípios, como vários outros, eram muito rigorosos,
é que sua simpatia era superficial e não do fundo
do coração, e nós não temos nenhuma
razão para a eles nos atermos. Temos que nos ocupar de coisas
mais importantes que a sua boa ou má vontade a nosso respeito.
O presente é fugidio e amanhã não existirá
mais. Para nós ele nada é. O futuro é tudo
e é para o futuro que trabalhamos. Sabemos que as simpatias
verdadeiras nos seguirão, e aquelas que estão à
mercê de um interesse material ilusório ou de um amor-próprio
não satisfeito, não merecem este nome.
Quem quer que ponha o seu ponto de vista fora da estreita esfera
do presente não mais é perturbado pelas mesquinhas
intrigas que se agitam ao seu redor. É o que nos esforçamos
por fazer, e é o que aconselhamos aos que querem ter a paz
da alma neste mundo. (O Evangelho segundo
o Espiritismo, Cap. II, item 15).
Como todas as ideias novas, a ideia espírita não podia
deixar de ser explorada por gente que não tendo tido êxito
em nada, por conduta errada ou por incapacidade, está em
busca do que é novo, na esperança de aí encontrar
uma mina mais produtiva e mais fácil. Se o sucesso não
corresponde à sua expectativa, eles não assumem a
responsabilidade, mas atribuem o insucesso à coisa, que declaram
má. Essas pessoas têm apenas o nome de espíritas.
Melhor do que qualquer outro, pudemos ver essa manobra, tendo sido
muitas vezes o alvo dessas explorações, com as quais
não quisemos compactuar, o que não nos valeu amigos.
Voltemos ao nosso assunto. O Espiritismo, repetimo-lo, ainda tem
que passar por rudes provas e é aí que Deus reconhecerá
seus verdadeiros servidores, por sua coragem, por sua firmeza e
por sua perseverança. Aqueles que se abalarem pelo medo ou
por uma decepção, são como esses soldados que
só têm coragem nos tempos de paz e fogem ao primeiro
tiro. A maior prova não será, entretanto, a perseguição,
mas o conflito das ideias que será suscitado e com cujo auxílio
esperam romper a falange dos adeptos e à admirável
unidade que se faz na doutrina.
Esse conflito, embora provocado com má intenção,
quer venha ele de homens, quer de maus Espíritos, é,
contudo, necessário e deve trazer uma perturbação
momentânea nalgumas consciências fracas, e mesmo que
cause uma perturbação momentânea em algumas,
terá como resultado definitivo a consolidação
da unidade. Em todas as coisas não se devem julgar pontos
isolados, mas ver o conjunto. É útil que todas as
ideias, mesmo as mais contraditórias e as mais excêntricas,
venham à luz; elas provocam o exame e o julgamento, e se
forem falsas, o bom-senso lhes fará justiça: elas
cairão forçosamente ante a prova decisiva do controle
universal, como já caíram tantas outras. Foi esse
grande critério que fez a unidade atual; será ele
que a concluirá, porque é o crivo que deve separar
o bom do mau grão, e a verdade será mais brilhante
quando sair do cadinho, livre de todas as escórias. O Espiritismo
ainda está em ebulição; deixemos pois a espuma
subir à tona e se derramar e ele apenas ficará mais
depurado. Deixemos aos adversários a alegria maligna e pueril
de soprar o fogo para provocar essa ebulição porque,
sem querer, eles apressam sua depuração e seu triunfo,
e eles próprios queimar-se-ão no fogo que acendem.
Deus quer que tudo seja útil à causa, mesmo aquilo
que é feito com a intenção de prejudicá-la.
Não esqueçamos que o Espiritismo não está
acabado. Ele ainda não fez senão plantar balizas,
mas, para avançar com segurança, deve fazê-lo
gradualmente, à medida que o terreno esteja preparado para
recebê-lo e bastante consolidado para nele pôr o pé
com segurança. Os impacientes, que não sabem esperar
o momento propício, comprometem a colheita, como comprometem
a sorte das batalhas.
Entre os impacientes há, sem dúvida, aqueles de muito
boa-fé; quereriam ver as coisas irem ainda mais depressa,
mas assemelham-se a essas criaturas que julgam adiantar o tempo
adiantando o relógio. Outros, não menos sinceros,
são levados pelo amor-próprio a chegar primeiro; semeiam
antes da estação e só colhem frutos abortados.
Ao lado desses, outros há, infelizmente, que empurram o carro
por trás, esperando vê-lo tombar.
Compreende-se que certos indivíduos que gostariam de ter
sido os primeiros, nos censurem por termos ido tão depressa;
que outros, por motivos contrários, nos censurem por avançarmos
devagar; mas o que é menos explicável é, por
vezes, ver essa dupla censura feita pelo mesmo indivíduo,
o que não é prova de muita lógica. Se formos
aguilhoados por andarmos pela direita ou pela esquerda, nem por
isso avançaremos menos, como temos feito até aqui,
na linha que nos é traçada, ao fim da qual está
o objetivo que queremos atingir. Iremos para a frente ou esperaremos;
apressar-nos-emos ou nos retardaremos conforme as circunstâncias,
e não segundo a opinião deste ou daquele.
O Espiritismo marcha a despeito de seus adversários numerosos
que não tendo podido tomá-lo pela força, tentam
tomá-lo pela astúcia; eles se insinuam por toda parte,
sob todas as máscaras e até nas reuniões íntimas,
na esperança de aí flagrar um fato ou uma palavra
que muitas vezes terão provocado e que esperam explorar em
seu proveito. Comprometer o Espiritismo e torná-lo ridículo,
tal é a tática com cujo auxílio esperam desacreditá-lo
a princípio, para mais tarde terem um pretexto para interditar,
se possível, o seu exercício público. É
a cilada contra a qual é preciso manter-se em guarda, porque
está armada por todos os lados, e à qual, sem querer,
dão a mão os que se deixam levar pelas sugestões
dos Espíritos enganadores e mistificadores.
O meio de evitar essas maquinações é seguir
o mais exatamente possível a linha de conduta traçada
pela doutrina; sua moral, que é a sua parte essencial, é
inatacável; praticando-a, não se dá ensejo
a nenhuma crítica fundada e a agressão se torna mais
odiosa. Apanhar os espíritas em falta e em contradição
com os seus princípios seria uma grande sorte para os seus
adversários; assim, vede como se empenham em acusar o Espiritismo
de todas as aberrações e de todas as excentricidades
pelas quais não podia ser responsável. A doutrina
não é ambígua em nenhuma de suas partes; ela
é clara, precisa, categórica nos mínimos detalhes;
só a ignorância e a má-fé podem enganar-se
sobre o que ela aprova ou condena. É, pois, um dever de todos
os espíritas sinceros e devotados repudiar e desautorizar
abertamente, em seu nome, os abusos de todo gênero que pudessem
comprometê-la, a fim de não lhes assumir a responsabilidade;
pactuar com os abusos seria tornar-se cúmplice e fornecer
armas aos nossos adversários.
Os períodos de transição são sempre
difíceis de passar. O Espiritismo está nesse período;
atravessá-lo-á com tanto menos dificuldade quanto
mais os seus adeptos forem prudentes. Estamos em guerra; aí
está o inimigo que espia, prestes a explorar o menor passo
em falso em seu proveito e prestes a fazê-lo meter o pé
na lama, se puder.
Contudo, não nos apressemos em atirar pedras ou em levantar
a suspeita muito levianamente, e em aparências que poderiam
ser enganosas. Aliás, a caridade torna a moderação
um dever, mesmo para com aqueles que estão contra nós.
Contudo, a sinceridade, mesmo em seus erros, tem atitudes de franqueza,
com as quais não é possível equívoco,
e que a falsidade jamais simulará completamente, porque mais
cedo ou mais tarde põe as unhas de fora. Deus e os bons Espíritos
permitem que ela se traia por seus próprios atos. Se uma
dúvida atravessa o espírito, deve ser apenas um motivo
para se manter em reserva, o que pode ser feito sem faltar às
conveniências.