Allan
Kardec
> O Materialismo e o Direito - Revista Espirita
Revista Espírita
Jornal de Estudos Psicológicos
publicada sob a direção de ALLAN KARDEC
Agosto de 1868
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O materialismo(*) ostentando como não
o fez em nenhuma outra época, colocando-se como regulador supremo
dos destinos morais da Humanidade, teve por efeito assustar as massas
pelas conseqüências inevitáveis de suas doutrinas
para a ordem social; por isto mesmo, provocou, em favor das idéias
espiritualistas, uma enérgica reação que deve lhe
provar que está longe de ter as simpatias tão gerais quanto
o supõe, e que estranhamente se ilude se espera um dia impor
suas leis ao mundo.
Seguramente, as crenças espiritualistas
dos tempos passados são insuficientes para este século;
elas não estão ao nível intelectual de nossa geração;
estão, em muitos pontos, em contradição com os
dados certos da ciência; elas deixam no espírito um vago
incompatível com a necessidade do positivo que domina na sociedade
moderna; têm, além disto, o imenso erro de se impor pela
fé cega e proscrever o livre exame; daí, sem nenhuma dúvida,
o desenvolvimento da incredulidade na maioria; é bem evidente
que se seus homens não fossem alimentados, desde sua infância,
senão de idéias de natureza a serem confirmadas mais tarde
pela razão, não haveria incrédulos. Quantas pessoas
levadas à crença do Espiritismo nos disseram: Se nos tivessem
sempre nos apresentado Deus, a alma e a vida futura de maneira racional,
jamais teríamos duvidado!
Do fato de que um princípio recebe
má ou falsa aplicação, segue-se que se deve rejeitá-lo?
Ocorre nas coisas espirituais como na legislação de todas
as instituições sociais: é preciso apropriá-las
aos tempos, sob pena de sucumbir. Mas em lugar de apresentar alguma
coisa melhor do que o velho espiritualismo clássico, o materialismo
preferiu tudo suprimir, o que o dispensava de procurar, e parecia mais
cômodo àqueles a quem a idéia de Deus e do futura
importuna. O que se pensaria de um médico que, achando que o
regime de um convalescente não é bastante substancial
para o seu temperamento, lhe prescrevesse não comer absolutamente
nada?
O que se admira de encontrar na maioria
dos materialistas da escola moderna é o espírito de intolerância
levado aos seus últimos limites, eles que reivindicam, sem cessar,
o direito de liberdade de consciência. Seus próprios correligionários
políticos não encontram graça diante deles, desde
que fazem profissão de espiritualismo, testemunha o Sr. Jules
Favre a propósito de seu discurso na Academia (Figaro,
de 8 de maio de 1868); o Sr. Camille Flammarion, injuriosamente zombado
e denegrido, num outro jornal cujo nome esquecemos, porque ousou provar
Deus pela ciência. Segundo o autor desse panfleto, não
se pode ser sábio senão com a condição de
não crer em Deus; Chateaubriand não é senão
um mesquinho escritor e um caduco. Se os homens de tão incontestável
mérito são tratados com tão pouco comedimento,
os Espíritas não devem se lamentar de serem um pouco zombados
com respeitos às suas crenças.
Há, neste momento, da parte de
um certo partido, um levante geral contra as idéias espiritualistas
em geral, nas quais o Espiritismo se encontra naturalmente englobado.
O que ele procura não é um Deus maior e mais justo, é
o Deus-matéria, menos incômodo, porque não há
contas para lhe prestar. Ninguém contesta, a esse partido, o
direito de ter a sua opinião, de discutir as opiniões
contrárias, mas o que não se poderia lhe conceder, é
a pretensão, ao menos singular para os homens que se colocam
como apóstolos da liberdade, de impedir os outros de crerem à
sua maneira e de discutirem as doutrinas que partilham. Intolerância
por intolerância, uma não vale mais do que a outra.
Um dos melhores protestos que
lemos contra as tendências materialistas foi publicado no jornal
o Droit, sob o título de: O materialismo e o direito.
A questão ali está tratada com uma notável profundeza
e uma perfeita lógica do duplo ponto de vista da ordem social
e da jurisprudência. A causa do espiritualismo sendo a do Espiritismo,
aplaudimos a tão enérgica defesa da primeira, quando mesmo
ali se faz abstração da segunda; é porque pensamos
que os leitores da Revista nela verão com prazer a reprodução
desse artigo.
(Extrato do jornal lê
Droit, de 14 de maio de 1868).
A geração presente
atravessa uma crise intelectual com a qual não há
que se inquietar excessivamente, mas da qual seria imprudência
deixar o desfecho ao acaso. Desde que a Humanidade pensa, acreditou-se
na alma, princípio imaterial, distinto dos órgãos
que o servem; foi feita mesmo imortal. Acreditava-se numa Providência,
criadora e senhora dos seres e das coisas, no bem, no justo, na
liberdade do arbítrio humano, em uma vida futura que, para
valer mais do que o mundo em que estamos, não tem necessidade,
como disse o poeta, senão de existir. Modernos doutores,
que começam a se tornar barulhentos, mudaram tudo isso. O
homem foi conduzido por eles à dignidade do animal, e o animai
reduzido a um agregado material. A matéria e as propriedades
da matéria, tais seriam os únicos objetos possíveis
da ciência humana; o pensamento não seria senão
um produto do órgão que lhe é sede, e o homem,
quando as moléculas orgânicas que constituem a sua
pessoa se desagregam e retornam aos elementos, pereceria inteiramente.
Se as doutrinas materialistas devessem ter
jamais a sua hora de triunfo, os jurisconsultos filósofos,
é preciso dize-lo em sua honra, seriam os primeiros vencidos.
Que teriam a fazer assuas regras e as suas leis no mundo onde a
lei da matéria fosse toda a lei? As ações humanas
não podem ser senão fatos automáticos, se o
homem é todo matéria. Mas, então, onde está
a liberdade? E se a liberdade não existe, onde estará
a lei moral? Com qual título uma autoridade qualquer poderia
pretender dominar a expansão fatal de uma força toda
física, e necessariamente legítima desde que ela é
fatal? O materialismo arruína a lei moral, e com a lei moral
o direito, a ordem civil inteiramente, quer dizer, as condições
de existência da Humanidade. De tais consequências imediatas,
inevitáveis, valem seguramente a pena que com elas sonhem.
Vejamos, pois, como se reproduz essa velha doutrina materialista,
que não se viu despontar, até o presente, senão
nos piores dias.
Quase sempre houve materialistas, teóricos ou práticos,
seja pelo desvio do sentido comum, seja para justificar hábitos
inferiores de viver. A primeira razão de ser do materialismo
está na enfermidade da inteligência humana. Cícero
disse, em termos muito crus, que não há qualquer tolo
que não tenha encontrado algum filósofo para defendê-lo:
Nihil tam absurde dici potest quod nondicatur ab aliquo philosophorum.
A segunda razão de ser está nos maus pendores do coração
humano. O materialismo prático, que se reduz a algumas vergonhosas
máximas, sempre apareceu nas épocas de decomposição
moral ou social, como as da Regência e do Diretório.
O mais freqüentemente, quando houve pretensões mais
altas, o materialismo filosófico foi uma reação
contra as exigências exageradas das doutrinas ultra-espiritualistas
ou religiosas. Mas, em nossos dias, ele se produz com caráter
novo; chama-se científico. A história natural seria
toda a ciência do homem; nada existiria daquilo que ela não
tem por objeto, e, como ela não tem por objeto o espírito,
o espírito não existe.
Para quem quer nisto pensar, o materialismo é bem, com efeito,
um perigo, não da ciência verdadeira, mas da ciência
incompleta e presunçosa; é uma planta má que
cresce sobre nosso solo. De onde vêm as tendências materialistas,
mais ou menos reveladas por tantos sábios? De sua constante
ocupação em estudar e manipular a matéria?
Pode ser um pouco. Mas elas vêm, sobretudo, de seus hábitos
de espírito, da prática exclusiva de seu método
experimental. O método científico pode se reduzir
a estes termos: Não recolher senão fatos, induzir
muito prudentemente a lei desses fatos, banir absolutamente todas
as procuras das causas. Não se admirará, depois disto,
que inteligências de visão curta, débeis nalgum
lugar, deformadas, como nos tornamos todos pelo mesmo trabalho intelectual
ou físico muito contínuo, desconhecendo a existência
dos fatos morais aos quais não convém a aplicação
de seu instrumento lógico, e, por uma transmissão
insensível, passam da ignorância metódica à
negação.
No entanto, se esse método exclusivamente experimental pode
se achar em falta, é bem no estudo do homem, ser duplo, espírito
e matéria, cujo próprio organismo não pode
ser senão o produto e o instrumento da força oculta,
mas essencialmente una, que o anima. Não se vê no organismo
humano senão um agregado material! Por que cindir o homem
e não querer metodicamente considerar nele um princípio,
se nele há dois? Pode-se gabar pelo menos de assim explicar
todos os fenômenos da vida? O materialismo fisiológico,
que prepara o materialismo filosófico, mas que não
o conduz necessariamente, está tocado de impossibilidade
em cada passo. A vida, o que quer que se diga, é um movimento,
o movimento da alma informando o corpo; e a alma é assim
o motor que move e transporta, por uma ação desconhecida
e inconsciente, os elementos dos corpos vivos. Em conduzindo sistematicamente
o estudo do homem físico às condições
do estudo dos corpos desorganizados; não vendo nas forças
vivas de cada parte do organismo senão as propriedades da
matéria; em localizando essas forças em cada uma dessas
partes; em não considerando a vida senão como uma
manifestação física, um resultado, então
que ela é talvez um princípio; em descartando a unidade
do princípio da vida como uma hipótese, quando isto
pode ser uma realidade, sem dúvida cai-se no materialismo
fisiológico, para depois escorregar rapidamente no materialismo
filosófico; mas conclui-se sobre um recenseamento e um exame
incompleto dos fatos; acreditou-se não caminhar senão
apoiado na observação, e se afastou o fato capital
que domina e determina todos os fatos particulares.
O materialismo da nova escola não é, pois, um resultado
demonstrado do estudo; é uma opinião preconcebida.
O fisiologista não admite o espírito; mas o que de
admirar? é uma causa, e ele se põe no estudo com um
método que lhe proíbe precisamente a procura das causas.
Nós não queremos submeter a causado espiritualismo
a uma questão de fisiologia controvertida e sobre a qual
poder-se-ia nos recusar o bom direito. O sentido íntimo me
revela a existência da alma com uma bem outra autoridade.
Quando o materialismo fisiológico for tão verdadeiro
quanto é discutível, as nossas convicções
espiritualistas não ficariam menos inteiras. Por força
do testemunho do senso íntimo, confirmado pelo assentimento
de mil gerações que se sucederam sobre a Terra, repetiríamos
o velho adágio: "A verdade não destrói
a verdade," e esperaríamos o tempo que a conciliação
se faça. Que peso não se sente aliviar quando se vê
que, por negar a alma e dar essa declaração como um
resultado da ciência, o sábio, de sua própria
confissão, partiu metodicamente desta idéia de que
a alma não existe!
Lemos muitos livros de fisiologia, em geral muito mal escritos;
o que nos tocou foi o vício constante dos raciocínios
do fisiologista organicista, quando ele sai de seu assunto para
se fazer filósofo. Vê-se-o, frequentemente, tomar um
efeito por uma causa, uma faculdade por uma substância, um
atributo por um ser, confundir as existências e as forças,
etc., e raciocinar em conseqüência. Acreditar-se-ia numa
aposta. Algumas vezes transpõe incríveis distâncias
sem suspeitar do caminho que faz. Que espírito exato e limpo,
por exemplo, nunca pôde compreender este pensamento tão
conhecido de Cabanis e de Broussais que "o cérebro produz,
segrega o pensamento?" De outras vezes, o homem positivo, o
homem da ciência, o homem da observação e dos
fatos, nos dirá seriamente que o cérebro "armazena
as idéias." Ainda um pouco, ele os desenhará.
É isto metáfora ou aranzel?
Não se pedirá jamais à ciência natural
para tomar partido pró ou contra a alma humana; mas que não
se resolva ela ignorar o que não é objeto de suas
investigações? Com qual direito ousa ela jurar que
não há nada depois dela, depois de se ter feito uma
lei de não ver? Que ela não guarde um pouco desta
reserva que nos convém a todos, sobre- tudo àqueles
que têm a pretensão de não avançar senão
com certeza? A que título o anatomista tomará sobre
ele declarar que a alma não existe, porque não a pode
encontrar sob o seu escalpelo? Pelo menos começou ele a demonstrar
rigorosamente, cientifica- mente, por experiências e fatos,
segundo o método que ele preconiza, que seu escalpelo pode
atingir tudo, mesmo um princípio imaterial?
Qualquer que o seja em todas essas questões, o materialismo
se dizendo científico, sem valer mais por isto, se expõe
à luz, e nos é preciso ver o que seria o direito materialista.
Ai! o estado social materialista nos ofereceria um muito triste
e vergonhoso espetáculo. Há uma coisa de início
certa, é que, se o homem não existe senão por
seu organismo, essa massa material e automática que será
doravante todo o homem, provido de um encéfalo para segregar
as idéias, será irresponsável por todos os
movimentos que produzirá (1). (1) Como o fígado é
irresponsável pela bile que secreta.
Com ela não seria preciso senão que o encéfalo
de uma outra massa material ache e segregar as idéias de
justiça ou de injustiça; porque essas idéias
de justiça ou de injustiça não são aplicáveis
senão a uma força livre, existindo por si mesma, capaz
de querer e de se abster. Não se traz à razão
a torrente ou a avalanche.
Portanto a liberdade, quer dizer, a vontade de agir ou de não
agir, não existiria neste mundo, e o direito mais. Nesse
estado, todas as forças terão um pleno e absoluto
poder de expansão. Tudo será legítimo, lícito,
permitido, dizemos mesmo ordenado; porque é claro que todo
fato que não seja o ato de uma vontade livre, que não
se produza como um ato moralmente obrigatório ou moralmente
proibido, é um fato obrigatório, que pode bem vir-se
chocar com um fato contrário do mesmo caráter, mas
que cai, como todos os fatos físicos, sob o império
inelutável das leis naturais.
Basta expor tais leis para disto fazer justiça. Foi o sistema
de Spinoza, que muito resolutamente colocou o princípio do
direito da força. Os fortes, diz Spinoza, são feitos
para dominar os fracos ao mesmo título que os peixes para
nadar, e os maiores para comer os menores. No sistema materialista,
o que se chamaria o direito não poderia ser um princípio
diferente. Mas que homem dotado de censo ousaria reconhecer um tal
sistema, que lhe bastaria tão-somente para a refutação
do materialismo, uma vez que dele decorre necessariamente? No entanto,
se quer que esse princípio da força se ache de fato
limitado por si mesmo? Nada se ganhará, ou pouca coisa, com
esse flagrante desmentido do princípio. Admitamos, querendo-se,
que a substância pensante (continuamos a falar a língua
dos materialistas) concorde nos indivíduos para regularizar
essa expansão da força, a que ela chegará?
No máximo a um conjunto de regras que terá por base
o interesse, e, ainda, como não há outras leis senão
as leis da matéria, essa legislação não
terá nenhum caráter obrigatório; cada um poderá
infringi-la se sua matéria pensante o aconselha e se sua
força o permita. Assim, nessa singular doutrina, não
se teria mesmo um estado social construído sobre o plano
da triste sociedade de Hobbes.
Não falamos ainda senão das condições
primeiras de todo estado social. Mas em toda sociedade civilizada,
consagra-se a propriedade individual; contrata-se, vende-se, louva-se,
associa-se, etc. O casamento funda a família; toda uma nova
ordem de relações dele nasce. Pela educação
do lar e pela educação pública, as tradições
se perpetuam. Assim se forma um espírito nacional e se desenvolve
a civilização. Nossa sociedade materialista terá
ela seu direito civil? Impossível supô-lo; porque o
direito civil, em seu conjunto, tem por princípio a justiça,
e a justiça não pode ser senão uma palavra,
ou uma contradição numa doutrina que não conhece
senão a matéria e as propriedades da matéria.
Chega-se assim, inevitavelmente, a concluir (a menos de desarrazoar
a propósito) que o estado civil da sociedade materialista
é o estado de bestial idade.
Não dizemos nada de mais avançando que o materialismo
é destrutivo, não de tal moral, mas de toda moral;
não de tal estado civil, mas de todo estado civil, de toda
sociedade. É preciso recuar com ele além das regiões
da barbárie, além da selvageria. Deve-s por
isto prescrevê-lo? Não apraz a Deus. Assim reconhecido
o seu caráter, não pediríamos, no entanto,
que seu ensino fosse interditado, nós o defenderíamos
se necessário contra toda compressão pela força,
tendo em vista que o professor não fala senão em seu
próprio nome. A liberdade nos é tão cara (os
leitores deste jornal o sabem); ela leva consigo tais benefícios;
temos uma tal confiança no bom sentido público, que
não conceberíamos nenhuma inquietação
em ver tudo claro, toda tribuna aberta a toda idéia.
Mas a questão não se apresentaria mais nos mesmos
termos se ocorresse que o professor falasse numa cátedra
do Estado, retribuída pelo orçamento. Errado ou com
razão o Estado ensina; pode ensinar doutrinas cujas consequências
mais próximas são destrutivas do Estado? Estará
à discrição de todo professor fazer o Estado
endossar todas as doutrinas que ele poderia conceber? A questão
não é uma. Os professores do Estado são funcionários
públicos; se o ensino não pode ser e não o
é senão um ensino oficial. O estado é a garantia
daquilo que eles dizem; responde por eles diante da juventude
e das famílias. Se com as grandes palavras da independência
do professorado se recusasse o seu controle, far-se-ia opressor
do Estado, pela mais hipócrita das opressões, porque
colocaria à sua conta as doutrinas que ele desaprova.
Sem dúvida, a autoridade superior deve aos seus professores,
freqüentemente embranquecidos pelo estudo, consideração,
comedimento, uma grande confiança, como aos seus generais,
aos seus administradores e aos seus magistrados; mas ela não
lhes deve o sacrifício do mandato, que é sempre presumido
ter do país. O professor não é mais independente
do Estado do que o general que tomasse o comando de uma insurreição.
H. THIERCELIN.
* * *
* * *
Revista Espírita
Jornal de Estudos Psicológicos
publicada sob a direção de ALLAN KARDEC
Agosto de 1868
(*) PESQUISA SOBRE MATERIALISMO
MATERIALISMO: sistema dos que pensam que tudo é
matéria no homem e que, assim, nada sobrevive nele após
a destruição do corpo. Parece-nos inútil refutar
esse ponto de vista, que, além do mais, é opinião
pessoal de certos indivíduos e em parte alguma foi erigida em
doutrina (1). Se pode demonstrar a existência a existência
de alma pelo raciocínio, as manifestações espíritas
dela oferecem as provas mais patentes; através dessas manifestações
assistimos de mil maneiras diferentes a todas as peripécias da
vida de além-túmulo. O materialismo, que se baseia apenas
na negação, não pode fazer face à evidência
dos fatos; eis porque a doutrina espírita tantas vezes triunfa
sobre aqueles mesmos que mais resistiram a outros argumentos. Sua vulgarização
é o meio mais poderoso para extirpar esta chaga das sociedades
civilizadas.
Allan Kardec in Instruções
Práticas Sobre as Manifestações Espíritas
(VOCABULÁRIO)
(1) Kardec escrevia em 1858.
Em 1917 acontecia a revolução russa. Se entendermos
“doutrina” por “conjunto de princípios
que servem de base a um sistema religioso, político ou filosófico”
poderemos, hoje em dia, admitir o “materialismo” como
erigido em doutrina nos países da área soviética.
Cumpre lembrar entretanto, que o “materialismo histórico”
é antes uma concepção econômica da História,
segundo a qual o modo de produção da vida material
condiciona o processo da vida social, política e intelectual
em geral. A este respeito é bom recordar que mesmo para alguns
exegetas do marxicismo, o “materialismo” de Marx já
é muito discutível. (Nota da Editora)
* * *
Um livre pensador
– Tendes proclamado, a toda hora, a liberdade de pensamento
e de consciência, e declarado que toda crença sincera
é respeitável. O materialismo é uma crença
como qualquer outra; por que não gozaria ele da liberdade que
concedeis a todas as outras?
Allan Kardec – Cada um é, seguramente,
livre para crer no que lhe agrada, ou para não crer em nada,
e não desculparíamos mais uma perseguição
contra aquele que crê no nada depois da morte, que contra um
cismático de uma religião qualquer. Combatendo o materialismo,
nós atacamos, não os indivíduos, mas uma doutrina
que, se é inofensiva para a sociedade quando se encerra no
foro íntimo da consciência de pessoas esclarecidas, é
uma calamidade social, se ela se generaliza.
A crença de que tudo termina para o homem depois da morte,
que toda solidariedade cessa com a vida, o conduz a considerar o sacrifício
do bem-estar presente em proveito de outro como uma intrujice; daí
a máxima: cada um por si durante a vida, uma vez que nada há
além dela. A caridade, a fraternidade, a moral, em uma palavra,
não têm nenhuma base, nenhuma razão de ser. Por
que se mortificar, se reprimir, se privar hoje quando, amanhã
talvez, não existiremos mais? A negação
do futuro, a simples dúvida sobre a vida futura, são
os maiores estimulantes do egoísmo, fonte da maioria dos males
da Humanidade. É preciso uma virtude bem grande para
se deter sobre a inclinação do vício e do crime,
sem outro freio além da força da vontade. O respeito
humano pode conter o homem do mundo, mas não aquele para o
qual o temor da opinião pública é nulo.
A crença na vida futura, mostrando a perpetuidade das relações
entre os homens, estabelece entre eles uma solidariedade que não
termina no túmulo; ela muda, assim, o curso das idéias.
Se essa crença fosse apenas um espantalho, seria temporária;
mas como sua realidade é um fato adquirido pela experiência,
ela está no dever de a propagar e de combater a crença
contrária, no interesse mesmo da ordem social. É isso
o que faz o Espiritismo, e com sucesso, porque dá
as provas, e porque, em definitivo, o homem prefere
ter a certeza de viver feliz em um mundo melhor, como compensação
às misérias deste mundo, do que crer estar morto para
sempre. O pensamento de se ver aniquilado para sempre, de
crer os filhos e os seres que nos são caros, perdidos sem retorno,
sorri a um bem pequeno número, crede-me; por isso os ataques
dirigidos contra o Espiritismo em nome da incredulidade têm
tão pouco sucesso, e não o abalaram um instante.
Allan Kardec in O QUE É O
ESPIRITISMO (Terceiro diálogo - O Padre)
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