Fonte original:
Obras Póstumas – Allan Kardec
Fonte: Blog "Nas Brumas da Mente" - http://nasbrumasdamente.blogspot.com.br/2013/06/liberdade-igualdade-e-fraternidade.html?spref=fb
Liberdade, igualdade e fraternidade,
três palavras que são por si sós o programa de uma
ordem social, que realizaria o mais absoluto progresso da humanidade,
se os princípios que representam pudessem receber inteira aplicação.
Vejamos os obstáculos que, no estado atual da sociedade, lhes
podem ser apresentados e procuraremos os meios de removê-los.
A fraternidade, na rigorosa acepção da palavra, resume
todos os deveres do homem para com os semelhantes. Significa: devotamento,
abnegação, tolerância, benevolência, indulgência;
é a caridade evangélica por excelência e a aplicação
da máxima "fazer aos outros o que queremos que os outros
nos façam". O oposto constitui a norma do egoísmo.
A fraternidade proclama: um por todos e todos por um; o egoísmo
perora: cada um para si. Estes dois princípios, sendo a negação
um do outro, tanto impedem ao egoísta de ser fraterno como ao
avarento de ser generoso e um homem medíocre de chegar às
culminâncias de um grande homem. Ora, sendo o egoísmo social,
enquanto ele dominar, será impossível a verdadeira fraternidade,
querendo a cada um para proveito próprio ou quando muito em proveito
de outrem, uma vez que nada perca com isso.
Atenta a sua importância para a realização da felicidade
social, a fraternidade está na primeira linha: é a base;
sem ela seriam impossíveis a liberdade e a igualdade reais. A
igualdade decorre da fraternidade e a liberdade do conjunto das duas.
Suponhamos uma sociedade de homens assás desinteressados, benévolos
e prestativos, para viverem fraternalmente. Entre eles não haverá
privilégios e direitos excepcionais, o que destruiria a fraternidade.
Tratar alguém de irmão é tratar de igual para igual,
é querer para ele o mesmo que para si. Em um povo de irmãos,
a igualdade será a conseqüência dos seus sentimentos,
da sua maneira de proceder, e se estabelecerá pela força
das coisas.
Qual é, porém, o inimigo da igualdade? O orgulho, que
trabalha por ser o primeiro e por dominar; que vive de privilégios
e de exceções e que aproveitará a primeira ocasião
para destruir a igualdade social, nunca por ele bafejada. Ora, sendo
o orgulho uma das chagas sociais, é evidente que nenhuma sociedade
terá a igualdade sem arrasar primeiro esta barreira.
A liberdade, já o dissemos, é filha da igualdade e da
fraternidade. Falamos da liberdade legal, e não da natural, que
é um direito imprescritível de toda a criatura humana,
até do selvagem.
Os homens, vivendo como irmãos, com direitos iguais, animados
do sentimento de recíproca benevolência, praticarão
entre si a justiça, não causarão danos e, portanto,
nada recearão uns dos outros. A liberdade será inofensiva,
porque ninguém abusará, em prejuízo do seu semelhante.
Como conseguir que o egoísmo, tudo desejando para si, e o orgulho,
que quer tudo dominar, dêem as mãos à liberdade,
que os destrona? Nunca o farão, porque a liberdade não
tem mais encarniçados inimigos, assim como a igualdade e a fraternidade.
A liberdade pressupõe confiança mútua, mas este
sentimento é impossível entre homens, que só têm
em vista a sua personalidade e não podendo satisfazer à
sua ambição à custa de outrem, vivem em guarda
uns contra os outros, sempre receosos de perder o que chamam o seu direito
e têm o predomínio como condição da existência;
e por isto levantarão barreiras à liberdade e a sufocarão
tão depressa encontrem propício ensejo.
Os três princípios são, como já dissemos,
solidários entre si e apoiam-se mutuamente. Sem a co-existência
deles, o edifício social fica incompleto. A fraternidade, praticada
em sua pureza, requer a liberdade e a igualdade, sem as quais não
será perfeita. Sem a fraternidade, a liberdade soltará
a rédea às más paixões, que correrão
sem freio. Com a fraternidade, o homem saberá regular o livre-arbítrio,
estará sempre na ordem. Sem ela, usará do livre-arbítrio,
sem escrúpulos; serão a licença e a anarquia. É
por isso que as mais livres nações são forçadas
a por limites à liberdade. A igualdade, sem fraternidade, conduz
aos mesmos resultados, porque a igualdade requer liberdade. Sob o pretexto
da igualdade, o pequeno abate o grande, para tomar-lhe o lugar, e torna-se
tirano por sua vez. Não há senão um deslocamento
de despotismo.
Do exposto resulta que deve permanecer na escravidão o povo que
não possui ainda o verdadeiro sentimento de fraternidade? Que
não têm capacidade para as instituições fundadas
sobre os princípios de igualdade e de liberdade? Pensar assim
é mais o que cometer um erro, é cometer um absurdo. Nunca
se espera que a criança chegue a todo o seu desenvolvimento orgânico
para ensiná-la a andar.
Quem é, as mais vezes, o guia ou o tutor dos povos? São
homens de idéias grandiosas e generosas dominados pelo amor do
progresso, que aproveitam a submissão dos seus inferiores, para
neles desenvolver o senso moral e elevá-los pouco a pouco à
condição de homens livres? Não; são, quase
sempre homens ciosos do seu poder, a cuja ambição outros
servem de instrumentos mais inteligentes do que os animais e que por
isso, em lugar de emancipá-los, os conservam, quando podem, sob
o jugo e na ignorância. Esta ordem de coisas, entretanto, muda
por si mesma, sob a irresistível influência do progresso.
A reação é,
não raro, violenta e tanto mais terrível quando o sentimento
de fraternidade, imprudentemente sufocado, não interpõe
o seu poder moderador. A luta é travada entre os que querem arrebatar
e os que querem guardar; daí um conflito que se prolonga, às
vezes, por séculos. Um equilíbrio fictício por
fim se estabelece. As condições melhoram, mas os fundamentos
de ordem social não estão firmes, a terra treme debaixo
dos pés; porque ainda não é o tempo do reinado
da liberdade e da igualdade sob a égide da fraternidade, visto
como o orgulho e o egoísmo ainda contrastam com os esforços
dos homens de bem.
Vós todos, que sonhais com esta idade de ouro para a humanidade,
trabalhai principalmente na construção dos alicerces do
edifício; antes de lhes terdes coroado o fastígio, dai-lhe
por pedra angular a fraternidade em sua mais pura acepção;
mas é preciso saber que, para isto, não basta decretar
e inscrever a palavra numa bandeira; é mister que haja o sentimento
no fundo dos corações e não seja ele trocado por
disposições legislativas. Assim como para fazer frutificar
um campo é preciso remover as pedras e arrancar a erva, urge
trabalhar sem descanso para remover e arrancar o orgulho e o egoísmo,
porque são eles a fonte de todo o mal, o obstáculo real
ao reino das coisas boas.
Destruí nas leis, nas instituições, nas religiões,
na educação, os mais imperceptíveis vestígios
dos tempos da barbaria e dos privilégios, bem como todas as causas,
que entretem e desenvolvem esses eternos obstáculos ao verdadeiro
progresso, vícios que são ingeridos, por assim dizer,
como o leite, e aspirados por todos os poros na atmosfera social.
Só então os homens compreenderão,
os deveres e benefícios da fraternidade, só então
se firmarão por si mesmos, sem abalos e sem perigos, os princípios
complementares da liberdade e da igualdade. E é possível
a destruição do orgulho e do egoísmo? Respondemos
alta e formalmente: SIM, porque, do contrário, fixar-se-á
um marco eterno ao progresso da humanidade. Que o homem avulta sempre
em inteligência, é fato incontestável. Terá
chegado ao ponto culminante da sua caminhada por esse caminho? Quem
ousaria sustentar tão absurda tese? Progride em moralidade? Para
responder a esta pergunta, basta comparar as épocas de um mesmo
país. Por que razão alcançará o limite de
progresso moral antes que o do intelectual? A sua aspiração
para uma ordem superior é o indício da possibilidade
de ali chegar. Aos homens do progresso pertence ativar esse movimento
pelo estudo e aplicação dos meios mais eficazes.
topo