Muitas comunicações nos foram enviadas por
diferentes grupos, já pedindo conselho e julgamento de suas
tendências, já, como umas poucas, na esperança
de publicação na Revista. Todas nos foram
mandadas com a faculdade de dispormos das mesmas como melhor entendêssemos
para o bem da causa. Fizemos o seu exame e classificação,
e não fiquem admirados da impossibilidade de publicá-las
todas, quando souberem que além das já publicadas,
há mais de três mil e seiscentas que, por si sós,
teriam absorvido cinco anos completos da Revista,
sem contar um certo número de manuscritos mais ou menos volumosos
dos quais falaremos adiante. A súmula desse exame nos fornecerá
tema para algumas reflexões, que cada um poderá aproveitar.
Entre elas encontramos algumas notoriamente más, no fundo
e na forma, evidente produto de Espíritos ignorantes, obsessores
ou mistificadores e que juram pelos nomes mais ou menos pomposos
com que as assinam. Publicá-las teria sido dar armas à
crítica. Uma circunstância digna de nota é que
a quase totalidade das comunicações dessa categoria
emana de indivíduos isolados e não de grupos. Só
a fascinação poderia levá-los a ser tomados
a sério, e impedir se visse o lado ridículo. Como
se sabe, o isolamento favorece a fascinação, ao passo
que as reuniões encontram controle na pluralidade de opiniões.
Reconhecemos, contudo, com prazer, que as comunicações
dessa natureza formam, na massa, uma pequena minoria. A maioria
das outras encerra bons pensamentos e excelentes conselhos, mas
não se negue que todas sejam boas para publicação,
pelos motivos que vamos expor.
Os bons Espíritos ensinam mais ou menos a mesma coisa por
toda parte, porque em toda parte há os mesmos vícios
a reformar e as mesmas virtudes a pregar, e aí está
um dos caracteres distintivos do Espiritismo, pois geralmente a
diferença está apenas na maior ou menor correção
e elegância de estilo.
Para apreciar as comunicações com vistas à
publicidade, não se pode analisálas de seu ponto de
vista, mas do ponto de vista público. Compreendemos a satisfação
que se experimenta ao obter algo de bom, sobretudo quando se começa,
mas além de que certas pessoas podem ter ilusões relativamente
ao mérito intrínseco, não se pensa que há
centenas de outros lugares onde se obtêm coisas semelhantes,
e o que é de poderoso interesse individual pode ser banalidade
para a massa.
Além disto, é preciso considerar que de algum tempo
para cá as comunicações adquiriram, sob todos
os aspectos, proporções e qualidades que deixam muito
para trás as que eram obtidas há alguns anos. Aquilo
que então era admirado, parece pálido e mesquinho
ao lado do que se obtém hoje. Na maioria dos centros realmente
sérios, o ensino dos Espíritos cresceu com a compreensão
do Espiritismo. Considerando-se que por toda parte são recebidas
instruções mais ou menos idênticas, sua publicação
poderá interessar apenas sob a condição de
apresentar qualidades especiais, tanto na forma quanto no alcance
instrutivo. Seria, pois, ilusão crer que toda mensagem deve
encontrar leitores numerosos e entusiastas. Outrora, a menor conversa
espírita era novidade e atraía a atenção.
Hoje, que os espíritas e os médiuns são incontáveis,
o que era uma raridade é um fato quase banal e habitual,
e que foi distanciado pela amplidão e pelo alcance das comunicações
atuais, assim como os deveres escolares o são pelo trabalho
do adulto.
Temos sob nossas vistas a coleção de um jornal publicado
no princípio das manifestações, sob o título
de La Table Parlante, título característico
da época. Dizse que o jornal tinha de 1.500 a 1.800 assinantes,
cifra enorme para aquela época. Ele continha uma porção
de pequenas conversas familiares e fatos mediúnicos que então
tinham o enorme atrativo da curiosidade. Aí procuramos inutilmente
algo para reproduzir em nossa Revista. Tudo quanto tivéssemos
escolhido, hoje seria pueril, sem interesse. Se esse jornal não
tivesse desaparecido, por circunstâncias que não vêm
ao caso, só poderia ter vivido com a condição
de acompanhar o progresso da Ciência, e se reaparecesse agora
nas mesmas condições, não teria cinquenta assinantes.
Os espíritas são imensamente mais numerosos do que
então, é verdade, mas são mais esclarecidos,
e querem ensinamentos mais substanciais.
Se as comunicações emanassem de um único centro,
sem dúvida os leitores multiplicar-se-iam em razão
do número de adeptos, mas não se deve perder de vista
que os focos que as produzem se contam por milhares, e que por toda
parte onde são obtidas coisas superiores, não pode
haver interesse pelo que é fraco e medíocre.
O que dizemos não é para desencorajar de fazer publicações.
Longe disso. Mas para mostrar a necessidade de escolha rigorosa,
condição sine qua non do sucesso. Elevando
os seus ensinamentos, os Espíritos no-los tornaram mais difíceis
e mesmo exigentes. As publicações locais podem ter
uma imensa utilidade, sob um duplo aspecto, o de espalhar nas massas
o ensino dado na intimidade, depois o de mostrar a concordância
que existe nesse ensino sobre diversos pontos. Aplaudiremos isto
sempre, e os encorajaremos todas as vezes que elas forem feitas
em boas condições.
Para começar, convém descartar tudo quanto, sendo
de interesse privado, só interessa a quem isso diz respeito,
e depois, tudo quanto é vulgar no estilo e nas ideias, ou
pueril pelo assunto.
Uma coisa pode ser excelente em si mesma e muito boa para servir
de instrução pessoal, mas o que deve ser entregue
ao público exige condições especiais. Infelizmente
o homem é inclinado a supor que tudo o que lhe agrada deve
agradar aos outros. O mais hábil pode enganar-se. O essencial
é enganar-se o menos possível. Há Espíritos
que se comprazem em alimentar essa ilusão em certos médiuns,
por isso nunca seria demais recomendar a eles que não confiem
em seu próprio julgamento. É nisto que os grupos são
úteis, pela multiplicidade de opiniões que podem ser
colhidas. Aquele que, neste caso, recusasse a opinião da
maioria, julgando-se mais esclarecido que todos, provaria sobejamente
a má influência sob a qual se acha.
Aplicando estes princípios de ecletismo às comunicações
que nos enviaram, diremos que em 3.600, há mais de 3.000
que são de uma moralidade irreprochável, e excelentes
como fundo, mas que desse número não há 300
para publicidade, e apenas cem de um mérito inconteste. Considerando-se
que essas comunicações vieram de muitos pontos diferentes,
inferimos que a proporção deve ser mais ou menos geral.
Por aí pode-se julgar da necessidade de não publicar
inconsideradamente tudo quanto vem dos Espíritos, se quisermos
atingir o objetivo a que nos propomos, tanto do ponto de vista material
quanto do efeito moral e da opinião que os indiferentes possam
fazer do Espiritismo.
Resta-nos dizer algumas palavras sobre os manuscritos ou trabalhos
de fôlego que nos mandaram, entre os quais, de trinta, encontramos
cinco ou seis de real valor.
No mundo invisível, como na Terra, não faltam escritores,
mas os bons são raros. Tal Espírito é apto
a ditar uma boa comunicação isolada; a dar excelente
conselho particular, mas é incapaz de um trabalho de conjunto
completo, que suporte um exame, sejam quais forem suas pretensões.
Por outro lado, o nome com o qual ele se compraz em disfarçar-se,
não é uma garantia. Quanto mais alto o nome, mais
obriga. Ora, é mais fácil tomar um nome do que justificá-lo.
Eis por que, ao lado de alguns bons pensamentos, encontram-se, por
vezes, ideias excêntricas e os traços menos equívocos
da mais profunda ignorância. É nestas espécies
de trabalhos mediúnicos que temos notado mais sinais de obsessão,
dos quais um dos mais frequentes é a injunção
da parte do Espírito de fazê-los imprimir, e mais de
um pensa equivocadamente que tal recomendação basta
para encontrar um editor interessado no negócio.
É sobretudo em semelhante caso que um exame escrupuloso se
torna necessário, se não nos quisermos expor a aprender
às nossas custas. Além do mais, é o melhor
meio de afastar os Espíritos presunçosos e pseudossábios,
que invariavelmente se retiram, quando não encontram instrumentos
dóceis a quem façam aceitar suas palavras como artigos
de fé. A intromissão desses Espíritos nas comunicações
é - e isto é um fato conhecido - o maior escolho do
Espiritismo. Todas as precauções são poucas
para evitar as publicações lamentáveis. Em
tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse
da causa.
Em resumo, publicando comunicações dignas de interesse,
faz-se uma coisa útil. Publicando as que são fracas,
insignificantes ou más, faz-se mais mal do que bem.
Uma consideração não menos importante é
a da oportunidade. Umas há cuja publicação
é intempestiva, e por isso prejudicial. Cada coisa deve vir
a seu tempo. Várias delas que nos são dirigidas estão
neste caso e, posto que muito boas, devem ser adiadas. Quanto às
outras, acharão seu lugar conforme as circunstâncias
e o seu objetivo.