(Sociedade Espírita de Paris. Médium,
senhorita A. C.)
I - Limites da reencarnação.
A reencarnação
é necessária enquanto a matéria domina o Espírito;
mas do momento em que o Espírito encarnado chegou a dominar
a matéria e anular os efeitos de sua reação sobre
o moral, a reencarnação não tem mais nenhuma
utilidade nem razão de ser. Com efeito, o corpo é necessário
ao Espírito para o trabalho progressivo até que, tendo
chegado a manejar esse instrumento à sua maneira, a lhe imprimir
a sua vontade, o trabalho está realizado. É-lhe preciso,
então, um outro campo para a sua caminhada, para o seu adiantamento
no infinito; lhe é preciso um outro círculo de estudos
onde a matéria grosseira das esferas inferiores seja desconhecida.
Tendo sobre a Terra, ou em globos análogos, depurado e experimentado
suas sensações, está maduro para a vida espiritual
e seus estudos. Tendo se elevado acima de todas as sensações
corpóreas, não tem mais nenhum desses desejos ou necessidades
inerentes à corporeidade: ele é Espírito e vive
pelas sensações espirituais que são infinitamente
mais deliciosas do que as mais agradáveis sensações
corpóreas.
II - A reencarnação
e as aspirações do homem.
As aspirações
da alma ocasionam a sua realização, e esta realização
se cumpre na reencarnação enquanto o Espírito
está no trabalho material; eu me explico. Tomemos o Espírito
em seu início na carreira humana; estúpido e bruto,
sente, no entanto, a centelha divina nele, uma vez que adora um Deus,
que ele materializa segundo a sua materialidade. Nesse ser, ainda
vizinho do animal, há uma aspiração instintiva,
quase inconsciente, rumo a um estado menos inferior. Começa
por desejar satisfazer seus apetites materiais, e inveja aqueles que
vê num estado melhor do que o seu; também, numa encarnação
seguinte, ele mesmo escolhe, ou antes, é arrastado a um corpo
mais aperfeiçoado; e sempre, em cada uma de suas existências,
deseja uma melhoria material; não se achando jamais feliz,
quer sempre subir, porque a aspiração à felicidade
é a grande alavanca do progresso.
À medida que suas sensações corpóreas
se tornam maiores, mais refinadas, suas sensações espirituais
despertam e crescem também. Então o trabalho moral começa,
e a depuração da alma se une à aspiração
do corpo para chegar ao estado superior.
Esse estado de igualdade das aspirações materiais e
espirituais não é de longa duração; logo
o Espírito se eleva acima da matéria, e suas sensações
não podem ser satisfeitas por ela; é-lhe preciso mais;
lhe é preciso o melhor; mas aí o corpo, tendo sido levado
à sua perfeição sensitiva, não pode seguir
o Espírito, que então o domina e dele se desliga cada
vez mais, como um instrumento inútil. Volta todos os seus desejos,
todas as suas aspirações, para um estado superior; sente
que as necessidades corpóreas, que lhe eram um objeto de felicidade
em suas satisfações, não são mais do que
uma tortura, um rebaixamento, do que uma triste necessidade da qual
aspira se libertar para gozar, sem entraves, de todas as felicidades
espirituais que ele pressente.
III - Ação
dos fluidos na reencarnação.
Sendo os fluidos os agentes que colocam
em movimento o nosso aparelho corpóreo, são eles também
que são os elementos de nossas aspirações, porque
há fluidos corpóreos e fluidos espirituais, que todos
tendem a se elevarem e se unirem aos fluidos da mesma natureza. Esses
fluidos compõem o corpo espiritual do Espírito que,
no estado encarnado, age por eles sobre a máquina humana que
está encarregado de aperfeiçoar, porque tudo é
trabalho na criação, tudo concorre para o adiantamento
geral.
O Espírito tem seu livre arbítrio, e procura sempre
o que lhe é agradável e o satisfaz. Se é um Espírito
inferior e material, procura suas satisfações na materialidade,
e então dará um impulso aos seus fluidos corpóreos
que dominarão, mas tenderão sempre a crescer e a se
elevar materialmente; portanto, as aspirações desse
encarnado são materiais, e, retornado ao estado de Espírito,
procurará uma nova encarnação onde satisfará
as suas necessidades e seus desejos materiais; porque, notai bem,
a aspiração corpórea não pode pedir, como
realização, senão uma nova corporeidade, ao passo
que a aspiração espiritual não se prende senão
às sensações do Espírito. Ela será
solicitada por seus fluidos que deixou se materializarem; e como no
ato da reencarnação os fluidos agem para atrair o Espírito
ao corpo que foi formado, houve, pois, atração e união
dos fluidos, a reencarnação se opera em condições
que darão satisfação às aspirações
de sua existência precedente.
Ocorre o mesmo com os fluidos espirituais com os fluidos materiais,
se são eles que dominam; mas então, quando o espiritual
se sobrepôs sobre o material, o Espírito, que julga diferentemente,
escolhe ou é atraído por simpatias diferentes; como
lhe é necessária a depuração, e que não
é senão pelo trabalho que a alcança, as encarnações
escolhidas são mais penosas para ele, porque, depois de haver
dado a supremacia à matéria e aos seus fluidos, lhe
é necessário constrangê-la, lutar com ela e dominá-la.
Daí essas existências tão dolorosas e que parecem,
frequentemente, tão injustas, infligidas a Espíritos
bons e inteligentes. Aqueles fazem sua última etapa corpórea
e entram, saindo deste mundo, nas esferas superiores onde suas aspirações
superiores acharão a sua realização.
IV - As afeições
terrestres e a reencarnação.
O dogma da reencarnação
indefinida encontra oposições no coração
do encarnado que ama, porque em presença dessa infinidade de
existências, produzindo cada uma delas novos laços, pergunta-se
com medo o que se tornam as afeições particulares, e
se elas não se fundem num único amor geral, o que destruiria
a persistência da afeição individual. Pergunta-se
se essa afeição individual não é somente
um meio de adiantamento, e então o desencorajamento se insinua
em sua alma, porque a verdadeira afeição sente a necessidade
de um amor eterno, sentindo que não se deixará jamais
de amar. O pensamento de milhares dessas afeições idênticas
lhe parece uma impossibilidade, mesmo admitindo faculdades maiores
para o amor.
O encarnado que estuda seriamente o Espiritismo, sem tomar partido
por um sistema antes que por um outro, se encontra arrastado para
a reencarnação pela justiça que decorre do progresso
e do adiantamento do Espírito em cada nova existência;
mas quando o estuda do ponto de vista das afeições do
coração, duvida e se atemoriza apesar dele. Não
podendo colocar de acordo esses dois sentimentos, se diz que ali ainda
tem um véu a levantar, e seu pensamento nesse trabalho atrai
as luzes dos Espíritos para concordar seu coração
e sua razão.
Eu disse precedentemente: a encarnação se detém
lá onde a materialidade é anulada. Mostrei como o progresso
material havia de início refinado as sensações
corpóreas do Espírito encarnado; como o progresso espiritual,
tendo vindo em seguida, havia contrabalançado a influência
da matéria, depois a havia, enfim, subordinado à sua
vontade, e, que chegado a esse grau de domínio espiritual,
a corporeidade não tinha mais razão de ser, o trabalho
estando realizado.
Examinemos agora a questão da afeição sob esses
dois aspectos, material e espiritual.
De início, o que é a afeição, o amor?
Ainda a atração fluídica atraindo dois seres
um para o outro, e unindo-os num mesmo sentimento. Essa atração
pode ser de duas naturezas diferentes, uma vez que os fluidos são
de duas naturezas. Mas para que a afeição persista eternamente,
é preciso que ela seja espiritual e desinteressada; é
preciso a abnegação, o devotamento, e que nenhum sentimento
pessoal seja o móvel desse arrastamento simpático. Do
momento em que haja, nesse sentimento, personalidade, há materialidade;
ora, nenhuma afeição material persiste nos domínios
do Espírito. Portanto, toda afeição que não
seja senão o resultado do instinto animal ou do egoísmo,
se destrói à morte terrestre. Também, que seres
supostamente amados são esquecidos depois de pouco tempo de
separação! Vós os haveis amado por vós
e não por eles, aqueles que não são mais, uma
vez que os esquecestes e substituístes; procurastes a consolação
no esquecimento; eles se vos tornam indiferentes, porque não
tendes mais amor.
Contemplai a Humanidade, e vede o quanto há pouca afeição
verdadeira sobre a Terra! Também não se deve tanto se
amedrontar com a multiplicidade das afeições contraídas
nesse mundo; elas são em minoria relativa, mas existem, e as
que são reais persistem e se perpetuam sob todas as formas,
sobre a Terra, de início, depois continuam no estado de Espírito
numa amizade ou um amor inalterável, que não faz senão
crescer em se elevando mais.
Vamos estudar esta verdadeira afeição: a afeição
espiritual.
A afeição espiritual tem por base a afinidade fluídica
espiritual, que, agindo sozinha, determina a simpatia. Quando ocorre
assim, é a alma que ama a alma, e essa afeição
não toma força senão pela manifestação
dos sentimentos da alma. Dois Espíritos unidos espiritualmente
se procuram e tendem sempre a se aproximarem; seus fluidos são
atrativos. Que estejam num mesmo globo, serão levados um para
o outro; que estejam separados pela morte terrestre, seus pensamentos
se unirão na lembrança, e a união se fará
na liberdade do sono; e quando a hora de uma nova encarnação
soar para um deles, procurará se aproximar de seu amigo entrando
nisso que é sua filiação material, e fá-lo-á
com tanto mais facilidade quanto seus fluidos periespirituais materiais
encontrarem afinidade na matéria corpórea dos encarnados
que deram a luz ao novo ser. Dai um novo aumento da afeição,
uma nova manifestação do amor. Tal Espírito amigo
vos amou como pai, vos amará como filho, como irmão
ou como amigo, e cada um desses laços aumentará de encarnação
em encarnação, e se perpetuará de maneira inalterável
quando, vosso trabalho estando feito, vivereis da vida do Espírito.
Mas essa verdadeira afeição não é comum
sobre a Terra, e a matéria vem retardá-la, anulando-lhe
os efeitos, segundo ela domine o Espírito. A verdadeira amizade,
o verdadeiro amor sendo espiritual, tudo o que se relaciona com a
matéria não é de sua natureza, nem concorre em
nada para a identificação espiritual. A afinidade persiste,
mas fica no estado latente até que o fluido espiritual se sobrepondo,
o progresso simpático se efetue de novo. Para me resumir, a
afeição espiritual é a única resistência
no domínio do Espírito; sobre a Terra e nas esferas
de trabalho corpóreo, ela concorre para o adiantamento moral
do Espírito encarnado que, sob a influência simpática,
cumpre milagres de abnegação e de devotamento pelos
seres amados. Aqui, nas moradas celestes, ela é a satisfação
completa de todas as aspirações, e a maior felicidade
que o Espírito possa sentir.
V - O progresso entravado pela
reencarnação indefinida.
Até aqui a reencarnação
foi admitida de um modo muito prolongado; não se pensou senão
nessa prolongação da corporeidade, embora cada vez menos
material, ocasionando, no entanto, necessidades que deviam entravar
o voo do Espírito. Com efeito, admitindo a persistência
da geração nos mundos superiores, atribui-se ao Espírito
encarnado necessidades corpóreas, dão-lhe deveres e
ocupações ainda materiais que constrangem e detêm
o impulso dos estudos espirituais. Que necessidade desses entraves?
O Espírito não pode gozar as felicidades do amor sem
sofrer as enfermidades corpóreas? Sobre a própria Terra,
esse sentimento existe por si mesmo, independente da parte material
de nosso ser; os exemplos, embora sejam raros, estão aí,
suficientes para provar que deve ser sentido mais geralmente entre
os seres mais espiritualizados.
A reencarnação ocasiona a união dos corpos, o
amor puro somente a união das almas. Os Espíritos se
unem segundo suas afeições começadas nos mundos
inferiores, e trabalham juntos para o seu adiantamento espiritual.
Eles têm uma organização fluídica muito
diferente daquela que era a consequência de seu aparelho corpóreo,
e seus trabalhos se exercem sobre os fluidos e não sobre os
objetos materiais. Vão em esferas que, também elas,
cumpriram seu período material, em esferas cujo trabalho humano
levou a desmaterialização, e que, chegados ao apogeu
de seu aperfeiçoamento, também passaram por uma transformação
superior, que os torna próprios para sofrer outras modificações,
mas num sentido todo fluídico.
Compreendeis, desde hoje a força imensa do fluido, força
que não podeis senão constatar, mas que não vedes
nem apalpais. Num estado menos pesado do que aquele em que estais,
teríeis outros meios de ver, de tocar, de trabalhar esse fluido
que é o grande agente da vida universal. Porque, pois, o Espírito
teria ainda necessidade de um corpo que está fora das apreciações
corpóreas? Dir-me-eis que esse corpo está em relação
com os novos trabalhos que o Espírito terá que cumprir;
mas uma vez que esses trabalhos serão todo fluídicos
e espirituais nas esferas superiores, por que dar-lhe o embaraço
das necessidades corpóreas, porque a reencarnação
ocasiona sempre, como eu o disse, geração e alimentação,
quer dizer, necessidade da matéria a satisfazer, e, em compensação,
entraves para o Espírito. Compreendeis que o Espírito
deve ser livre em seu vôo para o infinito; compreendeis que
tendo saído dos cueiros da matéria, ele aspira, como
a criança, a caminhar e correr sem ser contido pelas andadeiras
maternas, e que essas primeiras necessidades da primeira educação
da criança são supérfluas para a criança
crescida, e insuportáveis ao adolescente. Não desejeis,
pois, permanecer na infância; considerai-vos como alunos fazendo
seus últimos estudos escolares, e se dispondo a entrar no mundo,
e a ter nele seu lugar, e a começar os trabalhos de um outro
gênero que seus estudos preliminares terão facilitado.
O Espiritismo é a alavanca que levantará de um pulo
ao estado espiritual todo encarnado que, querendo bem compreendê-lo
e pô-lo em prática, se ligará em dominar a matéria,
a dela se tornar senhor, a aniquilá-la; todo Espírito
de boa vontade pode se colocar em estado de passar, deixando este
mundo, ao estado espiritual sem retorno terrestre; somente, lhe é
preciso a fé ou vontade ativa. O Espiritismo a dá a
todos aqueles que querem compreendê-lo em seu sentido moralizador.
Um espírito protetor do médium.
Nota.
- Esta comunicação não
leva outra assinatura senão esta acima, o que prova que não
há necessidade de haver tido um nome célebre sobre a
Terra para ditar boas coisas.
Resumo:
A vida do Espírito, considerada do ponto de
vista do progresso, apresenta três períodos principais,
a saber:
1º- O período material onde a influência
da matéria domina a do Espírito; é o estado dos
homens dados às paixões brutais e carnais, à
sensualidade; cujas aspirações são exclusivamente
terrestres, que são apegados aos bens temporais, ou refratários
às ideias espiritualistas.
2º - O período de equilíbrio; aquele em que as
influências da matéria e do Espírito se exercem
simultaneamente; onde o homem, embora submetido às necessidades
materiais, pressente e compreende o estado espiritual; onde ele trabalha
para sair do estado corpóreo.
Nesses dois períodos o Espírito está submetido
à reencarnação, que se cumpre nos mundos inferiores
e medianos.
3º - O período espiritual aquele em que o Espírito,
tendo dominado completamente a matéria, não tem mais
necessidade da encarnação nem do trabalho material,
seu trabalho é todo espiritual; é o estado dos Espíritos
nos mundos superiores.
A facilidade com a qual certas pessoas aceitam as ideias espíritas,
das quais parecem ter a intuição, indica que pertencem
ao segundo período; mas entre estas e as outras há uma
multidão de graus que o Espírito atravessa tanto mais
rapidamente quanto mais próximo estiver do período espiritual;
é assim que, de um mundo material como a Terra, ele pode ir
habitar um mundo superior, como Júpiter, por exemplo, se seu
adiantamento moral e espiritual for suficiente para dispensá