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Allan Kardec - Revista Espírita

>    Conseqüências da doutrina da reencarnação sobre a propagação do Espiritismo


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Allan Kardec - Revista Espírita
>    Conseqüências da doutrina da reencarnação sobre a propagação do Espiritismo



Revista Espírita 1862 » Abril

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Um fato que ninguém poderia negar é que o Espiritismo marcha com rapidez. Ora, quando uma coisa se propaga é porque convém. Se o Espiritismo se propaga, é porque convém. Há várias causas para isto. A primeira, e sem contradição, como já explicamos em diversas circunstâncias, é a satisfação moral que proporciona aos que o compreendem e praticam. Mas até mesmo essa causa em parte recebe o seu vigor do princípio da reencarnação.

É o que tentaremos demonstrar.

Nenhuma criatura que reflita deixará de se preocupar com o seu futuro após a morte, o que bem vale a pena. Quem é que não liga mais importância à sua situação na Terra durante alguns anos do que durante uns poucos dias? Mais ainda: durante a primeira parte da vida a gente trabalha, extenua-se de fadiga e se impõe toda sorte de restrições para, na outra metade, garantir-se um pouco de repouso e de bem-estar.

Se temos tantos cuidados por alguns anos indefinidos, não é racional tê-los ainda mais pela vida de além-túmulo, cujo duração é ilimitada? Por que motivo a maioria trabalha mais pelo presente fugidio do que pelo futuro sem fim? É que a gente acredita na realidade do presente e duvida do futuro. Ora, a gente só duvida daquilo que não compreende. Compreenda-se o futuro, e tudo cessará.

Aos próprios olhos daqueles que no estado das crenças vulgares estão melhor convencidos da vida futura, esta se apresenta de maneira tão vaga, que nem sempre basta a fé para fixar as ideias, pois aquela tem mais as características de uma hipótese do que as de uma realidade.

O Espiritismo vem destruir essa incerteza, pelo testemunho dos que viveram e por provas de certo modo materiais.

Toda religião repousa necessariamente sobre a vida futura e todos os dogmas convergem forçosamente para esse fim único. É visando atingir esse fim que eles são praticados, e a fé nos dogmas está na razão direta da eficácia que se lhes atribui para alcançá-lo.

A teoria da vida futura é, pois, a pedra angular de toda doutrina religiosa. Se essa teoria pecar pela base; se abrir brecha a sérias objeções; se ela se contradiz; se for demonstrada a impossibilidade de certas partes, tudo se esboroa. Para começar surge a dúvida. A esta sucede a negação absoluta e os dogmas são arrastados no naufrágio da fé.

Pensaram escapar do perigo proscrevendo o exame e considerando uma virtude a fé cega. Mas pretender impor a fé cega neste século é desconhecer a época em que vivemos. A gente reflete, queira ou não queira; a gente examina, pela força das coisas; a gente quer saber como e por quê. O desenvolvimento das indústrias e das ciências exatas ensina a olhar o terreno onde se põe os pés. É por isso que a gente sonda aquele por onde se diz que caminharemos depois da morte. Se não o reconhecermos sólido, isto é, lógico e racional, dele não nos ocuparemos. Por mais que façam, não conseguirão neutralizar essa tendência, que é inerente ao desenvolvimento intelectual e moral da Humanidade. Segundo uns, é um bem. Segundo outros, um mal. Seja qual for a maneira de encarar, temos que nos acomodar, queiramos ou não, pois a coisa não pode ser de outro modo.

A necessidade de se dar conta e de compreender vai das coisas materiais às coisas morais. Certamente a vida futura não é uma coisa palpável como uma estrada de ferro e uma máquina a vapor, mas pode ser compreendida pelo raciocínio. Se o raciocínio pelo qual a gente procura demonstrá-la não satisfizer à razão, a gente abandona premissas e conclusões. Interroguem-se aqueles que negam a vida futura e todos dirão que foram conduzidos à incredulidade pelo próprio quadro que lhes era apresentado, com seu cortejo de diabos, de labaredas e de sofrimentos sem fim.

Todas as questões morais, psicológicas e metafísicas se ligam de maneira mais ou menos direta à questão do futuro. Disso resulta que essa última questão de certo modo depende da racionalidade de todas as doutrinas filosóficas e religiosas. Por sua vez, o Espiritismo vem, não como uma religião, mas como doutrina filosófica, trazer a sua teoria, apoiada no fato das manifestações. Ele não se impõe; não exige confiança cega; mete-se entre as criaturas e diz: “Examinai, comparai e julgai. Se achardes algo melhor do que isto que vos dou, tomai-o.” Ele não diz: “Venho derrocar as bases da religião e substituí-la por um culto novo.” Diz: “Dirijo-me não aos que creem e que se acham satisfeitos com suas crenças, mas aos que abandonam as vossas fileiras pela incredulidade e que não os soubestes ou não pudestes reter. Venho dar-lhes, sobre as verdades que repelem, uma interpretação que satisfaça à sua razão e que os leve a aceitá-la. O número dos que tiro do atoleiro da incredulidade é a prova de que o consigo”.

Escutai-os, e todos vos dirão: “Se me tivessem ensinado essas coisas desta maneira em minha infância, eu jamais teria duvidado. Agora creio porque compreendo”.

Deveis repeli-los porque aceitam o espírito e não a letra; o princípio e não a forma? Tendes toda liberdade. Se para vossa consciência isto constitui um dever, ninguém pensará em violentá-la. Mas eu não diria que isso é um erro menor. Digo mais: É uma imprudência.

Como dissemos, a vida futura é o objetivo essencial de toda doutrina moral. Sem a vida futura a moral não tem base. A vitória do Espiritismo está precisamente na sua maneira de apresentar o futuro. Além das provas que ele nos dá, o quadro que ele pinta é tão claro, tão simples, tão lógico, tão conforme à justiça e à bondade de Deus, que involuntariamente a gente diz: “Sim, é assim mesmo que a coisa deve ser; assim eu a tinha imaginado; e se não tinha acreditado é porque me tinham ensinado de outro modo”.

Mas, o que é que dá tal poder à teoria do futuro? O que é que lhe consigna tantas simpatias? Nós dizemos que é a sua lógica inflexível, que resolve todas as dificuldades até agora insolúveis, e isso ela o deve ao princípio da pluralidade das existências. Com efeito, tirai esse princípio e imediatamente surgirão milhares de problemas, cada qual mais insolúvel que o outro.

A cada passo a gente se choca com inúmeras objeções. Essas objeções não eram levantadas outrora, porque ninguém pensava nelas. Mas hoje, que a criança se fez adulto, ele quer ir ao fundo das coisas; quer ver claro o caminho por onde o conduzem; sonda e calcula o valor dos argumentos que lhe apresentam, e se estes não lhe satisfazem à razão, se o deixam no vazio e na incerteza, rejeita-os e espera coisa melhor.

A pluralidade das existências é uma chave que abre novos horizontes; que dá uma razão de ser a inúmeras coisas incompreendidas; que explica o não explicado. Ela concilia todos os acontecimentos da vida com a justiça e a bondade de Deus. Por isso os que haviam chegado a duvidar dessa justiça e a dessa bondade, agora reconhecem o dedo da Providência onde o tinham ignorado.

Sem a reencarnação, com efeito, a que atribuir as ideias inatas? Como justificar a idiotia, o cretinismo, a selvageria, ao lado do gênio e da civilização? A profunda miséria de uns ao lado da felicidade de outros? As mortes prematuras e tantas outras coisas?

Do ponto de vista religioso, certos dogmas, tais como o pecado original, a queda dos anjos, a eternidade das penas, a ressurreição da carne, etc., encontram nesse princípio uma interpretação racional que leva à aceitação do seu espírito, mesmo por aqueles que repeliam a letra.

Em resumo, o homem atual quer compreender. O princípio da reencarnação ilumina o que estava obscuro. Por isso dizemos que esse princípio é uma das causas que dão favorável acolhida ao Espiritismo.

Dir-se-á que a reencarnação não é necessária para crer nos Espíritos e em sua manifestação. Prova disso é que há crentes que não a admitem. É verdade. Também não dizemos que se não possa, sem isso, ser bons espíritas. Não somos daqueles que atiram pedras nos que não pensam como nós. Apenas dizemos que eles não abordaram todos os problemas suscitados pelo sistema unitário, sem o que teriam reconhecido a impossibilidade de lhes dar uma solução.

A ideia da pluralidade das existências a princípio foi acolhida com espanto, com desconfiança. Depois, pouco a pouco, familiarizaram-se com ela, à medida que reconheciam a impossibilidade de, sem ela, saírem das inúmeras dificuldades levantadas pela psicologia e pela vida futura.

Há uma coisa certa. Este sistema ganha terreno diariamente, enquanto o outro o perde. Hoje, na França, os adversários da reencarnação - falamos dos que estudaram a Ciência Espírita - são em número imperceptível, em comparação com os seus partidários. Mesmo na América, onde eles são mais numerosos, pelas causas que explicamos no número anterior, tal princípio começa a popularizar-se. Daí se pode concluir que não está longe o dia em que, sob esse ponto, não haverá qualquer dissidência.

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