O ser humano, em todas as épocas da humanidade, sempre foi
ávido em conhecer o insondável, passado ou futuro.
De alguns anos a esta parte passou a ficar em voga a chamada regressão
de memória, pela qual a pessoa teria acesso informativo (pleno
ou parcial) não apenas a esquecidos fatos desde seu nascimento,
como até às suas vidas passadas.
Em termos de Espiritismo, o que se pode registrar
sobre isso?
Para falar do passado, vou inverter a ordem natural
das coisas e começar falando do futuro. Muitas são
as pessoas que gostariam de conhecer o seu futuro. Para tanto, valem-se
de expedientes os mais esdrúxulos. Sem nenhuma cautela agem
esses candidatos a viajores do tempo, desprovidos do conhecimento
das Leis Divinas e logo encontram espertos adivinhadores, que
sem dificuldades, transferem dinheiro, deles, para seus bolsos.
Adivinhos sempre anunciam coisas boas, prosperidade,
amores fantásticos. Fortuna, invariavelmente... Todos os
que assim buscam burlar a marcha do tempo, antecipando-lhe conhecer
acontecimentos futuros, merecem mesmo serem burlados. Que é
o que acontece.
Alguns objetarão que muita coisa que foi
prevista por futurólogos de plantão acabaram acontecendo.
É verdade. Mas, sem apelar para sofismas, qualquer um pode
mesmo prever inumeráveis fatos, com precisão absoluta.
Por exemplo: quando uma conhecida fica grávida, se alguém
disser que será "homem", terá 50% de chances
de acertar; se outra pessoa disser que será "mulher",
terá se apropriado dos 50% restantes, encerrando quaisquer
outros vaticínios. Meses após, quando o bebê
nascer, com certeza um dos dois "adivinhos" terá
acertado 100%.
Dou outro exemplo: quando um vestibulando presta
concurso para ingresso à Faculdade de Medicina, alguém
diz (com ar misterioso quase sempre) que "num sonho viu-o todo
de branco". Se esse candidato realmente passar no vestibular,
ingressar naquela Faculdade e se formar médico, aquele alguém,
seis anos à frente, poderá ser tido à conta
de profeta...
Esses dois exemplos, num universo de outros possíveis
escancaram, não a possibilidade do futuro ser antecipado
para algumas pessoas extraordinárias, mas tão somente
um exercício de lógica, onde um antecedente gera um
conseqüente, não é mesmo?
Outra não é a capacidade dos adivinhos,
senão a de exercitar deduções.
Em "O Livro dos Espíritos", às
questões nº 868 a 871, Kardec registra detalhadas reflexões
dos Espíritos Superiores, sobre os inconvenientes do conhecimento
do futuro, oculto por Deus ao homem e só excepcionalmente
revelado. A revelação do futuro, sempre parcial,
concorre para que o homem possa bem cumprir a tarefa a que tenha
se proposto, antes de reencarnar. Por outro lado, noto à
questão nº 522 que vezes há em que o Espírito
guardião que todos temos nos dá a conhecer algum evento
futuro, na forma de pressentimento. Isso é para nos livrar
de alguma dificuldade, considerado o nosso merecimento.
Falarei agora do passado.
A TVP e a Psicoterapia
Histórico
TVP é a abreviatura adotada desde 1980 no
Brasil, do método psicoterápico de "Terapia
de Vidas Passadas", que utiliza a regressão
de memória do paciente.
A pessoa que se submete à TVP retorna a fatos
e épocas de sua vida presente e em alguns casos, essa viagem
regressiva leva-a à vivência no útero materno;
no prosseguimento da experiência "chega" à(s)
vida(s) passada(s).
É o que consta. Não resta a menor
dúvida que o tema é palpitante.
Há notícias de que já nos tempos
antigos, sacerdotes egípcios praticavam a TVP. No século
passado, alguns pesquisadores dedicaram-se à regressão
de memória, na França e Espanha.
Em 1977 os médicos norte-americanos Denis
Kelsey e Morris Netherton publicaram respectivamente os livros "Many
Lifetimes" (Vários cursos de vida) e "Vidas Passadas
em Terapia".
Em 1980 a TVP chegou ao Brasil e pelo jeito, veio
para ficar, havendo até alguns cursos regulares de formação
universitária psicológica.
O Dr Patrick Drouot, físico
francês, diplomado pela Universidade de Colúmbia, em
Nova York, estudou a regressão de memória em
vários pacientes. Depois de dez anos de pesquisas, concluiu
que não há morte, que há sobrevivência
da alma e que o mesmo ser vive várias vezes. Escreveu
um livro, já na 5ª edição, denominado:
"Somos todos imortais".
Obs: Alguém deveria ter dito ao Dr Patrick
que seus dez anos de estudos poderiam ter se dirigido a outro azimute,
pois o Espiritismo, há cerca de 140 anos, já registrou
essas "suas descobertas", além de cientistas de
renome acreditarem nisso.
Esta até parece aquela história do
místico que ficou 28 longos anos meditando à margem
de um caudaloso rio, até que finalmente conseguiu transpô-lo,
levitando. Chegando à outra margem, sua euforia despertou
a atenção de um menino que perguntou-lhe o porquê
de tanto júbilo. Ao conhecer a verdade, o menino, com cristalina
simplicidade, contou que com uma pequena moeda o pai dele, barqueiro,
há mais de quarenta anos vinha transportando qualquer
um, em menos de cinco minutos ...
Ainda com estrondoso sucesso, o Dr Brian
Weiss, médico norte-americano, autor do livro best-seller
mundial “Muitas Vidas, Muitos Mestres”, vem atendendo
pacientes interessados em pesquisar o passado.
As consultas são com hora marcada e mediante
pagamento.
Consta que a fila de espera para atendimento é
longa, demorada...
Isso sinaliza, de modo indireto, que as pessoas,
de alguma forma, estão cada vez mais interessadas em temas
espiritualistas, trilhando de início equivocadas vias nessa
busca. Tão logo Kardec lhes chegue às mãos,
a inteligência de cada um fará o resto, isto é,
plena aceitação dos postulados do Espiritismo, não
só sobre o passado, mas também sobre o presente...
e principalmente sobre o futuro.
A alguns espíritas — poucos, felizmente
—, vem acometendo ultimamente o modismo de fazer uma visitinha
às suas vidas anteriores.
Não são só espíritas
que o fazem, eis que muitas são as pessoas que vêm
auto-investigando seu passado, mas no caso destas linhas, dirijo
minhas considerações aos praticantes ou apenas adeptos
da Terceira Revelação - a Doutrina Espírita,
para que eles, se ainda não conhecem a TVP, tenham condições
de ajuizá-la.
Objetivos da TVP
Em essência, a TVP busca a cura de traumas
atuais, pelo conhecimento das suas distantes origens: conscientizando-se
o paciente do porquê do seu problema, a solução
é facilitada. Nessa viagem ao passado, conduzida por profissionais
competentes — médicos e/ou psicólogos —,
dizem os especialistas que o paciente só se recorda daquilo
que se relacione com o atual estado patológico.
Eis aí uma afirmação que carece
de análises: como pode um psicoterapeuta filtrar as nuanças
de uma viagem dessas, dela excluindo as vertentes que produziram
o trauma? Como definir o que é ou não adjacente ao
fato principal buscado? Ele, psicoterapeuta, também é
"passageiro" nessa viagem, a ponto de ajuizar o que
pode ser recordado e o que deve ser evitado?
Essas, em linhas gerais, as premissas da TVP.
A TVP e o Espiritismo
TVP para encarnados
Como espírita, não levanto quaisquer
barreiras à TVP praticada na seriedade dos consultórios
médicos, como ajuda a eventuais enfermos, quase sempre portadores
de traumas psicológicos. Quanto aos resultados desse tratamento,
positivos ou negativos, aguardo que o tempo, somente o tempo, venha
a ser o avalista dessa prática, algo novidadeira. Porque
não basta um paciente sair exultante do consultório,
após submetido à TVP, conhecendo a raiz da árvore
que hoje lhe oferta frutos amargos.
É preciso verificar o que vai ocorrer no
período que compreende a poda dessa árvore e
a extração da respectiva raiz. Que ferramentas serão
empregadas, que tempo será gasto, que reações
surgirão no solo...
Respeito os profissionais da TVP, na sinceridade
do exercício de auxílio. Apenas me resguardo de considerá-la
como viável a qualquer pessoa traumatizada. E, como os psicólogos
nem sempre aceitam a reencarnação, ou se aceitam-na
nem sempre terão estudado o que dela ensina o Espiritismo,
cuido que podem estar tateando em algo que lhes foge ao conhecimento.
Tudo isso, sem considerar que até mesmo aos
mais estudiosos da Doutrina Espírita lhes foge o conhecimento
de todas as injunções reencarnacionistas.
O que deve ser cuidadosamente analisado é
até que ponto o ser humano, encarnado, está apto a
investigar suas vidas passadas.
Na Codificação do Espiritismo há
esclarecimentos sobre esse assunto.
Lembro-me agora de trechos nos quais os Espíritos
Superiores disseram a Allan Kardec, em “O Livro dos
Espíritos", nas questões nº 392 a 399:
- o homem nem pode nem deve saber tudo; Deus assim
o quer, na sua sabedoria;
- a cada nova existência o homem tem mais
inteligência e pode melhor distinguir o bem e o mal.
Onde estaria o seu mérito, se ele se recordasse de todo o
passado? Quando o Espírito entra na sua vida de origem (a
vida espírita), toda a sua vida passada se desenrola diante
dele; vê as faltas cometidas e que são causa do seu
sofrimento;
- daquilo que fomos... temos a sua intuição;
nossas tendências instintivas são uma reminiscência
do nosso passado; ... nossa consciência ... representa o desejo
de não mais cometer as mesmas faltas;
- a lembrança de nossas individualidades
anteriores teria gravíssimos inconvenientes: humilhar-nos
extraordinariamente / exaltar nosso orgulho / entravar nosso
livre arbítrio;
- vaga consciência de existências anteriores
podem ser reveladas, com fim útil, por Espíritos superiores;
- as existências futuras não podem
ser reveladas em caso algum.
Assim registrou Kardec!
Mas há mais: cito agora o sempre lúcido
Espírito Emmanuel, pela via mediúnica
de Francisco Cândido Xavier:
"Se fomos trazidos à Terra para esquecer
o nosso passado, valorizar o presente e preparar em nosso benefício
o futuro melhor, porque provocar a regressão da memória
do que fomos ou fizemos, simplesmente por questões de
curiosidade vazia, ou buscar aqueles que foram nossos companheiros,
a fim de regressar aos desequilíbrios que hoje resgatamos?
A nossa própria existência atual nos apresentará
as tarefas e provas que, em si, são a recapitulação
de nosso passado em nossas diversas vidas, ou mesmo, somente de
nossa passagem última na Terra fixada no mundo físico,
curso de regeneração em que estamos integrados nas
chamadas provações de cada dia. Por que efetuar a
regressão de memória, unicamente para chorar a lembrança
dos pretéritos episódios infelizes, ou exibirmos grandeza
ilusória em situações que, por simples desejo
de leviana retomada de acontecimentos, fomos protagonistas,
se já sabemos, especialmente com Allan Kardec, que estamos
eliminando gradativamente as nossas imperfeições naturais
ou apagando o brilho falso de tantos descaminhos que apenas nos
induzirão a erros que não mais desejamos repetir?
Sejamos sinceros e lancemos um olhar para nossas tendências".
(Mensagem recebida em Uberaba/MG, em 30/07/91).
- Texto completo no Cap XI do livro “Lições
de Sabedoria”, da Folha Espírita, 1996.
Para concluir as ponderações de Espíritos
amigos, registro esta de André Luiz, em
"Ação e Reação",
Cap. 2: o Mentor Druso informa a um outro Espírito
que, sob hipnose, a memória pode regredir e recuperar-se
por momentos; contudo, adverte que isso é um fenômeno
de compulsão, contrário à Natureza.
Obs: Em face do exposto, depreendo
que se no Plano Espiritual isso ocorre, nada objeta que igualmente
no Plano Material também, talvez até com maior gravidade.
Assim, a advertência é valida em ambos os casos...
Sem mais comentários...
A TVP na reunião mediúnica
de desobsessão
Pela minha vivência de quase vinte e cinco
anos em reuniões mediúnicas de desobsessão,
tenho a firme convicção de que o próprio Plano
Espiritual é sumamente cauteloso na abordagem do passado
aos Espíritos necessitados que ali comparecem. Fazer-lhes
recuar no tempo, em busca de notícias fiéis de quando
começaram os dramas dolorosos de que geralmente são
portadores, é medida extrema, indicada apenas em situações
especiais. Considerando que por decisão divina estamos sempre
evoluindo (graças a Deus!), eventual visita a vidas passadas
não deve ser nada agradável... Além do mais,
o visitante espiritual empedernido, convidado a fazê-lo, bem
poderá mentir e com isso levar o doutrinador a acreditar
no que diga... Repito: isso, só em situações
especiais.
Como exemplo de situação especial,
cito o caso em que o obsessor, às vezes após reiteradas
visitas ao C.E., em todas recebendo esclarecimentos, mas mantém
irredutíveis idéias de vingança, julgando-se
vítima. O recuo no tempo, nesse caso, como recurso extremo
(onde cooperam os médiuns, sob coordenação
dos Espíritos protetores), indo à origem da trama,
mostra a esse obsessor que ao contrário do que pensa, tem
o mesmo grau de culpa. Conscientiza-se que, na verdade, ele e o
perseguido são réus, por infratores da Lei do Amor.
Esse exemplo ilustra TVP parcial, aplicada a um
Espírito endurecido, obsessor, num caridoso ambiente de Centro
Espírita, em reunião mediúnica.
Enunciarei outro exemplo, agora no Plano Espiritual,
entre desencarnados, pontificando a cautela sobre esse recurso terapêutico:
no livro “Nosso Lar”, Cap. 21, adverte o autor espiritual,
André Luiz, que querendo conhecer o passado, foi advertido
por um Espírito amigo que para isso é preciso grande
equilíbrio, pois “todos temos erros clamorosos nos
ciclos da vida eterna” e que reminiscências provocadas,
não raro, “tendem ao desequilíbrio e à
loucura”. Esse mesmo Espírito narrou que, com o cônjuge,
já em exercício fraternal no “Nosso Lar”,
submeteram-se ao mais rigoroso exame por seu assistente; a seguir
foram aconselhados a, por dois anos, sem prejuízo de suas
tarefas diárias, conhecerem suas próprias memórias,
em arquivos no Ministério do Esclarecimento; submetidos a
delicadíssimas operações psíquicas por
magnetizadores daquele Ministério, tomaram conhecimento integral
de trezentos anos! Fases anteriores não lhes foram permitidas,
por incapacidade de suportarem tais lembranças...
"Eu fui..."
Entre os espíritas, não todos, mas
muitos, há a "suspeita" muito forte de terem vivido
como nobres, de preferência na França, e mais preferencialmente
ainda, na época dos Luízes.
Da minha parte, sem intentar fazer humor, nunca
ouvi um desses tais opinar que tenha sido escravo ou apenas um serviçal...
Por que será?
Talvez porque já tenham mesmo vivido na Europa
(na França sim, por que não?), considerando-se que
o continente americano tem pouco menos de 500 anos de colonização.
E os humanos, já estamos no reino hominal civilizado há
bem mais do que 5 séculos... Assim, podemos ter sido habitantes
da Ásia, da Europa ou da África. Ou desses três
continentes.
Agora, cuidado: desejar ter sido nobre pode trazer
o inconveniente de ter sido cliente da guilhotina... Melhor será
ter vivido como plebeu ignorado, rural se possível, pois
não? O problema é que a prática de se imaginar
no passado e se ver na pele de algum vulto famoso vem sendo incentivada,
indiretamente, por alguns espíritas, que até promovem
publicação disso.
Por outro lado e a bem da verdade, não sou
dos que aceitam essas informações, tidas como verdadeiras,
mesmo respeitando o canal (autores dos textos e editoras) que as
expõe. Mas daí considerá-las falsas seria no
mínimo leviandade, senão imperdoável grosseria.
Sinto-me alcançado por pequeno desconforto,
qual seja o de respeitar as fontes mas não o de crer em todas
as suas informações.
Defino-me: minha discordância é quanto
à ampla divulgação desse tipo de "informação",
que ao espírita não o faz mais espírita, nem
torna mais forte sua crença na reencarnação.
Quanto aos que não aceitam as vidas sucessivas, soa como
piada.
Eu nem penso em desvendar o que fui, pois se fosse
bom não me cercariam tantos limites...
Pelo exposto, sou de parecer que a TVP é
assunto da Psicologia, sem assento no Espiritismo. Seu emprego,
pois, deve condicionar-se ao profissionalismo. Assim, inaceitável
sua prática nos Centros Espíritas.