Uma técnica de intervenção terapêutica
para pacientes em estágio terminal aponta, com aporte científico,
que a espiritualidade pode ajudar a aliviar o sofrimento de
quem está próximo da morte. O método,
publicado no final de junho deste ano, no periódico britâncio
The Scientific World Journal, foi o tema da tese de doutorado "Programa
de treinamento para profissionais de saúde sobre a intervenção
terapêutica: Relaxamento, Imagens Mentais e Espiritualidade
(Rime) para re-significar a Dor Espiritual de Pacientes Terminais",
da psicóloga Ana Catarina Araújo Elias, apresentada
no final do ano passado, na Unicamp. O estudo dá força
a uma tendência que, embora ainda muito polêmica, vem
ganhando espaço no meio acadêmico na última década:
a inclusão da espiritualidade nas pesquisas científicas
da área da saúde.
O crescente interesse da área
médica pela espiritualidade também foi destacado no
Seminário Internacional “Espiritualidade no cuidado com
o paciente”, organizado pela Associação Médico-Espírita
(AME) do Brasil, em São Paulo, em maio de 2005, por Harold
G. Koenig, médico da Universidade de Duke, Estados Unidos.
Segundo ele, entre 1908 e 1982 foram publicados apenas 101 artigos
médicos sobre espiritualidade e/ou religiosidade. De 2002 a
2003, este número aumentou para mais de mil, e entre 2003 e
2005 surgiram mais 1.798 artigos sobre o tema.
Uma rápida busca no site do
Centro Latino-Americano e do Caribe de Informações em
Ciências da Saúde (Bireme), o maior banco de dados de
literatura em saúde da América Latina, confirma essa
transformação: mais de mil estudos relacionados à
espiritualidade estão registrados no banco de dados desde 1993.
Antes disso, nenhum trabalho foi publicado em língua portuguesa.
Cruzando as palavras-chave “spirituality” e “health”
(espiritualidade e saúde, em inglês) encontramos apenas
vinte trabalhos entre 1966 e 1992, ao passo que entre 1993 e 2006
mais de 500 novos estudos foram publicados sobre o tema. Entre os
vinte primeiros trabalhos, o mais antigo registrado é de 1984.
Reinaldo Ayer, conselheiro do Conselho
Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), não acredita,
no entanto, que esteja havendo uma mudança de padrões
nas ciências médicas. “Não tenho a visão
de que o ambiente das ciências médicas seja tão
cético”. Segundo ele, tratar do doente em sua integralidade
sempre foi e sempre será o paradigma de definição
da ação do médico. “Na construção
da relação médico-paciente não são
somente os aspectos técnicos da medicina que devem ser considerados.
Há seguramente um envolvimento de afetividade e empatia que
se constituem em coisas do espírito". Atitudes como respeito
ao outro, acolhimento, participação de familiares, conforto,
atenção às necessidades espirituais dos doentes
trazem, de acordo com Ayer, "força" para enfrentar
situações de grande adversidade como, por exemplo, a
morte.
Avaliando o medo e o sofrimento
Nancy Mineko Koseki, oncologista clínica
e coordenadora da Unidade de Cuidados Paliativos do Centro de Atenção
Intensiva à Saúde da Mulher (Caism), na Unicamp, afirma
que embora reconheça-se que a dor espiritual afeta a dor física,
os médicos ainda centralizam sua atenção no alívio
da dor do corpo.“O que nós observamos na área
médica é a preocupação com a cura da dor
pelos remédios. A sedação do paciente terminal
é muito comum nas enfermarias. Acredito que uma intervenção
terapêutica como a Rime ajudaria a humanizar esse cuidado, reduzindo
a necessidade dos medicamentos”.
A Rime é uma técnica
de relaxamento e visualização de imagens mentais que
tem como objetivo re-significar a dor espiritual, promovendo maior
qualidade de vida no processo de morrer. O paciente é induzido
a visualizar seres espirituais bondosos e acolhedores, paisagens celestiais,
lugares bonitos e aconchegantes. Todos esses elementos da espiritualidade
tiveram como base os relatos dos pacientes que passaram por uma “Experiência
de Quase Morte” e voltaram a viver normalmente.
“Pacientes terminais sabem intuitivamente
que estão morrendo e precisam expressar sua dor e serem compreendidos,
por esta razão o ideal seria não dizer ao doente que
ele está morrendo e sim, procurar ouvi-lo”, ressalta
Ana Catarina Elias.
A técnica começou a
ser desenvolvida em 1998, quando a psicóloga, ao realizar um
trabalho com crianças e adolescentes com câncer em fase
terminal, percebeu um sofrimento psicológico e espiritual relevante.
“Denominei este sofrimento de ‘Dor Simbólica de
Morte', representado pela ‘Dor Psíquica' (medo do sofrimento
e humor depressivo manifestado por angústias, tristezas e culpas)
e pela ‘Dor Espiritual' (medo da morte, medo do pós-morte,
idéias e concepções negativas em relação
ao sentido da vida e à espiritualidade e culpas diante de Deus)”,
explica. Em sua tese de doutorado, a pesquisadora operacionalizou
o treinamento da Rime para profissionais de saúde.
O
método, no entanto,
apresenta limitações.
De acordo com a pesquisadora, ele só pode ser aplicado por
profissionais que acreditam na vida espiritual pós-morte e
pacientes que também tenham esta crença: “pacientes
que não acreditam na vida pós-morte devem ser atendidos
pelos métodos convencionais”.