Human Personality
and Its Survival of Bodily Death de F. W. H. Myers. Charlottesville,
VA: Hampton Roads, 2002. 352 pp. $15.26 (paper). ISBN 1-57174-238-7.
Existe uma versão
em português (hoje em dia ela é rara) publicada pela
editora Edigraf. Ela pode ser encontrada na Estante
Virtual sob o nome "A Personalidade Humana".
por Emily Williams Kelly
Divisão de Estudos da Personalidade
University of Virginia Health System Charlottesville, VA 22908
Artigo original publicado em : Journal
Scientific Exploration, vol. 17, p. 323.
Este ano [2002] é o
centésimo aniversário da publicação
de A personalidade humana e sua sobrevivência à
morte corporal de F. W. H. Myers,
de dois massivos volumes de um tratado de 1360 páginas que
o autor esperava que servisse como base e ponto de partida para
o desenvolvimento de uma teoria completa da personalidade humana,
uma que pudesse responder a uma grande variedade de fenômenos
psicológicos, de fenômenos patologicamente anormais
de interesse crescente para os clínicos, aos processos psicológicos
associados com a consciência de vigília normal, às
raras manifestações de funções supernormais,
inclusive a criatividade e a telepatia. No amanhecer do século
XX, as idéias e os escritos de Myers ganharam a atenção
de muitos psicólogos proeminentes, clínicos e filósofos,
e embora o próprio Myers tenha morrido em 1901, na infeliz
idade de 57 anos, parecia provável que sua póstuma
publicação magnum opus pudesse servir como a inspiração
para muitas pesquisas importantes e teorização. Por
volta do século XXI, porém, Myers e seu trabalho são
desconhecidos para a maioria vasta dos psicólogos, enquanto
Human Personality é considerado uma obra clássica
na pesquisa psíquica/parapsicológica, embora (e eu
fortemente suspeito) ela mesma não seja lida por muitos parapsicólogos.
Na tentativa de atrair mais leitores para este longo e difícil
livro, o volume um ocasionalmente tem sido resumido, o primeiro
em 1907 pelo filho de Myers, e o segundo em 1961 pela autora Susy
Smith. Esta publicação mais recente é uma edição
de volume único, por Hampton Roads e Russell Targ, numa série
chamada "Estudos da Consciência", e é uma
reimpressão da edição de 1961 de Susy Smith,
inclusive o prefácio de 1961 por Aldous Huxley e uma nova
introdução por Jeffrey Mishlove.
O motivo no qual tem importância
um livro como Human Personality, é porque ele está
repleto de rico material de caso, numa ampla variedade de fenômenos
psicológicos como também idéias provocativas
sobre a interpretação destes fenômenos; as quais
têm sido negligenciadas na psicologia e na história
das idéias? A resposta é complicada e estende-se a
uma variedade de fatores social, intelectual e mesmo emocionais
já conhecidos dos leitores deste jornal e de outros investigadores
de fenômenos que parecem impor-se claramente frente às
visões prevalentes a respeito da ordem natural. Mas identificando
em particular dois importantes temas abordados ao longo de Human
Personality, isso poderia ajudar na compreensão tanto do
porquê o livro é bastante importante e porque tem sido
tão negligenciado.
Primeiro, o livro de Myers foi desenvolvido
principalmente sobre uma visão da personalidade humana, ou
consciência, que era diretamente oposta à visão
prevalente no final do século XIX e continuação
do XX - a visão que a consciência é um produto
do aumento da complexidade dos processos neurais. Em contraste,
a visão de Myers, apresentada aqui com uma quantidade vasta
de material empírico que a sustenta, é que a consciência
é muito mais extensa que o "eu" de vigília
com o qual nós estamos familiarizados e que o cérebro,
no lugar de ser o produtor da consciência, é o mecanismo
que, em resposta às demandas do meio-ambiente do organismo,
filtra, limita, e modula nossa consciência ordinária
de vigília (ou supraliminar) a partir de uma consciência
mais ampla, primariamente latente ou subliminar.
Myers usou a analogia do espectro
eletromagnético para ilustrar sua hipótese: a mais
ampla e oculta consciência subliminar é comparável
ao espectro inteiro, que se estende indefinidamente, enquanto que
nossa consciência supraliminar, ou consciência de vigília,
é comparável a um pequeno fragmento daquele espectro
que é visível para nós como resultado do desenvolvimento
evolucionário de nosso sistema visual. Na maioria dos indivíduos,
a "porção visível do espectro psicológico
oscila à medida que elementos entram e saem da consciência
de vigília, mas ele permanece relativamente estável.
Em outros indivíduos, porém, como histéricos
ou pacientes com múltiplas personalidades, gênios criativos,
ou automatistas (termo de Myers para médiuns ou sensitivos),
a "barreira" controlando o fluxo de elementos psicológicos
entre o supraliminar e as porções subliminais da consciência
é mais "permeável", permitindo a "descida"
ou perda de funções associadas à histeria,
ou a "subida" da mentação subliminar dos
gênios criativos, o aparecimento ocasional de faculdades ocultas
como a telepatia, ou outras alterações na estrutura
e no conteúdo ordinários da consciência.
Uma visão da personalidade
humana que está muito em discrepância com a visão
que veio a dominar a psicologia moderna e isto em grande parte seria
devido ao fato de fenômenos raros e controversos, como histeria,
hipnotismo/mesmerismo, fenômenos de transe e telepatia poderem
gerar resistência sob a melhor das hipóteses. Mas o
trabalho de Myers, e por extensão a pesquisa psíquica
que compôs uma importante parte de sua base, encontrou um
obstáculo muito maior porque o segundo tema mais importante
em Human Personality foi largamente ignorado e que levou a muitos
erros durante o último século sobre a natureza e os
propósitos da pesquisa psíquica em geral e do trabalho
do Myers em particular. De acordo com o Myers, "o princípio
da continuidade... tem nos guiado ao longo deste trabalho"
(Myers, 1903, 2:202). Para Myers e a maioria dos outros cientistas
de século XIX, a continuidade e uniformidade de natureza
emergiram como um dos mais fundamentais princípios que guiam
a ciência moderna:
A fé para qual a Ciência
se compromete é a fé na uniformidade, na coerência,
na inteligibilidade, de qualquer modo, o universo material... Se
qualquer fenômeno ... parece arbitrário, ou incoerente,
ou ininteligível, ela então não supõe
que o encontrou separado na estrutura das coisas; mas supõe
bastante que uma resposta racional para o novo problema deve existir
em algum lugar — uma resposta que será ainda mais instrutiva,
porque envolverá fatos que a primeira pergunta deve ter falhado
ao fazer a devida consideração. (Myers, 1900, pág.
120).
Então o corpo inteiro do
trabalho de Myers foi baseado na convicção que nenhum
fenômeno verdadeiramente é "anômalo",
isto é, "separado na estrutura das coisas." Ele
reconheceu que para muitas pessoas, especialmente os cientistas,
"a dificuldade de acreditar não está nem no defeito
de evidência confiável nem na ininteligibilidade, que
é a incoerência dos fenômenos descritos, que
as impede de reterem na mente ou assimilarem com o conhecimento
prévio", e ele continuou a dizer que "eu mesmo
senti toda a força desta objeção" (Myers,
1903, 2:505). Para os "antagonistas resolutos ... nenhuma evidência
nova pode levá-los a acreditar... a menos que ela seja persistente
como evidência" (Myers, 1903, 2:2). Embora "a mente
popular tenham expressamente desejado algo surpreendente, algo fora
da Lei e acima da Natureza... eu dificilmente posso repetir com
freqüência que minha objeção nestas páginas
seja de um caráter bastante oposto" (pág. 168).
A meta de Myers, então, era
alargar e avançar a compreensão científica
sobre a ordem natural tecendo as pontas soltas de fenômenos
aparentemente anômalos junto com o conhecimento já
existente dentro de um quadro mais amplo, mais completo. Para ele,
aqueles que ignoraram ou excluíram certos fenômenos
ou perguntas da investigação científica mostraram
"um desejo no lugar de um excesso de confiança"
na "regularidade imutável da natureza" (Myers,
1881, pág. 99). O método de Myers era pegar uma grande
variedade de fenômenos psicológicos — inclusive
histeria e personalidades múltiplas, gênios e criatividade,
sono e sonhos, hipnotismo e mesmerismo, alucinações,
aparições, outros automatismos sensórios, automatismos
motor, como a escrita automática, transe, possessão
e êxtase — e, "conduzi-los como transições
que variariam bem gradualmente, o quanto possível a partir
de fenômenos seguramente considerados normais para fenômenos
entendidos como supernormais" (pág. 7), demonstrar que
estes, de fato, não são anomalias isoladas, mas todos
são partes integrantes de um quadro maior da personalidade
humana.
A paixão de Myers, o motor
que dirigiu sua energia prodigiosa, produtividade e criatividade
de pensamento era seu desejo de aprender "se ou não
a personalidade [humana] envolvesse qualquer elemento que pudesse
sobreviver completamente à morte" (pág. 1). Aqui,
também, porém, ele insistiu que "ao lidar com
assuntos que vão além da experiência humana
(isto é, a sobrevivência post-mortem), nossa única
pista é alguma chance de continuidade com que nós
já conhecemos" (pág. 338). Então, embora
uma das tarefas empreendidas por Myers, e seus colegas, fosse "uma
coleção e análise das evidências... que
apontavam diretamente para a sobrevivência do espírito
do homem" (pág. 4), ele entendeu que a evidência
aparentemente muito discrepante das implicações da
neurologia e da psicologia modernas tinha que ser integrada de alguma
maneira às neurologia e psicologia modernas, se ela carregasse
qualquer convicção: "tornou-se gradualmente claro
para mim que antes de nós seguramente podermos demarcar qualquer
grupo de manifestações como definitivamente implicando
alguma influência além túmulo, seriam necessárias
mais pesquisas revisadas sobre as capacidades da personalidade encarnada
do homem do que psicólogos não familiarizados com
esta nova evidência atribuírem valor a elas" (pág.
4).
Em outras palavras, o objetivo de
Myers era descobrir se existem características e traços
da personalidade encarnada que sustentam a possibilidade da personalidade
humana ser mais extensa do que aquilo que é manifestado num
organismo biológico em particular, e Human Personality, com
seu volumoso material empírico, desenvolve-se dentro da armação
teórica de uma consciência mais ampla que a consciência
que nós estamos ordinariamente cientes, tal foi o resultado.
Susy Smith fez um excelente
trabalho ao resumir Human Personality, e eu espero que esta síntese
atraia leitores que se sintam amedrontados pela versão completa
de 1360 páginas. Não obstante, eu espero que os leitores
venham a entender que uma redução de 1360 páginas
para 350, não importa quão boa seja, muito material
interessante e essencial do original é necessariamente perdido.
Como Gardner Murphy advertiu (Murphy, 1975, pág. iv), uma
leitura cuidadosa dos dois volumes completos, inclusive os volumosos
apêndices que contém a maior parte do material de suporte,
é "o único meio que pelo qual a força
do documento e o significado filosófico de Myers podem ser
entendidos". Eu espero que o presente resumo afie suficientemente
o apetite dos leitores para remetê-los ao trabalho completo.