Os estudos do Espiritismo com crianças
e adolescentes, em geral, refletem as diversas práticas das
escolas de ensino regular. Tais práticas estão baseadas
em concepções de homem, de mundo e de educação
que lhes dão sentido ao refletir um tempo histórico
e uma sociedade com suas demandas políticas, econômicas,
culturais e sociais.
É importante que as instituições
espíritas tenham consciência de quais são as concepções
norteadoras de seus trabalhos com a infância e juventude. Isto
significa que, no momento de escolher uma metodologia para o estudo
espírita destinado a este público, é preciso
ter clareza do que está implícito em cada prática
existente. Para tanto, é fundamental considerar as características
do objeto de estudo (a Doutrina Espírita), do grupo, dos trabalhadores
desta área, da instituição e da comunidade em
que está inserida.
Atualmente, os estudos realizados
em diversas universidades do mundo apontam a Metodologia de Projetos
como uma ferramenta metodológica versátil, que se adequa
a necessidades e realidades diferentes. Esta Metodologia está
baseada em concepções de ensino e de aprendizagem contemporâneas,
nas quais todos os envolvidos no processo são provocados a
encontrar, nos conhecimentos produzidos pela humanidade, soluções
para problemas e desafios reais. Um projeto didático trata-se
de:
(...) uma pesquisa ou uma investigação,
mas desenvolvida em profundidade sobre um tema ou um tópico
que se acredita interessante conhecer. (...) é um esforço
investigativo, deliberadamente voltado a encontrar respostas convincentes
para questões sobre o tema.
(ANTUNES, 2001, p. 15).
Todo projeto parte de um problema ou situação
desafiadora a ser resolvida da melhor forma possível. Para
isto, a criatividade e as diferenças individuais dos integrantes
do grupo são valorizadas e consideradas fundamentais, pois
ampliam o horizonte das percepções do problema em foco,
bem como multiplicam as possibilidades de solução e
de estratégias para alcançá-las.
Desse modo, os conteúdos deixam de ser estudados porque alguém
disse que é preciso e passam a ser buscados como instrumentos
preciosos para a compreensão e a intervenção
no mundo. Assim, esta metodologia contribui para que os sujeitos da
aprendizagem possam analisar criticamente o meio no qual estão
inseridos, aguçando a curiosidade filosófica e, ao serem
mobilizados por uma situação observada, buscar, com
autonomia e criatividade, formas de intervir na realidade visando
encontrar uma solução.
Com o intuito de educar para a
vida, a Metodologia de Projetos deve considerar processos pedagógicos
que envolvam a responsabilidade, o respeito, a igualdade, a autodireção,
a autonomia, a proposição de soluções
múltiplas, o pensamento independente, enfim, a vivência
da democracia em ações, atos e atitudes que levem
à aprendizagem.
(BEHRENS, 2008, p.38)
A presença constante de atividades em grupo, de debates, de
socializações de experiências e pesquisas realizadas
em diversas fontes, oportuniza o desenvolvimento da autonomia, do
fazer científico e do senso crítico de todos os envolvidos.
Como todos têm a meta de produzir algo que responda ao problema
inicial, há um clima de colaboração e as aulas
ficam, naturalmente, mais movimentadas e prazerosas, além de
elevar a autoestima de todos os envolvidos na medida em que as etapas
vão sendo superadas. Além disto, estas atividades oferecem
a vivência do que o educador Paulo Freire chamou de "escuta
amorosa", na qual todos ouvem com atenção a fala
do outro e o respeito às diferenças individuais, sobretudo
no que se refere ao pensar diferente, é exercitado. O diálogo
é constantemente usado na mediação de conflitos
visando ao bem comum e à autogestão.
O trabalho baseado na Metodologia de Projetos abre a possibilidade
de se explorar os conteúdos programados dentro de situações
reais de uso, desta forma, a aprendizagem torna-se mais significativa,
ampla e aprofundada, pois não ocorre em apenas uma aula, mas
ao longo de um período. Como a aprendizagem acontece dentro
de um contexto, ao vivenciar situações semelhantes,
a criança ou o jovem tem mais possibilidades de conseguir utilizar
os conhecimentos adquiridos, demonstrando que as aprendizagens não
ficaram apenas no campo do saber, pois estão presentes em seu
dia a dia através de suas atitudes e procedimentos.
Como as crianças e jovens passam a compartilhar o poder de
decisão sobre o que, por que e como estudar, em geral, desenvolvem
a autonomia, demonstram maior interesse nas aulas e compromisso na
realização das atividades. Isto também é
vivido pelos educadores na relação com a coordenação
e a direção do Centro uma vez que deixam de receber
os planos de aula prontos e passam a elaborá-los com base nas
necessidades e escolhas definidas conjuntamente no grupo. Desta forma,
o educador também desenvolve sua autonomia e criatividade.
Ninguém é autônomo
primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na
experiência de várias, inúmeras decisões,
que vão sendo tomadas. (...) A autonomia, enquanto amadurecimento
do ser para si, é processo, é vir a ser. Não
ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia
da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras
da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências
respeitosas da liberdade.
(FREIRE, 1996, p. 120-121)
O educador é constantemente
desafiado a ampliar e a aprofundar os seus estudos e habilidades,
uma vez que não se trata de dar uma aula sobre um assunto que
domine, determinando o que deve ser ensinado, direcionando as atividades
desta ou daquela forma. Trata-se de ajudar o grupo a alcançar
um desafio escolhido, buscando junto, nos conhecimentos e habilidades
(já presentes no grupo ou construídos ao longo do projeto),
as ferramentas adequadas e a melhor forma de utilizá-las.
Segundo Paulo Freire, "(...) ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria
produção ou a sua construção."
(1996, p. 52). Assim, o educador pode
sentir-se livre para assumir que não sabe o suficiente sobre
algo, pois não se coloca na sala de aula como aquele que sabe
e vai passar o seu conhecimento como se fizesse uma transfusão
de saberes, mas como aquele que está junto para pesquisar,
apoiar e orientar os estudos.
Ao buscar resolver um problema, podem surgir situações
que extrapolem as condições de o grupo resolver por
si só, ou que poderiam ter um resultado bem melhor se unissem
forças com outros grupos. Neste contexto, o trabalho com projetos
didáticos pode abrir espaço para interações
e parcerias com pais, outras turmas, coordenações e
instituições, inclusive as não espíritas
como ONG's, igrejas, postos de saúde, bibliotecas e escolas,
Corpo de Bombeiros, Conselho Tutelar, dentre outros.
Essas articulações entre diversos agentes e diferentes
instituições, são essenciais num processo de
renovação social, quando, segundo Kardec,
(...) todos
os obstáculos à nova ordem de coisas queridas por
Deus, para transformação da Terra, terão desaparecido;
a geração que se levanta, imbuída de idéias
novas, terá toda a sua força, e preparará o
caminho daquela que inaugurará o triunfo definitivo da união,
da paz e da fraternidade entre os homens, confundidos numa mesma
crença pela prática da lei evangélica.
(KARDEC, 1863, 252)
O desenvolvimento de projetos didáticos oportuniza o exercício
dessa união, paz e fraternidade postas por Kardec, pois instiga
todos os agentes envolvidos no processo a se portarem de maneira participativa,
colaborativa e respeitosa.
A Metodologia de Projetos pode contribuir para a melhoria do trabalho
realizado nas instituições espíritas, pois colabora
para formar homens de bem. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo,
O verdadeiro
homem de bem é aquele que pratica a lei de justiça,
de amor e caridade, na sua maior pureza. Se interroga a sua consciência
sobre os próprios atos, pergunta se não violou essa
lei, se não cometeu o mal, se fez todo o bem que podia, se
não deixou escapar voluntariamente uma ocasião de
ser útil, se ninguém tem do que se queixar dele, enfim,
se fez aos outros tudo aquilo que queria que os outros fizessem
por ele. (...) É bom, humano e benevolente para com todos,
sem distinção de raças nem de crenças,
porque vê todos como irmãos. Respeita nos outros todas
as convicções sinceras, e não lança
o anátema aos que não pensam como ele.
(KARDEC, 2005, 222-223)
As concepções e práticas vivenciadas por meio
da metodologia de projetos podem ser um instrumento para que os diversos
agentes envolvidos no processo de ensino-aprendizagem sejam capazes
de perceber o que se passa ao seu redor. O projeto possibilita o exercício
do colocar-se no lugar do outro. É uma alternativa para educandos
e educadores se sensibilizarem, extrapolando a esfera do conhecimento
a fim de mobilizar saberes e agregar pessoas na busca de soluções
para problemas individuais e coletivos.