(trecho inicial)
1 – O contexto
Os dados sobre opção
religiosa do último Censo Demográfico confirmaram
o que os cientistas sociais da religião já vinham
alertando há duas décadas: o rebanho evangélico
vem crescendo de modo extraordinário e acelerado no Brasil.
Segundo o IBGE, os adeptos dos diferentes ramos e denominações
evangélicos praticamente dobraram de número entre
1991 e 2000, saltando de 13,3 para 26,1 milhões, o que representa,
em termos proporcionais, um avanço de 9,1% para 15,4% da
população brasileira. A maioria desses religiosos
(67,6%), cumpre frisar, pertence à vertente pentecostal,
isto é, a igrejas, como Assembléia de Deus, Congregação
Cristã no Brasil, Evangelho Quadrangular, Deus é Amor,
Universal do Reino de Deus, entre outras. Tais dados atestam que
as igrejas do protestantismo tradicional, oriundas da Reforma Protestante,
vêm perdendo terreno para os pentecostais.
O que os dados do IBGE não revelam, mas pesquisas sociológicas
e antropológicas mostram sobejamente, é que tal crescimento
vem ocorrendo concomitantemente com uma ampla transformação
na conduta e no modo de ser dos pentecostais. Mudança que
se estende à forma desses religiosos se relacionarem com
a sociedade e a cultura envolvente, o que é tanto causa como
conseqüência dessa expansão numérica. Em
suma, o tradicional rigorismo puritano e o notório sectarismo
desse grupo religioso vêm sendo, paulatinamente, minimizados
nos últimos anos.
São diversos os motivos da ocorrência desse fenômeno:
ao se tornar uma grande minoria religiosa, esse grupo, antes organizado
em pequenas comunidades de crentes, foi perdendo sua capacidade
de impor regras comportamentais restritivas, sobretudo nas igrejas
que, em seus enormes templos e catedrais, passaram a realizar os
cultos espetaculares de massa, vários dos quais centrados
em exorcismos coletivos; ao diversificar-se institucionalmente e
socialmente, passou a abranger cada vez mais segmentos de classe
média, que, em geral, são pouco afeitos a condutas
rigoristas e puritanas; ao adotar novas estratégias proselitistas
e, sobretudo, ao inserir-se em inusitados e inesperados espaços
sociais – em detrimento de seu pregresso sectarismo, que apregoava,
por exemplo, “crente não se mete em política”
–, tais como a mídia eletrônica e a política
partidária, teve de se acomodar às pressões,
regras e exigências dessas instituições midiáticas
e políticas; ao optar pelo marketing, viu-se constrangido
a adaptar seus cultos, crenças e práticas religiosos
às demandas, sempre diversificadas, mas, principalmente,
das massas pobres, de indivíduos interessados na solução
mágico-religiosa de seus problemas cotidianos. Com isso,
eles, em particular os neopentecostais, cuja principal representante
é a Igreja Universal do Reino de Deus, vêm se tornando
cada vez mais indistintos da cultura e da sociedade envolventes.
Pode-se dizer até mesmo que, em diversos casos, vigora como
que uma inusitada e, aparentemente paradoxal, fascinação
de muitos evangélicos pela mundanidade que os envolve. Fascinação
que se expressa por certa avidez em se apropriar de tudo aquilo
que, produzido para finalidades mundanas ou não-religiosas,
mostra-se simbólica e esteticamente sedutor, mobilizador
de atenções, consumível em grande escala, racionalizador
de esforços. Mídia, marketing, computação,
Internet, artes visuais, moda, estética moderna, músicas
profanas, estilos e comportamentos de vanguarda, rapidamente são
incorporados, ressemantizados ou instrumentalizados, individual
e institucionalmente, por crentes e grupos de todas as vertentes
evangélicas para incrementar a pregação e divulgação
do Evangelho.
Vários cientistas sociais têm pesquisado as particularidades
e, sobretudo, as conseqüências da expansão desse
vigoroso movimento religioso no Brasil e na América Latina.
As pesquisas e análises de campo permitem observar que, em
territórios como os da política partidária
(Freston, 1992; Mariano, 1995; Oro, 2001),
de esportes como o futebol (Jungblut, 1994)
e dos ritmos e estilos de musicalidade profana (Pinheiro,
1998), todos anteriormente não somente desabitados,
mas também repudiados e demonizados – em razão
de seu mundanismo – por esses religiosos, ingressam os evangélicos
pentecostais e de modo cada vez mais intenso, participativo, visível,
vocal.
Isso só faz aumentar o impacto social e cultural que a adesão
aos grupos evangélicos provoca nos imaginários, nos
valores e nas práticas de grupos e indivíduos excluídos
da sociedade brasileira. Seja pela valorização da
autonomia empresarial e desvalorização do trabalho
assalariado, promovidos pelos difusores eclesiásticos da
Teologia da Prosperidade nos templos neopentecostais (Freston,
1992; Mariano, 1995), seja em decorrência dos discursos
disciplinares e higienizadores dirigidos às famílias
dos estratos mais pobres pelos pastores em geral (Machado
& Fernandes, 1985), seja pela eticização
operada pelo incessante combate mágico-religioso às
drogas e ao álcool (Mariz,
1994), a religião evangélica tem deixado marcas profundas
em parcelas expressivas dos segmentos mais pobres da sociedade brasileira,
onde ela mais se dissemina.
2 – A Igreja Universal do Reino de Deus, sua identidade e
o mercado religioso