Espiritualidade e Sociedade



Alexander Jabert

>   Formas de administração da loucura na Primeira República: o caso do estado do Espírito Santo

Artigos, teses e publicações

Alexander Jabert
- Professor do Departamento de Psicologia / Universidade Federal de Sergipe
>   Formas de administração da loucura na Primeira República: o caso do estado do Espírito Santo



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História, Ciências, Saúde – Manguinhos,
v. 12, n. 3, p. 693-716, set.-dez. 2005.



RESUMO

A proposta deste estudo está inserida na problemática da constituição das instituições de administração da loucura e do louco na fase Primeira República. Pretende-se analisar as formas com que o poder público desenvolveu políticas de atenção ao louco, observando particularmente o caso de uma unidade da Federação - o estado do Espírito Santo -, notando se as características da experiência capixaba podem validar as hipóteses sobre o tema defendidas na esfera nacional.

O estudo tem como objetivo mostrar a complexidade da articulação entre loucura, sociedade, medicina e Estado. A preocupação recai, especialmente, sobre a discussão do processo que transformou a medicina em saber e prática hegemônica de justificação e validação da tutela do louco pelo poder público.

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Fonte:
http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v12n3/04.pdf

JABERT, Alexander. Formas de administração da loucura na Primeira República: o caso do estado do Espírito Santo. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 12, n. 3, dez. 2005 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702005000300004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 27 jul. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702005000300004.

 

(trecho inicial)

O estabelecimento de regimes republicanos nas sociedades ocidentais a partir do final do século XVIII e início do século XIX produziu um problema político de difícil solução. Esse problema pode ser traduzido numa simples pergunta: o que fazer com os loucos? O dilema era constituído da seguinte forma: o indivíduo, por ser insensato, não podia ser responsabilizado judicialmente, portanto não podia ser objeto de sanções. Devia, então, ser reeducado para ter condições de se encaixar no mercado de trabalho e no sistema produtivo. Mas, por perturbar a ordem pública, era preciso puni-lo. Como realizar esse controle e essa tutela sem correr o riscode cairno arbítrio e no autoritarismo?

Para Robert Castel (1978), a medicina mental permitiu ao Estado estabelecer uma gestão técnica dos antagonismos sociais ao apresentar uma solução para a administração da loucura ao poder público. Para esse autor, o conceito de administração da loucura se refere tanto à capacidade do governo de produzir soluções para o problema da legalidade do controle dos alienados,quanto à transformação desse problema, possibilitada pela intervenção psiquiátrica, numa 'questão puramente técnica'.

Assim, o problema associado ao louco, configurado como um entrave para o estabelecimento de uma sociedade baseada nos conceitos de pacto social e de livre circulação de homens e de mercadorias, portanto um problema político, transformou-se num problema técnico-científico, cabendo ao médico a tarefa de realizar o diagnóstico do cidadão suspeito de ser portador de uma alienação mental e de, em caso afirmativo, determinar o 'tratamento' indicado, ou seja, a seqüestração do louco. Dessa forma, teria ocorrido um incremento do poder coercitivo do Estado, permitindo-lhe melhorar o controle e a regulação dos grupos sociais marginais. A internação passou a ser determinada por um conhecimento técnico-científico, com valor legal – mesmo não possuindo estatuto jurídico e, portanto, sem correr o risco de o Estado ser acusado de legislar arbitrariamente ou de ameaçar as instituições democráticas republicanas.

Grande parte dos trabalhos em história da psiquiatria tem como característica a definição desse saber como um instrumento privilegiado do processo de medicalização, controle e disciplinarização da sociedade, que teria se intensificado na passagem do século XIX para o século XX, a partir de uma aliança estratégica realizada entre o saber médico e o poder público. No Brasil, um dos marcos dessa história seria o decreto que criou o primeiro hospício em território nacional, em 1841, o Hospício de Pedro II, e sua inauguração em 1852. Outro teria sido a instauração do regime republicano em 1889, quando o Hospício de Pedro II, antes administrado pela Santa Casa de Misericórdia, foi estatizado e passou a contar com uma direção exclusivamente médica.

Nessas mesmas análises o hospício é definido como a instituição pela qual se deu a efetivação do processo de constituição social da medicina como saber hegemônico de validação das práticas de controle e tratamento da loucura. Em outras palavras, a psiquiatria teria se tornado o saber e a técnica responsáveis pela administração da loucura nas sociedades capitalistas. O asilo, transformado em hospital psiquiátrico, seria a instituição por meio da qual a psiquiatria possibilitaria à sociedade, e ao Estado em particular, resolver o problema social gerado pelo louco. Essa instituição é vista, assim, como uma peça-chave da estratégia social de segregação do louco e da loucura (Machado etal., 1978; Jacobina, 1982; Portocarrero, 1990; Amarante, 1982).

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