O pensamento pedagógico, orientador
dos processos educacionais superiores, resulta da reflexão sobre
os problemas da educação. Jesus não era um educador
no sentido comum da palavra. Não possuía, como homem,
nenhum experiência educativa. Sua profissão era a do pai,
segundo a tradição familiar: carpinteiro. Deixando de
lado os problemas referentes à sua origem e natureza divinas
e encarando humanamente os fatos poderíamos falar numa Pedagogia
de Jesus?
A História nos mostra o aparecimento
de gênios que superaram por si mesmos as deficiências de
sua formação cultural e deram lições aos
mestres qualificados. Esse é um capítulo que constitui
verdadeiro mistério da Ontogênese, a ciência que
trata da formação dos seres. Mas no Espiritismo o problema
se esclarece facilmente com a lei da reencarnação. Esta
lei nos explica que os espíritos se encarnam em diferentes graus
de evolução, o que por sua vez explica as vocações
que superam o meio cultural em que nascem certas criaturas e consequentemente
resolve o problema da genialidade.
O que revela a existência de um
pensamento pedagógico na orientação educacional
dada por um mestre não são os seus títulos, são
as coordenadas e a estrutura do seu ensino. Toda pedagogia se funda
numa filosofia. No caso de Jesus a filosofia básica é
a dos Evangelhos. Essa filosofia, que é a própria essência
do Cristianismo, fornece a Jesus as diretrizes e dela resulta o reconhecimento,
já largamente efetuado no plano pedagógico, de uma verdadeira
Pedagogia de Jesus.
Francisco Arroyo, em sua monumental
"História Geral da Pedagogia", sustenta o seguinte:
"Com o Cristianismo aparece
um novo tipo histórico de educação. ––
Jesus é o modelo perfeito do mestre cristão. Clemente
de Alexandria chama-o de Pedagogo da Humanidade".
O mesmo autor nos fornece esta breve
mas expressiva lista de obras a respeito: "Cristo como mestre e
educador, de S. Raue, Berlim, 1902; "Didática de Cristo",
Metzler, publicado em Kempton, 1908; "Jesus, educador de seus apóstolos",
G. Delbrel, Paris, 1916".
Os historiadores da Educação
e da Pedagogia, entre os quais Monroe, Hubert, Luzuriaga, Marrou, Riboulet,
Messer, Bonatelli, todos reconhecem a existência de uma Pedagogia
de Jesus que deu origem às várias formas da Pedagogia
Cristã, nascida, como nota Arroyo, entre as formas pedagógicas
da Humanitas latina e da Paidéia grega. Não se trata,
pois, de uma novidade ou de um problema controverso, mas de assunto
pacífico no campo pedagógico.
Fundamentos pedagógicos
Os fundamentos pedagógicos do
ensino de Jesus estão na sua concepção do mundo,
abrangendo o homem e a vida. Essa cosmovisão se opõe à
concepção pagã e à concepção
judaica. Jesus, assim, não é apenas um reformador religioso,
mas um filósofo na plena acepção da palavra. Ele
modifica a visão antiga do mundo e essa modificação
atinge a todas as filosofias do tempo, não obstante os pontos
de concordância existentes com várias delas. Bastaria isso
para nos mostrar, à luz da Ciência da Educação,
a legitimidade da tese que inclui Jesus entre os grandes educadores
e pedagogos, colocando-o mesmo à frente de todos. Não
se trata de uma posição religiosa, mas de uma constatação
científica.
A comparação entre a idéia
de Deus do Velho Testamento e a idéia de Deus do Novo Testamento
mostra-nos a diferença entre o mundo judeu e o mundo cristão.
O Deus de Jesus é o pai de todas as criaturas, sem distinção
de raças ou posições sociais. Essa paternidade
universal determina a fraternidade universal. O Deus-Pai do Evangelho
não é vingativo nem irado, não comanda exércitos
para destruir povos e nações, mas ama a todos os seus
filhos, quer a salvação de todos e a todos concede o seu
perdão generoso. Como diria Paulo mais tarde, o tempo da lei
e da força fora substituído pelo tempo da graça
e do amor.
Os deuses olímpicos, cheios de
paixões humanas, e os deuses brutais dos fenícios e dos
babilônios, os deuses monstruosos dos egípcios, dos indianos
e dos chineses são substituídos pelo Deus-amor e paternal
do Evangelho. O próprio Jeová irascível dos judeus,
ciumento e vingativo, perde o seu poder sobre o mundo. Os pobres, os
doentes, os sofredores, os escravos deixam de ser os condenados dos
deuses e passam à categoria de bem-aventurados. A virtude não
está mais na bravura e no heroísmo sangrento de gregos
e romanos, mas na paciência e no perdão. Dar é melhor
do que conquistar, humilhar-se é melhor do que vangloriar-se,
responder ao mal com o bem é a regra da verdadeira pureza espiritual.
Os mortos não estão mortos, nem mergulhados nas entranhas
da terra à espera do juízo final, mas estão mais
vivos que os vivos.
Da velha lei judaica não é
modificado um só ponto referente ao bom procedimento do homem
da Terra, mas tudo o mais é substituído pelo contrário.
O culto a Deus é virado pelo avesso: nada mais de sacrifícios
materiais, de rituais simbólicos, de privilégios sacerdotais.
O único sacrifício é o das más paixões,
do orgulho, da arrogância, da cupidez. A vaidade e a ambição
devem dar lugar à humildade e à renúncia. A ignomínia
da cruz transforma-se em santificação. As pitonisas e
os oráculos são substituídos pelas manifestações
mediúnicas das reuniões evangélicas, como vemos
em Paulo, I Coríntios.
O objetivo da vida humana não
é mais a conquista do céu pelo violência, mas a
implantação do Reino de Deus na Terra. As riquezas e o
poder não são coisas desejáveis e invejáveis,
mas fascinações perigosas que podem levar a criatura humana
à perdição. As crianças não são
desprezíveis, mas as preferidas de Deus, e para nos tornarmos
dignos d'Ele temos de nos fazer crianças. Matar os pequeninos,
os inocentes, os indefesos não é prova de valentia e de
coragem, mas crime aos olhos de Deus.
Não se consegue a salvação
pela obediência à lei e pelos rituais do culto (as obras
da lei), mas pelo aperfeiçoamento do espírito, pela purificação
do coração, pela educação integral da criatura.
Por isso é preciso nascer de novo –– não em
forma simbólica, mas naquele sentido que Nicodemos não
podia compreender: nascer da água e do espírito (a água
era o símbolo da matéria, do poder fecundante e gerador),
nascer para se redimir, não da desobediência de Adão
e Eva, mas dos seus próprios erros, como aconteceu ao cego de
Jericó, como sucedera a Elias reencarnado em João Batista.
A pedagogia da esperança
Desses princípios fundamentais
resultava logicamente a Pedagogia da Esperança. A educação
não era mais o ajustamento do ser aos moldes ditados pelos rabinos
do Templo, a imposição de fora para dentro da moral farisaica,
mas o despertar das criaturas para Deus através dos estímulos
da palavra e do exemplo. A salvação pela graça
não era um privilégio de alguns, mas o direito de todos.
Jesus ensinava e exemplificava e seus discípulos faziam o mesmo.
Chamava as crianças a si para abençoá-las e despertar-lhes,
com palavras de amor, os sentimentos mais puros. Nem os apóstolos
entenderam aquela atitude estranha: um rabi cheio da sabedoria da Torá
perder tempo com as crianças ao invés de ensinar coisas
graves aos homens. Mas Jesus lhes disse: "Deixai vir a mim os pequeninos,
porque deles é o Reino dos Céus".
Sua condição de mestre
é afirmada por ele mesmo: "Vós me chamais mestre
e senhor, e dizeis bem, porque eu o sou". Sim, ele é o mestre
do Mundo, o senhor dos homens, de todos os homens, sem qualquer distinção.
Cada criatura humana é para ele um educando, um aluno, como escreveu
o Dr. Sérgio Valle: "matriculado na Escola da Terra".
Assim, a Terra não é mais o paraíso dos privilegiados
e o inferno dos condenados. É a grande escola em que todos aprendemos,
em que todos nos educamos. A Pedagogia da Esperança oferece a
todos a oportunidade de salvação, porque a salvação
está na educação.
Vejamos este expressivo trecho de Francisco
Arroyo em sua "História Geral da Pedagogia":
"Jesus possui todas as qualidades
do educador perfeito. Os recursos pedagógicos de que se serve
conduzem o educando, com feliz e profunda alegria, à verdade
essencial dos seus ensinos. Por isso pode sacudir e despertar a consciência
adormecida do seu próprio povo, asfixiado sob o peso excessivo
da lei mosaica e da política imperialista da época".
"Os ensinos de Jesus são
sempre adaptados aos ouvintes. Ele pronuncia as suas palavras de forma
compreensível para todos, sempre nas ocasiões mais oportunas.
Recorre freqüentemente às imagens e parábolas,
dando maior plasticidade às suas idéias".
"A Pedagogia do mestre é
também gradual. Não cai jamais em precipitações
que possam fazer malograr o aprendizado. Semeia e espera que as sementes
germinem e frutifiquem: Tenho ainda muito a vos dizer, mas vós
não o podeis suportar agora".
"Como todo educador genial, Jesus
emprega em alto grau a arte de interrogar, de expor, de excitar o
interesse dos discípulos. Seus colóquios decorrem sempre
num ambiente de incomparável simpatia. É digno, severo,
paciente, segundo as circunstâncias e os interlocutores".
Os seus ensinos são claros
e intuitivos. Cria figuras literárias e busca exemplos da vida
cotidiana para esclarecer o seu pensamento. Aperfeiçoou a forma
da parábola e revestiu-a de incomparável esplendor"
(Riboulet).
"Seus ensinos têm um toque
de autoridade (Eu sou o caminho , a verdade e a vida, todo o poder
me foi concedido). Mas exerce com suavidade a sua autoridade. Responde
com bondade aos contraditores de boa fé e com energia aos que
querem combatê-lo".
A revolução pedagógica
Este quadro da didática de Jesus
(aplicação da sua pedagogia) mostra-nos as raízes
da revolução pedagógica do Cristianismo. Costuma-se
dizer, e com razão, que Rousseau produziu uma revolução
copérnica na educação. Mas a seiva de toda a Pedagogia
de Rousseau foi bebida na Pedagogia de Jesus. O "Emílio"
começa por esta frase: "Tudo está certo ao sair das
mãos do Criador". Os homens, para Rousseau, nascem bons
e puros, pois Deus é bondade e pureza. Mas ao entrarem nas relações
sociais do mundo sofrem a queda na maldade e na impureza. É o
dogma judeu da queda de Adão e Eva racionalizado numa interpretação
cristã. Para Jesus a criança é pura e boa, mas
o contato com os homens vai deformá-la e os homens precisam voltar
a ser crianças para entrar no Céu.
A descoberta copérnica da psicologia
infantil por Rousseau corresponde à diferença estabelecida
por Jesus entre a criança e o homem. A respeito de Rousseau pelo
desenvolvimento natural e gradual da criança, que não
deve ser perturbado por exigências prematuras do ensino, eqüivale
à condenação de Jesus para todos aqueles que violentarem
"um desses pequeninos". A educação natural de
Rousseau, seguindo a graduação necessária do desenvolvimento
psicológico e orgânico, lembra o respeito de Jesus pelas
condições evolutivas do homem nos seus vários estágios,
guardando os ensinos mais profundos para mais tarde. É o que
Arroyo chama "o método agógico da Pedagogia de Jesus".
Uma comparação mais rigorosa
e pormenorizada provaria de sobejo que é Jesus o pai e o verdadeiro
inspirador da Pedagogia Moderna. Houve naturalmente o interregno do
medievalismo, quando as interpretações errôneas
do Cristianismo e as infiltrações de idéias judaicas
e pagãs na escola cristã a deformaram. Mas essa fase já
havia sido prevista pelo Mestre e esse fenômeno confirma o seu
respeito pelas leis naturais da evolução humana. A parábola
do grão de trigo, ensino dialético do processo histórico,
é suficiente para demonstrar isso. A parábola do fermento
que leveda a farinha é outra confirmação.
E dessas duas parábolas, reforçadas
pela promessa do Espírito da Verdade, que seria enviado ao mundo
para restabelecer os seus ensinos, ressalta que a Pedagogia Espírita
é a própria ressurreição, no tempo devido
e previsto no Evangelho, da Pedagogia de Jesus. A Educação
Espírita que renasce em espírito e verdade.
Fonte: Pedagogia Espírita, Edição
EDICEL.
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