"A morte é uma continuação.
O meu olhar penetra o mais que é possível nessa sombra,
onde vejo, a uma profundidade que seria amedrontadora, se não
fosse sublime, dealbar-se o imenso arrebol da eternidade."
O que é que faz o homem livre?
A alma. Quem diz livre, diz responsável.
Responsável por tudo nesta vida?
Efetivamente não, porquanto
nada há mais demonstrado do que a prosperidade possível
e frequente dos maus e o infortúnio imerecido dos bons durante
a sua passagem sobre a Terra.
Quantos homens justos não tiveram
só angústias e misérias até o seu derradeiro
dia? Quantos homens criminosos viveram até a mais extrema velhice
no gozo pacífico e sereno de todos os bens deste mundo, neles
incluindo a consideração e o respeito de todos! É
o homem, então, responsável depois da vida? Evidentemente
sim, pois que não o é durante ela. Alguma coisa dele sobrevive
para submeter-se a essa responsabilidade: a alma.
A liberdade da alma explica a sua imortalidade.
A morte não é, portanto, o fim de tudo. Ela não
é senão o fim de uma coisa e o começo de outra.
Na morte o homem acaba, e a alma começa. Tome-se por testemunho
o que considerar do rosto de um ente amado com essa ansiedade estranha
feita de esperança e de desesperança. Digam esses que
atravessaram essa hora fúnebre, a última alegria, a primeira
do luto, digam se não é verdade que bem se sente que ainda
há ali alguém, que tudo não acabou?
Sente-se em roda dessa cabeça
como o frêmito de asas que acabaram de expandir-se, uma palpitação
confusa e inaudita que flutua no ar ao redor desse coração
que não mais bate. Essa boca aberta parece chamar o que acaba
de partir e dir-se-ia que deixa cair palavras obscuras no Mundo Invisível.
Eu sou uma alma.
Bem sinto que o que darei ao túmulo
não é o meu Eu, o meu Ser. O que constitui o meu Eu, irá
além.
Terra, tu não és o meu
abismo.
O homem outra coisa não é
senão um cativo.
O
prisioneiro escala penosamente os muros da sua masmorra, sobe de saliência
em saliência, coloca o pé em todos os interstícios
para alcançar o respiradouro. Aí, olha, distingue ao longe
a campina, aspira o ar livre, vê a luz.
Assim é o homem.
O prisioneiro não duvida que
encontrará a claridade do dia, a liberdade. Como pode o homem
duvidar se vai encontrar a Eternidade a sua saída? Por que não
possuirá ele um corpo sutil, etéreo, de que nosso corpo
humano não é nada mais que grosseiro esboço?
A alma tem sede do absoluto e o absoluto
não é deste mundo. É por demais pesado para esta
Terra. Há duas leis, a lei dos globos e a lei do Espaço.
A lei dos globos é a morte. O limite exige a destruição.
A lei do Espaço é a Eternidade. O Infinito permite a continuação.
Entre os dois mundos, entre as duas
leis, há uma ponte: a transformação. A ambição
do vivo dos globos deve ser, pois, tornar-se um vivo no Espaço.
O mundo luminoso é o Mundo Invisível.
O Mundo do Luminoso é o que não vemos. Os nossos olhos
carnais só vêem a noite. Ai do que vive com os olhos abertos
sobre o mundo material e com as costas voltadas para o mundo desconhecido!
A morte é uma mudança
de vestimenta.
Alma, tu estavas vestida de sombra,
agora vais te vestir de luz. É no túmulo que o homem faz
o último progresso.
Na morte, o homem se torna sideral.
A morte é a vindita da alma. A vida é o poder que tem
o corpo de manter a alma sobre a Terra, pelo peso que faz nela. A morte
é o poder que tem a alma de arrebatar o corpo fora da Terra pela
assimilação.
Na vida terrestre, a alma perde o que
irradia. Na vida extraterrestre, o corpo perde o que pesa.
A morte é uma continuação.
O meu olhar penetra o mais que é possível nessa sombra,
onde vejo, a uma profundidade que seria amedrontadora, se não
fosse sublime, dealbar-se o imenso arrebol da eternidade.
As almas passam de uma esfera para outra,
tornam-se cada vez mais luz, aproximam-se cada vez mais e mais de Deus.
O ponto de junção é
o infinito.
O que dorme e desperta, desperta e vê
que é homem.
O vivo que morre, desperta e vê
que é Espírito.
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O texto corresponde, com algumas modificações,
ao que pode ser encontrado no livro "O Espiritismo nas Ciências
Contemporâneas - Textos selecionados dos terceiro e sétimo
encontros nacionais da Liga de Pesquisadores do Espiritismo (LIHPE)"
(Ed. CCDPE-ECM, 2012). No artigo "Algumas anotações
sobre o Advento do Espiritismo" (p. 153-175) dessa referência,
Eduardo C. Monteiro atribui sua autoria a Victor Hugo. Não há
indicações da referência original. O título
do texto original (se houver) pode não corresponder ao título
deste post.

Fonte:
http://eradoespirito.blogspot.com.br/2012/08/o-que-e-morte-victor-hugo.html
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