Não é novidade ter
recentemente nascido uma polêmica que envolve espíritas,
a partir de resposta de Divaldo Pereira Franco em recente congresso
no qual ele opinou sobre diversos temas espíritas.
Um dos questionamentos pediu a apreciação de Divaldo
quanto a ideologia de gênero, o que ele comentou segundo
seu conhecimento e reflexões acerca desse complexo assunto,
cuja totalidade de compreensão e consequências ainda
nos escapa, tanto no sentido científico, sociológico,
quanto espiritual.
Qualquer parecer nesse sentido, proveniente de qualquer pessoa,
por enquanto não retratará a visão espírita
e sim uma visão particular de quem o emitir e que pode
ou não estar em sintonia com a verdade.
O fato é que suas palavras geraram reação
de pessoas que se intitulam “espíritas progressistas”
e que assinaram o que foi chamado de “manifesto”,
contendo fortes críticas ao pronunciamento do orador.
Divaldo tem críticos e admiradores. É um ser humano
como todos, com virtudes, imperfeições, conhecimento
doutrinário e opiniões pessoais, cuja obra fala
por ele. Usá-lo para “salvar” ou “perder”
a imagem do Espiritismo, é algo que precisa ser comentado.
Eis o que nos traz aqui.
O Espiritismo tem apenas um lado, e os espíritas deveriam
ter apenas o lado da doutrina codificada por Allan Kardec como
roteiro de moral, filosofia, ciência e conduta. Sendo indivisível,
os seguidores do Espiritismo se intitulam “espíritas”,
não existindo doutrinariamente falando “espíritas
laicos, progressistas, kardecistas” ou outros nomes incabíveis
desviados do objetivo doutrinário.
O Codificador, em O Livro dos Médiuns, faz uma referência
a alguns “tipos” de espíritas no tocante a
compreensão teórica e prática da Terceira
Revelação. São eles: espíritas sem
o saberem, espíritas experimentadores, espíritas
imperfeitos, verdadeiros espíritas ou espíritas
cristãos e espíritas exaltados. Sugerimos a leitura
da referida obra para conhecimento de cada um. Assim, os rótulos
que extrapolam o título “espírita”,
sugerindo existência de subdivisões doutrinárias,
pregam por si só a divisão, a segregação,
a classificação de pessoas as quais, na prática,
são definidas por sua conduta e nada mais.
Sendo uma filosofia com consequências morais, o Espiritismo
está inserido em no cotidiano e em todas as relações
humanas, pois tudo envolve moral; desse modo, não existe
espírita que o seja apenas dentro do centro espírita.
O espírita é, igualmente, cidadão do mundo,
submetido a direitos e deveres perante as leis.
Entre seus direitos e, porque não dizer, deveres, está
o de possuir posicionamento político. Portanto, o problema
não está em pensar diferente ou igual a Divaldo,
Haroldo Dutra ou qualquer outro divulgador da doutrina, esteja
ele encarnado ou desencarnado. E nesse sentido vale lembrar o
Espírito Erasto que alertou ser melhor “recusar 10
verdades a aceitar uma única mentira”!
Portanto, não é a crítica “em si”
que coloca em risco a unicidade da doutrina e sim o de “falar
em nome da doutrina”, equívoco de ambos os lados
na mencionada polêmica.
Pensamos que o mais grave problema gerado nas críticas
ao posicionamento de Divaldo começa com o rótulo
“progressista”. Repita-se, não existe nada
mais que “espírita”! Além disso, todos
deram pontos de vista, mas enquanto Divaldo o fez num evento específico,
questionado de forma direta, os tais “progressistas”
armaram um palco, subiram em cima e atiraram suas conclusões
ao mundo leigo, ou seja, entre os que não conhecem a doutrina
espírita, desse modo e inadvertidamente estimulando posicionamentos
menos filosóficos e mais ideológicos, os quais geraram
respostas infelizes em comentários depreciativos por todas
as redes sociais.
Nasceu, assim, aliás, clarificou-se assim a grande ruptura
que o Movimento Espírita vem experimentando e que, de certo
modo, permanecia discretamente velada. Divide-se, tristemente,
o movimento e este passou a se confundir aos olhos leigos com
a própria doutrina, devido a opiniões pessoais.
No entanto, frise-se, o Espiritismo permanece em pé, inabalado
em sua essência!
Nesse ponto há de esclarecer que há diferença
entre Espiritismo (a doutrina) de Movimento Espírita (o
que os espíritas entendem e fazem dela). E a partir dessa
compreensão é inegável que existem pontos
levantados por ambos os lados merecedores de consideração
e cuidadosas reflexões. Entre eles, entendemos que não
deve existir jamais a idolatria de “vivos”, sejam
oradores, palestrantes ou médiuns, nem “mortos”,
independente dos nomes que assinem as comunicações
espirituais. O Espiritismo tem voz coletiva (a dos espíritos
superiores) e não individual, seja encarnada ou desencarnada.
Por outro lado, não existe República de Curitiba,
denominação meramente política. Existe, tão
somente, a República Brasileira com um sistema judiciário
operando por todo o país e não concentrado apenas
em uma localidade, seja qual for.
Quanto ao conceito de identidade de gênero, é um
estudo que exige uma visão sistêmica, ou seja, de
várias áreas do saber humano, inclusive a espírita.
O que não é razoável é associá-la
tão simplesmente a uma visão política. Lembrando
que ao falar desse tema estamos falando de seres humanos com sentimentos
e direitos, não objetos inanimados, independente de gostarmos
ou aceitarmos seu status de gênero. Assim, minimizar sua
existência é maximizar nossa ignorância, enquanto
sociedade.
O Espiritismo não tem partido, cor ou ideologia. Espíritas
não deveriam colocar cor, partido e ideologias nele, ferindo
sua lógica fraternal, solidária e universal. Dessa
forma, dentre tantos pontos de vista que existem, nós que
assinamos esse artigo, afirmamos não coadunar, não
aceitar ver a filosofia que admiramos virar “assunto do
dia” por consequência da insatisfação
política de pessoas que não gostam que falem por
elas, mas se posicionam como se falassem por todos.
Igualmente, levantamos alerta para aqueles que acabam, de algum
modo, tornando-se referência dentro do movimento espírita
para que deixem claro quando sua manifestação se
trata de um posicionamento pessoal ou doutrinário. Lembrando
que podemos ter diferentes opiniões, mas, o objetivo é
caminharmos em igual direção: Deus e a perfeição.
“O Espiritismo será aquilo que os homens fizerem
dele", disse o grande pensador Leon Denis. Não ampliemos
a polêmica, que já foi suficientemente debatida,
mas reflitamos porque ela nasceu. E redescubramos o Espiritismo
como luz que clareia os passos dos seus mais honestos seguidores.