19/02/2006
Recentemente, confrades nos perguntaram se
poderia e como seria realizado um casamento no centro espírita.
Considerando que o assunto é de alta gravidade e de grande
repercussão, deliberamos escrever o presente texto. Lembrando
aos consultantes, sem muitas delongas, que não existe um
"casamento espírita" numa casa espírita.
O Espiritismo é uma doutrina filosófico-religiosa,
com aspectos científicos e conseqüências éticas
e morais, mas não se constitui numa estrutura clerical formalizada.
Desta forma, diferente de outrwas correntes religiosas, não
comporta em suas práticas nenhum cerimonial, rito, ou aspecto
específico ligado ao casamento. Ou seja, não há
cerimônia de casamento religioso espírita.
“O Espiritismo não tem sacerdotes e
não adota e nem usa em suas reuniões e em suas práticas:
altares, imagens, andores, velas, procissões, sacramentos,
concessões de indulgência, paramentos, bebidas alcoólicas
ou alucinógenas, incenso, fumo, talismãs, amuletos,
horóscopos, cartomancia, pirâmides, cristais ou quaisquer
outros objetos, rituais ou formas de culto exterior”. ([1])
Por muitas razões, não há espaço
no universo doutrinário para a celebração de
um "casamento religioso espírita", até porque,
se o Espiritismo tem seu pilar religioso é, porém,
destituído de rituais ou formas de culto exterior, tornando-se,
portanto, incompatível com a celebração da
cerimônia formal e ritualizada do casamento, que exige obrigatoriamente
uma carga de formalidade na sua celebração. Contudo
“é inadmitida a realização de atos formais
dentro da Doutrina Espírita”([2]).
A rigor o casamento é contrato jurídico solene, eminentemente
formal. “Isto quer dizer que tal ato deve ser sempre acompanhado
de fórmulas ou formalidades, até mesmo porque não
há casamento sem cerimônia formal, ainda que variável
quanto ao ritual seguido"([3]).
Muitos ingressam para as hostes do Espiritismo e
logo se sentem tentados a enxertar os seus hábitos à
realidade doutrinária. Há, por isso, os que pretendem
ter um batismo espírita; há aqueles que aguardam ansiosamente
por realizar um casamento espírita; e o que dizer de um confessionário
“mediúnico”? e os paramentos especiais para os
dirigentes dos centros?
Existem aqueles que forçam o caminho “legal”.
É importante aguçarmos a vigília até
porque “tentar utilizar o Poder Judiciário para chancelar
a celebração de "casamento religioso espírita",
como ato autêntico do Espiritismo, “seria violar a liberdade
de crença protegida constitucionalmente dos adeptos do Espiritismo,
ao impor ou chancelar pelas vias judiciais um ritual que não
é admitido em hipótese alguma dentro do Espiritismo
codificado por Allan Kardec.”([4])
Sobre isso, chega-nos informações
que o Ministério Público da Bahia entende que casamento
em centro espírita pode ter efeitos civis ([5])
pois que “a negação de efeitos civis a casamento
realizado em centro espírita violaria os valores constitucionais
da dignidade da pessoa humana e da liberdade religiosa, aludindo
que, como o Brasil é um Estado laico, não poderia
recusar efeitos civis a casamentos celebrados por líderes
de qualquer religião ou crença.([6])
Mas, no Espiritismo mesmo tendo seus fundamentos
religiosos (repetiremos isso mil vezes), não se admite a
prática de rituais. Inexiste autoridade religiosa ou sacerdotal
espírita. Portanto, "casamento religioso espírita"
é um contrato jurídico inexistente. Com muita lógica
o Poder Judiciário não autoriza o registro civil do
mencionado "casamento espírita", sob o fundamento
de que o presidente de um centro espírita não se constitui
como uma autoridade religiosa.
A propósito! Um presidente de centro espírita
pode ser investido na qualidade de autoridade religiosa ou sacerdotal
espírita?. Bem! Se segue a coerência dos postulados
espíritas, não pode ser investido na qualidade de
autoridade religiosa ou sacerdotal. Não se pode falar em
sacerdote ou autoridade religiosa no Movimento Espírita,
já que a noção de autoridade supõe a
existência de hierarquia religiosa entre seus adeptos ou entre
as instituições espíritas, o que não
é aceitável.
Por esse simples fato não se é possível
realizar um casamento espírita, nem muito menos buscar o
reconhecimento civil deste ato. Precisamos, portanto, ser enfáticos
e relembrar muitas vezes que não se admite no Espiritismo,
sob nenhuma hipótese, a figura dessa autoridade religiosa
ou sacerdotal espírita para validar uma cerimônia de
casamento. Por isso mesmo não lhe pode ser atribuída
validade civil exatamente por não ter o Espiritismo uma casta
de sacerdotes, nem um celebrante investido de autoridade religiosa.
Precisamos admitir que não é possível
ser espírita e, ao mesmo tempo, esposar princípios
contrários ao Espiritismo. Vamos pela lógica: se o
Espiritismo é uma Doutrina que não admite, por exemplo,
o culto de imagens, e se alguém, apesar de ler e compreender
a doutrina adora imagens e “crê no fogo do inferno e
outros dogmas irreconciliáveis com o Espiritismo, evidentemente
não é espírita. Quem assim ainda pensa pode
ser simpatizante, mas não é adepto da doutrina"([7]).
Aos fatos supracitados, não queremos radicalizar
e afirmar que o espírita não possa realizar uma reunião
social fraterna para o evento. Em lugar do sacerdote, terá
um amigo que realizará uma prece em favor do casal e, em
lugar da Igreja, utilizará os espaços do lar, ou um
local adequado para reunir os amigos e familiares. Não deve,
em hipótese alguma, utilizar as instalações
do centro espírita.
Tudo é uma questão de lógica
doutrinária.
Jorge Hessen