Ocultar informações
verdadeiras
consome grande energia no cérebro;
poder dizer o que se é e o que se pensa
deveria ser a norma
Quem "sai do armário"
costuma relatar a experiência como libertadora - mesmo que a admissão
muitas vezes infelizmente dê início a várias novas
dificuldades na vida. Quem recentemente ouvi falar sobre isso foi o
ator americano George Takei, que fez história pela primeira vez
como o Sr. Sulu da série Star Trek, mas hoje é igualmente
conhecido por seu ativismo pelas causas de gays, lésbicas e demais
pessoas discriminadas por suas preferências sexuais.
Takei somente "saiu do armário"
(e logo se casou com seu parceiro de longa data) aos mais de 60 anos
de idade, em 2005. E, aos 60 e tantos anos, se sentiu aliviado de poder
finalmente se dizer o que é, sempre foi e continuará sendo.
Por que admitir publicamente o que se
é pode ser algo tão poderoso, se não muda quem
se é? Minha resposta é "porque suprimir informação
verdadeira dá muito trabalho para seu córtex pré-frontal".
Nossa identidade é construída
e personalizada ao longo da vida conforme, entre vários outros
fatores, aquelas associações que nos dizem respeito vão
se reforçando no cérebro, formando redes de informações
que acontecem em conjunto: "Suzana" era o nome que eu ouvia
associado às minhas ações, junto com os conceitos
"Rio de Janeiro" (onde nasci), os nomes dos meus pais. Por
serem a minha verdade, essas associações se tornaram tão
fortes que minha tendência automática hoje é responder
com essas palavras à simples menção de "cidade"
ou "nome dos pais". Faça você mesmo o experimento
para testar: diga rapidamente seu nome, os dos seus pais, e onde você
nasceu.
Agora, experimente responder de novo,
igualmente rápido, mas com quatro mentiras seguidas. Duvido que
consiga. Você hesitará, primeiro fazendo força para
suprimir mentalmente as respostas automáticas, verdadeiras, e
depois procurando alternativas passáveis --ambos os processos
cortesia do seu córtex pré-frontal, a área cerebral
que supervisiona ações em construção e tem
poder de veto antes que elas se concretizem. Mentir dá trabalho.
Imagine, agora, passar sua vida fazendo
esse constante esforço pré-frontal, atento para omitir
não apenas uma informação fundamental a respeito
da sua identidade, mas também qualquer pista relacionada. Se
mentir durante um dia já cansa, viver no armário só
pode ser exaustivo, qualquer que seja a admissão ocultada. Poder
dizer o que se é e o que se pensa deveria ser a norma. Mas, cortesia
da patrulha de plantão, acaba sendo um alívio.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora
da UFRJ e autora do livro "Pílulas de Neurociência
para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/179136-confissoes-libertadoras.shtml
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