Espiritualidade e Sociedade





Kleber Halfeld

>      A Reencarnação Artificial


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Kleber Halfeld
>      A Reencarnação Artificial

 

Um dos princípios básicos da Doutrina Espírita, a reencarnação já é objeto de estudo por parte de autoridades científicas da URSS.

Se esta notícia é capaz de suscitar a admiração de muitos estudiosos, adeptos ou não do Espiritismo, maior será o impacto que ela produzirá ao se tomar conhecimento de que alguns pesquisadores da União Soviética aceitam a reencarnação, mas aquela chamada “artificial”.

Um tema que merece ser comentado, à semelhança do que foi feito em torno do assunto “transferência de memória”, capítulo também ligado ao estudo reencarnacionista. (1)

A “reencarnação artificial” tem, entre outros entusiastas, o médico psiquiatra Wladimir L. Raikow.

Artigo publicado por um repórter soviético no “Komsomolskaja Prawda(2) permite-nos receber algumas notícias do que se passa em seu País.

De acordo com a narrativa, as experiências de Raikow são realizadas em Moscou, em um atelier de pintura, delas participando psicólogos, físicos, matemáticos, filólogos, engenheiros civis, devendo-se salientar que nenhum desses estudantes aprendeu a desenhar ou pintar, anteriormente às aulas recebidas da conhecida autoridade soviética, detalhe, aliás, que não os impede de, após algumas lições, dominar de maneira elogiável o lápis de desenho ou o pincel.

A certa altura do artigo tomará o leitor conhecimento de que uma das alunas, Ira, acreditava ser Rafael, célebre pintor que decorou diversas salas do Vaticano, conhecido igualmente pelos quadros que deixou.

Nesse estado, julgava estar no distante ano de 1505, não conhecendo a máquina fotográfica, aviões a jato ou satélites artificiais.

A respeito de outra aluna, Alia, dedicada ao estudo da Física, cedamos a palavra ao repórter:

(...) O psiquiatra me falou a seguir de seu caso favorito, Alia. Era estudante de Física, sem o menor interesse por pintura. Julgava não ter talento. Opinião, aliás, comprovada pelos desajeitados esboços que nos apresentou.

Raikow colocou-a em transe, e sugeriu:

- Você é Ilja Repin. Você pensa como Repin. Você é Repin.

Ilja Repin havia sido um dos mais importantes pintores russos no início do século. (3)

E o talento em Alia explodiu, conforme formulações de Raíkow.De hipnose a hipnose seus quadros se tornavam melhores. Após três meses, com exatamente 25 lições, ela desenhava como uma profissional e tencionava seriamente desistir dos estudos que vinha fazendo para dedicar-se à arte. Sua destreza era surpreendente.

E há muito tempo ela já não precisava de hipnose para desenhar, imaginando ser Repin. Quando saía do transe, sem se recordar evidentemente de nada, sentia ainda a compulsão de pintar. E não pintava no estilo de Repin, porém desenvolveu um próprio, inteiramente pessoal.

Durante a hipnose, o talento de mestre permeou sua personalidade — diz o psiquiatra russo, que incentivou pelo mesmo processo cientistas, artistas e por fim esportistas...”

Antes de uma apreciação sobre as experiências que são realizadas em Moscou por Wladimir L. Raikow, faço menção aqui a um caso catalogado por Kurt Allgeier debaixo do título “Aluno de um mosteiro chinês”, caso esse incluído em sua obra “Você já viveu outras vidas”. Servirá ele como confronto ao que se convencionou denominar “reencarnação artificial”. As apreciações resultantes desse confronto na certa ocorreriam a todos quantos têm ensejo de estudar as obras espíritas, em particular aquelas de conteúdo relacionado com a reencarnação.

Como o autor no prefácio de seu trabalho esclarece que “em consideração a pacientes e pessoas que se prestaram às experiências, em quase todos os casos os nomes foram alterados”, não se pode afiançar sejam verdadeiros os nomes, a seguir, dos personagens do caso em foco. De qualquer forma uma coisa é pacífica: a possibilidade da ocorrência, consoante o que temos aprendido na pesquisa da tese reencarnacionista.

A história se desenrola na cidade alemã de Kassel, às margens do Fulda. Ela tem como personagem central a Sra. Bárbara, esposa de um assessor ministerial, Raymund von Berghen.

Uma noite Bárbara confessa ao marido que sua cabeça roda de tanto ver imagens e sinfonias de cor, enquanto os dedos comicham.

Horas mais tarde define seu desejo: gostaria de adotar um hobby, por exemplo, a pintura, embora nunca tenha antes pintado.

Na noite seguinte, encontra o marido a folha de papel na qual Bárbara traçara algumas faixas diagonais coloridas. É de opinião que a esposa deve inicialmente matricular-se em um curso de pintura para aprender a indispensável técnica.

Diante da observação, Bárbara resolve esquecer a pintura.

Dias mais tarde o casal é convidado para uma reunião festiva em casa de um médico que se entrega a trabalhos com hipnose.

Disposta a submeter-se a uma experiência, sujeita-se Bárbara à orientação do médico. Seria, quem sabe, a oportunidade de receber explicação quanto à inquietude íntima durante as últimas semanas.

Eis a descrição feita por Allgeier:

(...) Bárbara vê-se em um ambiente completamente estranho, quase lúgubre. É aluno de um mosteiro na China. Há 400 anos. E sua tarefa é pintar quadros. (Destaquei.)

- Sou o mais novo, porém meu mestre se inclina diante de mim. Diz que em mim reside poder divino. Não me dá folga. Tenho que levantar no meio da noite para pintar. O mestre senta-se ao meu lado, vigiando para as não cair no sono. Só quando o quadro está concluído posso deitar outra vez. Pinto flores, plantas, paisagens...

- Pode mostrar-nos como faz isto? — perguntou o médico.

Dão-lhe tintas, pincel e um bloco. Com incrível rapidez, ela dá leves toques no papel. Um pouco de vermelho, um verde-claro, luminoso. O pincel voa, e acaba traçando um sinal no canto esquerdo inferior do desenho. Pronto. O quadro representa uma maravilhosa flor de lótus, finamente delineada. O grupo de convidados está encantado, e ao mesmo tempo assustado. Algo de incrível tinha acontecido na presença de todos. Mas, o quê? O sinal é positivamente escrita chinesa.

Depois dessa sessão de hipnose, é como se uma barreira se tivesse rompido. Bárbara já não fica mais sentada diante de uma folha em branco. Pinta como uma possessa e seu talento até então soterrado emerge cada vez mais nitidamente. Cada quadro é melhor do que o anterior. Apesar de o tema ser sempre o mesmo: motivos chineses, no estilo leve e quase translúcido dos antigos mestres asiáticos. Com incrível rapidez e segurança pinta flores, templos com telhados arrebicados, ramos, insetos, dragões, leques, pratos de porcelana.”

Os relatos até aqui reproduzidos levam-nos a algumas reflexões. Enumeremo-las.

Desde aquelas de maior transparência até às mais sutis.

I — Uma pergunta levanta-se frente às experiências do pesquisador soviético:

— O que ele verdadeiramente quer dizer quando se refere à “reencarnação artificial”?

a) A possibilidade de uma criatura debaixo de uma indução assumir a personalidade de um personagem do passado, reagindo exatamente co¬mo este personagem?

b) Um estágio, como afirma Allgeier, em que uma pessoa só pode descobrir realmente o que tem no íntimo quando o Espírito está suficientemente liberto e consegue contemplar o âmago do ser? Quando consegue descartar inibições, e com isto desvendar experiências e capacidades que dificilmente poderia ter adquirido na vida presente”?

Certa vez Raikow confessou:

(...) Com a reencarnação artificial eu não introduzo externamente nas pessoas algo que elas já não tenham dentro de si. Pouquíssimas pessoas chegam a tomar consciência dos extraordinários poderes que possuem. Eu só consigo provocar este fenômeno da reencarnação quando o paciente se encontra em transe profundo.”

Como o leitor percebe, é um pronunciamento que desperta divagações múltiplas. Para não dizer dúvidas...

II — Ainda do citado pesquisador temos outra afirmativa:

(...) A reencarnação artificial (4) leva os estudantes a um estado no qual estão subordinados a novas leis, até agora escassamente pesquisadas. O objetivo de meu trabalho é descobrir estas leis desconhecidas.”

A respeito desse enunciado raciocino:

a) Não deixa de causar-nos certo impacto a adjetivação emprestada ao termo reencarnação. Como aliás, estranharíamos, por exemplo, ouvir alguém referir-se à evolução artificial. Porque a compreendemos natural, intrínseca, emergindo de dentro para fora de cada um.

b) As “novas leis” que subordinam os estudantes, ao contrário do que afirma o pesquisador, não estão “escassamente pesquisadas”. Compêndios existentes na biblioteca espírita e que estudam a reencarnação possuem diversificado material para pesquisa.

Deve-se louvar o desejo da conhecida autoridade científica soviética quando afirma ser objetivo de seu trabalho a descoberta dessas “leis desconhecidas”. Realmente, digna de admiração é toda criatura que não se cristaliza em um ponto de vista (que pode estar distorcido), ou que se acomoda com um estágio de percepção (às vezes acanhado), desprezando o feliz ensejo de alcançar novos horizontes de entendimento. O próprio Kardec afirmou não ter pronunciado a última palavra!

III — Quando o Dr. Claus H. Bick lançou a tese da “transferência de memória”, imaginou que não receberia contestação por parte de seus colegas. O trabalho estava bem documentado. Inúmeras haviam sido as experiências realizadas. Mas tempos depois apareceu a figura do médico Thorwald Dethlefsen (5) que a respeito assim reagiu:

Em nossas experiências não levamos em conta a tese da memória herdada pelos seguintes motivos:

delas resultam descrições de vidas nitidamente delineadas, e não um amontoado de lembranças esparsas.

Cada existência tem os traços marcantes de uma personalidade bem definida, e constitui um todo coe¬rente. Caso atribuirmos tais resultados a uma memória herdada, esta vida teria que conferir ponto por ponto com a dos antepassados de nossos pacientes. No entanto, isto raramente acontece. (6) Acrescente-se que as recordações deveriam abranger igualmente, por eqüidade, as vivências dos pais do hipnotizado. Isto também nunca ocorre. E esta hipótese revela-se inteiramente falha no que se refere a descrições feitas por pessoas que voltaram à vida depois de terem sido declaradas mortas
.”

É possível, então, que em breve surja dentro do próprio meio científico soviético o pesquisador que, com referência à “reencarnação artificial”, esclareça o Dr. Raikow em suas dúvidas.

Quem sabe, o Dr. Thorwald?

IV — Há interessantes diferenças entre os casos Alia-Ira-Bárbara. Vejamos.

a) Com Alia e Ira, houve sugestão por parte de seu professor. Com Bárbara, não. Ela encontrou o próprio talento em seu interior.

b) Alia e Ira tiveram que submeter-se a um curso de desenho e pintura. Bárbara não teve semelhante necessidade.

c) Tanto no decorrer do curso, quanto depois, Alia e Ira passaram a desenhar e pintar com um estilo todo próprio, embora Ira confessasse estar numa época a ponto de não conhecer, por exemplo, aparelhos fotográficos, aviões a jato ou satélites artificiais.

Resumindo:

— Alia e Ira, sob indução, após um período de aprendizado e imaginando ser os personagens sugeridos, desenham ou pintam. O estilo não é aquele sugerido pelo professor. Adotaram uma característica própria.

— Bárbara independentemente de indução e sem ter freqüentado um curso especializado admite que o aluno chinês do passado é ela mesma. O estilo é tipicamente oriental em todo desenho ou pintura.

Desta forma,

1. confrontando-se as reações dos três personagens (Alia-Ira-Bárbara),

2. de acordo com a técnica usada pelo psiquiatra, e

3. atentos às leis que regem a reencarnação, pode-se afirmar que existem fortes evidências de que Bárbara seja a reencarnação de um pintor chinês. Relativamente ao fato de não ter ela manifestado antes pendor para o desenho ou pintura e pergunta que somente se poderá responder com segurança após a indispensável entrevista com a própria Bárbara. O autor da narrativa circunscreveu-se tão apenas a fatos ocorridos após o insopitado desejo de pintar, o que foi por ela revelado ao marido. Ocorrências anteriores foram omitidas, dificultando dessa forma melhor catalogação de fatos
.

Com respeito a Alia e Ira, difícil prognosticar quanto às suas vidas pretéritas por falta igualmente de melhores informações. No caso em pauta poder-se-iam levantar duas hipóteses, à parte desta ou daquela que algum leitor venha a apresentar:

— Ou já possuíam alguma ligação com o desenho ou a pintura em vidas passadas —o que contribuiu após algumas lições para facilitar o desempenho na vida presente — ou

— o primeiro contacto com esse campo das artes foi mesmo na atual existência. No caso o próprio esforço e o despertar de forças latentes ajudaram na tarefa.

V — Há detalhes curiosos nas reações de Bárbara:

a) A afirmativa de que fora um aluno chinês em um mosteiro. Desconhecendo ela a matéria sobre reencarnação, o natural nesse caso seria a afirmativa de que fora uma aluna.

b) O fato de ter revelado uma posição servil no mencionado mosteiro. Singela demonstração de humildade.

c) A maneira como reagiu à sugestão do marido no sentido de freqüentar um curso de desenho e pintura. Algo dentro dela falava da desnecessidade de semelhante curso...

Quando Allgeier, debaixo do capítulo “Em cada um dorme forças ocultas”, refere-se ao trabalho do Dr. Wiadimir L. Raikow, tem ensejo de escrever (reportando-se à liberdade que o Espírito experimenta no decurso da hipnose):

(...) No âmbito dessa liberdade interior, o Espírito pode sentir-se aparentado ou estreitamente ligado a grandes vultos da história. E a regressão é tão completa que o hipnotizado vive inteiramente no passado remoto; nem sabe o que é uma máquina fotográfica. No entanto, isto de maneira alguma refuta a crença numa possível encarnação. Assim sendo, as experiências do 1k. Raikow não podem ser consideradas provas contra a reencarnação.”

Concluindo, meditemos nos seguintes pontos:

1. O observador é levado a acreditar que nas experiências do Dr. Wladimir L. Raikow nem todas as obras produzidas pelos alunos possuem as características dos pintores sugeridos pelo professor. Adotam muitos estilos inteiramente pessoais. É o caso, por exemplo, de Alia e Ira.

2. Variados médiuns do presente, influenciados por pintores desencarnados, exteriorizam-lhes o estilo em suas telas. Exemplo significativo é o confrade e médium Luiz Antonio Gasparetto.

3. Entre as duas faixas atrás citadas há uma diferença: no primeiro caso existe uma indução do professor; no segundo, influenciação de um Espírito.

4. Considerando os alunos de Raikow podemos imaginar que

— seja um ou outro alguém que em vidas passadas tenha tido relacionamento com o desenho ou pintura ou que — fora do atelier, longe do processo indutivo, sofra a atuação de alguma Entidade do Além.

É mais sensato, mais lógico mesmo, aceitar estas considerações do que negá-las.

5. Se o Dr. Raikow pretende demonstrar com suas experiências que há possibilidade de um aluno sob indução ver despertar forças que o levem à produção de apreciáveis telas, é o caso de dizermos: — muito bem! Mas, por que a expressão por ele criada — “reencarnação artificial”? Será por que supõe ele a “repetição” de talentos semelhantes aos do passado, embora —naturalmente deve considerar o Dr. Raikow — não sejam os alunos aqueles personagens por ele sugeridos?

6. O fato de se afirmar que durante a hipnose o talento do mestre permeou a personalidade do estudante é pensamento que deve ser pesquisa-do por outros estudiosos, principalmente na área espírita.

7. Como no caso da “transferência de memória”, já citada no início do presente trabalho, o assunto relativo à “reencarnação artificial” é muito vasto, repleto de interessantes facetas. Digno, assim, de atenção, embora possa haver quem dessa afirmação discorde. Mas, o fato é que não podemos relegar a plano secundário estudos que alguns pesquisadores não espíritas realizam.

Se tais estudos complementam algo, felizes seremos por recebermos novos conhecimentos.

Se eles não se ajustam aos princípios da Doutrina Espírita, é de bom alvitre fazer as indispensáveis retificações.

Assim, aliás, procedia o Codificador.

 

(1) Ver em “Reformador’ de julho último o artigo “Uma prova (inconsistente) contra a reencarnação”.

(2) A alusão a este artigo é feita pelo escritor Kurt Allgeier em seu trabalho “Você já viveu outras vidas”.

(3) Ilja ou Ilia Iefimovitch Repin (1844-1930). Pintou composições históricas e retratos. Seu quadro “Os barqueiros do Volga” (1870) tornou-o célebre.

(4) O tema “reencarnação artificial” é desenvolvido de forma um tanto sucinta por Kurt Allgeíer no Capítulo 9 de sua obra já mencionada.

(5) Thorwald Dethlefsen autor do livro “A vivência do renascimento. Cura pela reencarnação”. (Munique, Alemanha, 1976.)

(6) De fato, poder-se-ia admitir uma vida a conferir “ponto por ponto” com a dos antepassados? Em todos os detalhes?


Fonte: Revista Reformador – agosto/1989 - http://www.terraespiritual.locaweb.com.br/espiritismo/artigo2138.html
Responsável pela transcrição: Wadi Ibrahim

 



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