Em quase vinte anos de atividade pastoral,
perdi a conta das vezes em que participei de sepultamentos. Mesmo
assim, não me acostumo com a morte. E sigo me surpreendendo
com a força da fé para ajudar famílias a atravessar
tragédias.
Odeio a morte na mesma medida em que
a reverencio. Apesar de querer evitá-la a todo custo, levo
a sério o conselho de um provérbio bíblico: "É
melhor ir a uma casa onde há luto do que a uma casa em festa,
pois a morte é o destino de todos; os vivos devem levar isso
a sério" (Ec 7.2). Procuro aprender com cada dor que acompanho,
ao lado de famílias dilaceradas pela perda de alguém
querido.
No fim de semana, conduzi o funeral
de uma amiga da igreja. Ela tinha 52 anos e morreu por um problema
cardíaco, deixando o marido e dois filhos — um adolescente
e outro jovem. Mais uma vez, uma família teve seus sonhos interrompidos.
Dois meninos crescerão sem o colo da mãe — algo
de que todos precisamos, mesmo na vida adulta.
Cheguei à casa deles poucas horas após a notícia.
Ao abraçar o viúvo, entre lágrimas, ouvi dele:
"Deus mandou dois anjos aqui, pastor." Referia-se a um casal
que, por providência, havia chegado instantes antes —
e cuja presença fez com que a notícia fosse recebida
em meio a abraços. Suas palavras me marcaram: sua fé
lhe permitiu enxergar cuidado onde, para muitos, só haveria
desolação.
Essa mesma fé sustenta tantos corações partidos
diante da morte. Um de seus pilares é a crença na ressurreição.
Mais do que um dogma, é uma esperança que ressignifica
a despedida. Para quem crê, a morte não tem a palavra
final — e isso transforma o "adeus" em "até
logo". Sei como essa certeza suaviza o peso do caixão
e traz paz em meio às lágrimas. Não porque apaga
a dor, mas porque aponta para além dela.
Mas não é só a teologia
que sustenta quem sofre. A fé também floresce em gestos
concretos. Há coisas simples e práticas que ela nos
move a fazer em solidariedade a quem atravessa a dor. E é justamente
nesses momentos que a comunidade aprende, de forma viva, o valor do
cuidado mútuo.
Durante os dez dias em que minha amiga
esteve internada, membros da igreja organizaram uma escala de visitas
para amparar a família. Adolescentes e jovens acompanharam
os dois filhos, que viviam o medo silencioso de perder a mãe.
Todos os dias, refeições chegavam àquela casa,
em atos de cuidado que impediram que a dor se transformasse em desespero.
Essas experiências fortalecem
vínculos como poucas outras. Os elos que nascem em tempos de
dor carregam um tipo raro de verdade. São relações
marcadas não pela conveniência, mas forjadas na solidariedade
que não exige explicações.
Já vi homens que nunca choraram
desabar no meio do culto e serem acolhidos sem pressa, sem perguntas.
Já vi senhoras enlutadas comparecerem à reunião
semanal para orar por outras. Já vi crianças desenhando
anjos para consolar adultos. Tudo isso pela compreensão de
que a fé, quando encarnada na comunidade, torna o luto menos
solitário.
Escrevo isso porque, num mundo em
que a religião tantas vezes é ridicularizada ou banalizada,
é preciso lembrar: a fé não é fuga da
realidade. É um modo de habitá-la com mais coragem.
E ela merece respeito, especialmente nas horas mais duras da vida.
Se você perdeu alguém
recentemente, talvez as palavras não deem conta da sua dor.
Mas saiba: você não precisa atravessar isso sozinho.
Há consolo na memória, esperança na promessa
— e amor ao redor. Essa, talvez, seja a maior lição
que a fé me ensina diante das tragédias: há sempre
mais presença do que ausência, mesmo quando tudo parece
ter se perdido.
Daniel Guanaes
PhD em teologia pela Universidade de Aberdeen,
é pastor presbiteriano, psicólogo e líder do
movimento Pastores pela Vida (Visão Mundial)