Marlene
Fagundes Carvalho Gonçalves
> Aprender é para todos
"…Dizeis freqüentemente:
O sol brilha para todos, e com isso dizeis uma verdade maior e
mais geral do que pensais."
O Livro dos Espíritos, questão
803
Não é por acaso que hoje muitos estudiosos, ligados
principalmente à Educação, à Psicologia
e à Psicopedagogia, têm desenvolvido estudos para mostrar
que aprender é possível, para todo ser humano.
O próprio slogan apresentado no título foi criado
pela Associação Brasileira de Psicopedagogia, um campo
de estudo dedicado à aprendizagem, bem como aos problemas
de aprendizagem, que vem se fortalecendo nos últimos anos.
Tais estudos têm mostrado que para se aprender faz-se necessário
pelo menos dois sujeitos: o que ensina e o aprende, e um vínculo
que se estabelece entre os dois. Mesmo quando aprendemos sozinhos,
através de um livro, por exemplo, o que ensina se faz presente
justamente pela sua obra.
Ao aprender, colocamos em jogo: nosso organismo individual herdado
(que seria as condições materiais, orgânicas
para tal aprendizado); nossa história, formada a partir das
experiências até então vividas; nossa inteligência
construída por nós mesmos, nas relações
sociais mantidas com outras pessoas; e o desejo, relacionado à
vida afetiva e a vida das significações (Alicia
Fernández, 1990).
Crianças que têm dificuldades de aprender, sem que
haja nenhum comprometimento orgânico, em geral podem ter construído
estas suas dificuldades nas experiências que tiveram no decorrer
de sua vida, tanto familiar, social como escolar.
Mas já está mais do que provado que todos podem aprender,
portanto, não se pode cruzar os braços diante de pessoas
com tal dificuldade. Às vezes o trabalho com crianças
com dificuldades de aprendizagem pode ser demorado, pois não
se resolve rapidamente problemas que foram construídos em
anos de vida, e pode-se precisar de ajuda de um profissional que
se preparou para lidar com estas situações. Mas cuidar
para que tais problemas não se instalem, pode ser tarefa
de todos nós.
A pergunta 803 do Livro dos Espíritos
nos traz uma importante questão para estas reflexões.
Nela, Kardec indaga sobre a igualdade dos homens perante Deus. A
resposta é muito clara: "Sim, todos tendem para um mesmo
fim e Deus fez as suas leis para todos. Dizeis freqüentemente:
"O sol brilha para todos", e com isso dizeis uma verdade
maior e mais geral do que pensais."
Na seqüência do capítulo, discute-se, então,
as diferenças entre os homens. Por que alguns parecem ter
mais aptidões que outros? "Deus criou todos os Espíritos
iguais, mas cada um deles viveu mais ou menos tempo e por conseguinte
realizou mais ou menos aquisições; a diferença
está no grau de experiência e na vontade, que é
o livre arbítrio: daí decorre que uns se aperfeiçoam
mais rapidamente, o que lhes dá aptidões diversas.
(…) Deus não criou, portanto, a desigualdade das faculdades,
mas permitiu que os diferentes graus de desenvolvimento se mantivessem
em contato a fim de que os mais adiantados pudessem ajudar os mais
atrasados a progredir (…)" (O Livro
dos Espíritos, questões 804 e 805).
A partir da questão sobre aprendizagem, poderíamos
fazer relações com este texto do Livro dos Espíritos,
em alguns aspectos.
Quando lemos "a diferença está no grau de experiência…"
logo pensamos que trata-se de oportunidades em diferente reencarnações,
que podem ter propiciado o desenvolvimento em alguns aspectos da
vida das pessoas. De fato, isto ocorre. Mas ocorre também
que as condições que podemos oferecer, hoje, às
crianças, para que aprendam, são muito significativas.
Desafios e problemas são capazes de levar a criança
a novas construções no campo do conhecimento. Somos
muitas vezes responsáveis por isso, como pais, e como educadores.
Propiciar diferente situações de aprendizado contribui
para isso, ao passo que dificultar as crianças o acesso a
novas formas de conhecimento pode levar a uma dificuldade maior
de aprendizagem.
Já a questão "a diferença está
(…) na vontade", nos possibilita ver o educando
como um ser ativo, que é capaz de construir conhecimentos
e de se construir. Quando impedimos uma criança
de pensar, ou de encontrar suas próprias respostas, obrigando-a
apenas a seguir um modelo único, podemos estar dificultando
este caminho.
"A fim de que os mais adiantados pudessem ajudar os mais atrasados
a progredir". Saber que o fato de uma criança ter problemas
de aprendizagem não significa que ela não vai aprender
mais, pode fazer a diferença entre um espírito estacionado
em seu processo evolutivo e um espírito caminhando…
Porque aprender não diz respeito só aos aspectos intelectuais
da vida. Aprender implica também numa construção
moral. Aprender é fundamental, faz parte da vida, é
a lei natural seguindo seu caminho.
A responsabilidade aumenta quando sabemos disso, pois não
mais se pode dizer: "deixa o menino sossegado, quando chegar
a hora ele aprende, quando ele amadurecer ele entenderá",
etc. Nós podemos facilitar estes momentos. Se uma mãe
não conversa com seu bebê e imagina que no momento
certo ele sozinho começará a falar, terá uma
grande decepção. Por mais vidas que este Espírito
tenha vivido, ele precisa, neste momento, desse aprendizado.
Entender isto como uma tarefa de todos nós diante daqueles
que estão sob nossa responsabilidade, seja como filho, aluno,
ou evangelizando, já é um primeiro passo.
Pensar em estender esta tarefa para aquelas crianças sem
rumo que cruzam nossos caminhos todos os dias, é um chamamento
ao trabalho. Aprender é para todos…
Bibliografia:
Kardec, A.; O Livro dos Espíritos, questões
804 e 805.
Fernandez, A; A Inteligência Aprisionada, Porto Alegre, Artes
Médicas, 1990.
Fonte: Jornal Verdade e Luz
Nº 174 de Julho de 2000 / http://www.espirito.org.br/portal/artigos
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