Os pastores evangélicos pentecostais na América
Latina estão atraindo um número cada vez maior de
católicos romanos para sua seita, com táticas modernas
de marketing, incluindo bonés e camisetas com logotipos.
A variedade de "serviços" religiosos oferecidos
chega até mesmo a exorcismos.
Era noite de domingo em Perdizes, um bairro próspero
de São Paulo. Centenas de adolescentes estavam a caminho
de um serviço religioso em um antigo cinema. Os garotos estavam
trajando roupa de surfista; as garotas usavam maquiagem pesada e
vestiam tops parcos e jeans apertados. A maioria carregava uma Bíblia.
Um cantor em calça de couro preta apertada
animava o público com ritmos reggae. Os jovens batiam o pé
acompanhando o ritmo. Então as luzes da casa diminuíram,
criando um ambiente perfeito para namoro. De repente, os holofotes
se acenderam. O público aplaudiu e assovio, como se preparado
para um concerto de rock. Raios de luz convergiram para um homem
baixinho trajando jeans: o pastor Rinaldo Pereira.
O pastor de 34 anos arremessou seus braços
no ar enquanto saudava sua congregação e se colocava
atrás de seu altar, uma prancha de surfe sobre cavaletes.
Às suas costas, um laptop projetava na parede imagens tranqüilizantes
de paisagens de montanha e entardeceres. "Deus quer que vocês
sorriam", berrou o pastor para o salão lotado. Os enormes
alto-falantes ao lado do altar pulsavam. "Jesus! Jesus!"
cantava o público.
Bem-vindo à Igreja Bola de Neve; ela é
uma das centenas de comunidades protestantes pentecostais em São
Paulo. Cerca de 5.000 fiéis participam do serviço
religioso que o pastor "Rina" preside a cada domingo.
A maioria dos fiéis tem menos de 30 anos. Enquanto seus pares
estão circulando em shopping centers e pizzarias, os adolescentes
em Perdizes estão na igreja. "O pastor Rina é
da hora!" disse uma garota na entrada.
Um ex-pastor batista, Rina assumiu o salão
em Perdizes há três anos, atraindo adolescentes com
métodos de marketing que copiou do setor privado, vendendo
camisetas da moda e bonés com o logotipo de sua igreja. No
fim de semana, ele gosta de surfar longe de São Paulo. Um
astuto pescador de almas, ele passou seis anos aprendendo seu ofício,
pescando consumidores no departamento de marketing da Nestlé.
Rina decidiu estabelecer uma comunidade protestante
pentecostal por uma "experiência espiritual", ele
disse. Ele realizou seu primeiro serviço religioso em uma
loja de produtos de surfe para um grupo de amigos. "Minha geração
tem um forte anseio por espiritualidade que a Igreja Católica
não consegue atender", ele explicou. "Religião
era considerada quadrada. Então tínhamos que oferecer
algo novo."
A Igreja Bola de Neve visa os jovens. Não
há código de vestuário; o ambiente é
descontraído e informal. "Deus não se importa
com aparência", disse Rina, que vê a si mesmo como
um animador a serviço do Senhor. Seus sermões são
pontuados por piadas e ele freqüentemente chama os fiéis
ao palco para atuações de improviso. Músicos
de rock de primeira fornecem o acompanhamento. Até agora
o conceito surtiu efeito: a igreja de Rina já conta com 26
filiais ao redor do país, incluindo algumas próximas
das mais belas praias do Brasil.
O pastor surfista representa uma nova geração
de pastores protestantes.
Diferente das comunidades pentecostais tradicionais, o foco não
é a coleta do dízimo. Rina arrecada dinheiro vendendo
surfwear, assim como CDs e DVDs contendo as músicas dos serviços
religiosos. A Igreja Bola de Neve é tanto um centro de bem-estar
religioso quanto um templo multimídia, atendendo não
aos pobres, mas aos garotos de classe média com dinheiro.
As vendas dos CDs do pastor Rina geralmente chegam a várias
centenas de milhares.
Novas igrejas que esperam seguir a onda de sucesso
de Rina estão despontando por todo o Brasil; apenas em São
Paulo, as estatísticas mostram que novas igrejas evangélicas
são fundadas na taxa de uma por dia. As igrejas atendem a
todos gostos e orçamentos: algumas oferecem curas milagrosas
e exorcismos; algumas atraem seguidores com música pop; outras
se especializam em telemarketing. Como um bufê de salada,
os fiéis podem provar um bocado dos pratos espirituais. Se
não gostarem de um produto, podem simplesmente provar outro.
A Igreja Católica foi duramente atingida.
Hordas de fiéis do maior país católico do mundo
a estão trocando pelas igrejas evangélicas. O arcebispo
de São Paulo, o cardeal Cláudio Hummes, estima que
as igrejas católicas perderam um terço de seus fiéis
nos últimos 40 anos. Sete entre 10 ex-católicos estão
buscando a salvação em uma comunidade protestante.
Cerca de 18% dos brasileiros pertence a igrejas
protestantes e metade de todos os fiéis em muitas das maiores
cidades agora são protestantes. Uma guerra santa pelas almas
das pessoas está sendo travada no Brasil", disse Regina
Novaes, uma antropóloga e especialista em religiões.
"A Igreja Católica perdeu o toque com as massas."
Enquanto as igrejas pentecostais -"uma árvore
com muitos ramos" (Novaes)- cultiva um relacionamento direto
com Deus, os católicos passam por um intermediário,
o padre. "Os católicos não fornecem respostas
rápidas para as necessidades das pessoas. Os protestantes
são mais dinâmicos", disse Novaes.
A tendência se repete por toda a América
Latina, antes baluarte do catolicismo romano no Terceiro Mundo.
Do México até a Argentina, a Igreja está recuando.
Em apenas poucos anos, mais da metade das populações
da Guatemala e El Salvador deverão ser protestantes.
Ritmos de rap-metal ressoavam no salão de
uma igreja com telhas onduladas metálicas no bairro de Villa
Reconciliación, um distrito pobre de Manágua, a capital
nicaragüense. Um jovem estava sentado diante do teclado, fazendo
um rap sobre a morte de seu irmão. Uma camisa de mangas longas
escondia suas tatuagens.
O corpo de Geovany Rodríguez é uma
massa de tatuagens marciais e cicatrizes de ferimentos de faca.
A cabeça de um cão babando no bíceps do homem
de 29 anos indica sua filiação em Los Perros. "Os
Cães" -cerca de 60 adolescentes e jovens adultos- estabeleceram
um reinado de terror nas favelas da capital nicaragüense. Até
seis anos atrás, Geovany era um dos líderes da gangue.
Ele fumava maconha e cheirava cocaína, financiando
seu vício em drogas e seu arsenal de armas roubando ônibus
e lojas. Ele foi preso quatro vezes e passou vários anos
na prisão. Seu irmão foi baleado por uma gangue rival,
supostamente para vingar o assassinato de um de seus membros.
Geovany disse que nunca matou ninguém, mas
ele evita contato com os olhos ao dizer isto. Ele fala desconfortavelmente
sobre seu passado. "Minha vida estava em um beco sem saída",
ele disse. "Eu me sentia vazio por dentro." Um pastor
da comunidade pentecostal Luz del Mundo abordou o jovem gângster
na rua, o levou para o serviço religioso e permitiu que ele
cantasse ao teclado. Geovany disse que sentiu um "poder sobrenatural"
no momento.
Agora ele é um freqüentador assíduo
da igreja. Os pastores o colocaram sob sua proteção,
o empregando em serviços e o ajudando a desenvolver sua habilidade
musical. Ele abandonou as drogas e o álcool.
Durante o serviço religioso, ele toca música
rap religiosa. As letras descrevem sua conversão para um
crente, como os cristãos renascidos são chamados.
Um dia ele espera se tornar um músico profissional.
Como todas as comunidades pentecostais, a Luz del
Mundo exerce controle restrito sobre seus membros. Seis vezes por
semana, o pastor Wilmer Espinosa convoca os jovens para serviço
na igreja. Quem não comparece é buscado em casa. "A
comunidade exerce mais pressão sobre o indivíduo do
que a Igreja Católica", disse Novaes. As pessoas que
passam por crises pessoais podem contar com o sistema de apoio de
suas congregações.
A Luz del Mundo é uma das maiores comunidades
pentecostais da América Latina. Sua sede fica na Venezuela,
mas ela tem igrejas por toda a região.
Seu líder, Jaime Banks Puertas, um ex-oficial
das forças armadas da Venezuela, opera emissoras de rádio
e produz programas de TV. Ele também usa a Internet como
ferramenta missionária.
Os dias de igrejas pentecostais latino-americanas
lideradas por americanos acabaram; a influência dos cristãos
renascidos fundamentalistas desapareceu.
Os missionários de hoje vêm do Brasil, Venezuela e
Porto Rico.
Os brasileiros, em particular, atualmente dominam
o mercado pentecostal. A Igreja Universal do Reino de Deus, comandada
pelo controverso "bispo" Edir Macedo, e a igreja evangélica
dos pobres, Assembléia de Deus, possuem igrejas em Lisboa,
Londres, Berlim e Moscou. Na América Latina, África
e Leste Europeu, dezenas de milhares atendem aos serviços
religiosos ministrados por pastores brasileiros. Edir Macedo encheu
sem esforço o estádio do Maracanã, no Rio de
Janeiro, com 200 mil fiéis.
Macedo está travando uma disputa amarga com
sua arqui-rival, a Assembléia de Deus, a maior comunidade
evangélica pentecostal do Brasil. Ambas as igrejas vivem
do sistema de dízimo, em que os pastores pressionam os fiéis
a doarem dinheiro após cada culto.
O pastor da Igreja Universal exibiu a cesta de coleta
durante o serviço em Botafogo, um bairro do Rio: "Se
puder, doe R$ 50!" Ajudantes percorriam os bancos, recolhendo
as doações. "Se não tiver R$ 50, doe 20,
30, 10 ou cinco!" Ninguém quer parecer sovina; mesmo
o mais destituído doa um real ou dois.
Após o serviço, Macedo correu para
seu carro e seguiu para a próxima igreja. O emprego de pastor
paga bem: um recente anúncio de emprego oferecia R$ 3.500
por mês, mais um carro da "empresa". No Brasil,
as igrejas contam com isenções especiais de impostos
-aumentando o incentivo para candidatos a pastores.
Antes um vendedor de loteria no Rio, Macedo agora
é um multimilionário com ativos incluindo casas de
campo nos Estados Unidos, um iate e avião
particular. Suas igrejas imensas possuem assentos para dezenas de
milhares de fiéis e sua mistura de mármore e vidro
passou a dominar a paisagem arquitetônica do Brasil suburbano.
Os fiéis não fazem objeção
à cobiça de seus líderes: a riqueza em si não
é considerada um pecado, mas sim desejável. "Nas
comunidades pentecostais, qualquer um pode se tornar um pastor",
disse Novaes. "Para a maioria das pessoas, um carro bacana
é símbolo de status."
No final dos anos 80, um estudo altamente divulgado
do antropólogo americano Sheldon Annis concluiu que as comunidades
protestantes são comercialmente mais bem-sucedidas que as
comunidades católicas. Annis comparou a produtividade das
operações de tecelagem em duas aldeias na Guatemala.
Suas conclusões apontaram que, em comparação
aos católicos, os pentecostais adotaram técnicas modernas
de produção mais rapidamente, eram mais eficientes
e mais preocupados em progredir.
"Apesar de sua freqüente identificação
política atual de direita", escreveu Annis, "em
pelo menos um sentido os primeiros missionários protestantes
eram revolucionários das bases. (...) Aos olhos deles, a
Igreja, o álcool e a dívida eram instrumentos de escravidão
-e eles, os missionários, eram os libertadores".
As comunidades pentecostais são, portanto,
percebidas como igrejas para
alpinistas sociais. Em vez de prometerem uma vida melhor no paraíso,
elas pregam sobre a riqueza aqui e agora. E oferecem assistência
prática na batalha contra o álcool e as drogas.
Logo, não é de se estranhar que sejam
ímãs para os pobres. A favela de
Vigário Geral é uma das mais perigosas no Rio, mas
conta com 14 comunidades pentecostais -e apenas uma Igreja Católica.
Nos presídios superlotados da cidade, que são em grande
parte controlados pelas gangues do narcotráfico, pastores
protestantes converteram milhares de criminosos em cristãos
renascidos. Vários chefões do crime e matadores se
tornaram homens de Deus.
Nas favelas do Rio, as igrejas pentecostais e as
gangues da cocaína
coexistem em um estado de simbiose confortável.
Era noite de sexta-feira em São João
de Meriti, uma cidade pobre do Rio. Algumas poucas centenas de fiéis,
entre eles antigos chefões das drogas, assassinos e ladrões,
se reuniram na igreja pentecostal Assembléia de Deus dos
Últimos Dias. Os homens vestiam ternos e gravatas; todas
as mulheres vestiam saia; o pastor Marcos Pereira não permite
que elas vistam calça no serviço religioso.
Pereira, um homem robusto de meia-idade com olhar
penetrante, é o mais
conhecido e mais controverso salvador de almas do Rio. E ele é
considerado uma lenda nas favelas: "Eu salvei centenas de meninos
da tortura e morte", ele se gaba. Os moradores freqüentemente
o chamam para mediar disputas entre gangues rivais das drogas. Mesmo
o mais durão entra na linha quando o pastor aparece.
Os serviços religiosos de Pereira são
verdadeiros espetáculos, megaeventos exibindo atos milagrosos
de cura e exorcismo. Um após o outro, os membros de seu rebanho
entram em transe. O pastor olha brevemente seus fiéis nos
olhos, pressiona sua mão em suas testas e os "possessos"
caem no chão. "Desapareça, demônio!"
berra Pereira enquanto anda empertigado ao redor das vítimas,
que se encolhem e gemem, com um dervixe rodopiante. Estalando seus
dedos, ele as tira de seus transes após poucos minutos. Mesmo
as pernas de estranhos ficam bambas quando Pereira lhes volta seu
olhar. O homem tem poderes hipnóticos.
Antes de o pastor descobrir sua "vocação
espiritual", ele servia mesas em Copacabana. "Eu bebia
e freqüentava casas de prostituição", disse
Pereira.
"Minha vida era uma bagunça." Sua
"iluminação espiritual" ocorreu em um
ônibus; logo depois ele se juntou a uma igreja evangélica.
A notícia de seu talento como hipnotista logo se espalhou.
Atualmente seus serviços atraem até mesmo políticos
e celebridades.
Os esforços de Pereira lhe renderam inúmeras
"doações" e ele reuniu uma
imensa fortuna. Agora o pastor milagroso está buscando se
expandir para o exterior. Ele viajou recentemente à Europa
e também fez avanços nos Estados Unidos. "Muito
trabalho me aguarda no Primeiro Mundo", ele disse com uma piscadela
nada cristã. "Afinal, há demônios em toda
parte."