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(trecho inicial)
I
Por que alguns filósofos teimam
em não entender Richard Rorty? Ou, às vezes, abandonar
Habermas depois que este deixou de lado o credo marxista? (cf.
Ghiraldelli Jr., 2001). Creio que por uma razão simples:
eles ainda não aprenderam a gostar do debate entre nominalistas
e universalistas – um debate que vem lá de Platão,
atinge os medievais em cheio que é, ainda, atual.
Tenho uma fórmula didática
simples de colocar esse debate para o público mais amplo, que
não está ligado diretamente à filosofia. Uso o
exemplo do meu amigo John Shook, de quanto ele lecionava na Oklahoma
State University. Ele dizia que os gatos são nominalistas, o
cachorros, universalistas.
Um cachorro se apega ao dono, e não
liga muito para a casa, mas, em geral, qualquer um, sendo humano e que
venha a lhe agradar, serve como dono. Se o dono vai embora, o cachorro
tem de ir com o dono, pois ele não sobrevive sozinho; mas pode
sobreviver se o dono for outro. O gato, por sua vez, pode optar; se
ele cisma de ficar na casa, ele fica ali, tendo ela novos donos ou não.
Gatos são nominalistas na medida em que eles escolhem um ponto,
um local determinado e particular para ficar. Não lhes passa
pela cabeça coisas como as que ocorrem na cabeça do cachorro,
que adota a espécie humana, uma expressão mais universal,
para a qual ele se volta. O cachorro dá importância ao
homem, o conceito de homem, o gato acha o homem enquanto conceito (universal)
algo inexistente, e adota algo particular, historicamente datado, opcional,
por exemplo, o lugar único em que ele se deita, ao qual ele dá
o nome de "rom-rom", que na linguagem humana, em português,
poderia ser entendida como "este pedaço de coisa onde me
deito". O cachorro não se dá conta de que lida com
nomes, ele apenas vai seguindo conceitos, quanto mais universal possível,
mais ele segue: "ser humano", "comida" (de qualquer
tipo), "casa" em que o "humano" o coloca, ou ordens
abstratas como "não!", "bom!", "vai!",
"deitado" etc. O gato não obedece tais universais,
não são coisas que existem, para ele. O gato é
"pão-pão-queijo-queijo", ele acredita no particular,
o resto são ... nomes – meros nomes.
Isto não quer dizer que os gatos não dêem importância
para a linguagem! Não, ao contrário, eles dão tanta
importância que eles querem confiar na linguagem, e desconfiam
dela na medida em olham para os cachorros e vêem que eles a tomam
como algo importante quando ela expressa abstrações –
os universais!
Rorty é um filósofo que tem a ver,
de certa forma, com o que os gatos querem, Habermas é um filósofo
que tem a ver com o que os cachorros recebem.
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Fonte: Este texto é uma
versão modificada de uma fala no setor de pós-graduação
em teologia e ciências da religião da PUC-SP, nos anos
noventa.
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