O tema do perdão tem sido discutido
há séculos como importante questão filosófica.
Apresenta-se como dilema, enigma e, até mesmo, algo da ordem
do impossível. O perdão tem uma trajetória histórica
que ganhou destaque em diferentes campos do saber, como o jurídico,
o teológico, o ético, o político e o psicanalítico.
Será a partir desse último que abordarei os impasses
do perdão na longevidade.

Testemunho, a partir da escuta na
clínica psicanalítica com os mais velhos, longas histórias
regadas pela pluralidade de dramas, traumas, conflitos com si mesmo
e com outrem que comparecem na velhice como uma espécie de
balanço existencial.
Os mais velhos tendem a viver, de forma mais ou menos
consciente, uma revisão de suas vidas em que o seu sentido
é continuamente posto à prova.
Mas por que os atos de perdoar e ser perdoado podem
ser considerados dádivas da longevidade?
Nesse tempo próprio de balanços, pode
surgir como necessidade pessoal, não prescritiva e/ou dogmática,
viver diferentes aspectos do perdão.
O ato de perdão pode ser reconhecido como o
cessar de uma temporalidade a fim de possibilitar a abertura de outra,
tendo uma qualidade de reversibilidade do tempo, abrindo algum horizonte
novo.
O perdão possibilita a reconciliação
com o passado sob forma de redenção, permitindo revisar
decisões e escolhas ao longo da vida que podem impactar diretamente
na longevidade. Sua faceta terapêutica favorece o trabalho de
diferentes lutos, culminando numa memória reconciliada que
conjuga passado, presente e futuro.
Mas o que poderia dificultar esse processo de perdoar
e pedir perdão?
O problema do perdão parece residir entre o
amor e a justiça. Observamos que a culpa, o ressentimento e
a necessidade de vingança surgem como impasses e engendram
sofrimento.
Nas biografias cujo resultado do balanço é
predominantemente negativo com suas concomitantes feridas narcísicas,
o ressentimento patológico surge como estancamento dos sentidos
da vida. O ressentido tende a se vitimizar, detendo-se numa experiência
passada, seja por culpa ou por desejo de vingança —apegando-se
à mágoa quase como se esta última fosse um ente.
É nesse sentido que perdoar e pedir perdão
podem ser considerados uma dádiva da longevidade. Uma vez que
dádiva é o resultado de oferta espontânea de algo
valoroso a alguém, uma forma de semear a vida com a abertura
para o novo.
Sem romancear, o perdão não implica
anistia e/ou esquecimento do mal vivido. Sua alma consiste em outorgar
coragem para realizar reparações e, com isso, proporcionar
o enfrentamento do mal vivido pelo indivíduo, seja ele vítima
ou ofensor. Como resultante, uma leveza pode ser imensurável.
Para encerrar, compartilho a dádiva da poesia
da mineira Adélia Prado:
“Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.”