Durante
minha vida profissional, eu topei com algumas figuras cujo sucesso
surpreende muita gente. Figuras sem um vistoso currículo
acadêmico, sem um grande diferencial técnico, sem muito
networking ou marketing pessoal. Figuras como o Raul.
Eu conheço o Raul desde os tempos da
faculdade. Na época, nós tínhamos um colega
de classe, o Pena, que era um gênio. Na hora de fazer um trabalho
em grupo, todos nós queríamos cair no grupo do Pena,
porque o Pena fazia tudo sozinho. Ele escolhia o tema, pesquisava
os livros, redigia muito bem e ainda desenhava a capa do trabalho
-- com tinta nanquim. Já o Raul nem dava palpite. Ficava
ali num canto, dizendo que seu papel no grupo era um só,
apoiar o Pena. Qualquer coisa que o Pena precisasse, o Raul já
estava providenciando, antes que o Pena concluísse a frase.
Deu no que deu. O Pena se formou
em primeiro lugar na nossa turma. E o resto de nós passou
meio na carona do Pena -- que, além de nos dar uma colher
de chá nos trabalhos, ainda permitia que a gente colasse
dele nas provas. No dia da formatura, o diretor da escola chamou
o Pena de "paradigma do estudante que enobrece esta instituição
de ensino". E o Raul ali, na terceira fila, só aplaudindo.
Dez anos depois, o Pena era a estrela
da área de planejamento de uma multinacional. Brilhante como
sempre, ele fazia admiráveis projeções estratégicas
de cinco e dez anos. E quem era o chefe do Pena? O Raul. E como
é que o Raul tinha conseguido chegar àquela posição?
Ninguém na empresa sabia explicar direito.
O Raul vivia repetindo que tinha
subordinados melhores do que ele, e ninguém ali parecia discordar
de tal afirmação. Além disso, o Raul continuava
a fazer o que fazia na escola, ele apoiava. Alguém tinha
um problema? Era só falar com o Raul que o Raul dava um jeito.
Meu último contato com o
Raul foi há um ano. Ele havia sido transferido para Miami,
onde fica a sede da empresa. Quando conversou comigo, o Raul disse
que havia ficado surpreso com o convite. Porque, ali na matriz,
o mais burrinho já tinha sido astronauta. E eu perguntei
ao Raul qual era a função dele. Pergunta inócua,
porque eu já sabia a resposta. O Raul apoiava. Direcionava
daqui, facilitava dali, essas coisas que, na teoria, ninguém
precisaria mandar um brasileiro até Miami para fazer.
Foi quando, num evento em São
Paulo, eu conheci o vice-presidente de recursos humanos da empresa
do Raul. E ele me contou que o Raul tinha uma habilidade de valor
inestimável: ele entendia de gente. Entendia tanto que não
se preocupava em ficar na sombra dos próprios subordinados
para fazer com que eles se sentissem melhor, e fossem mais produtivos.
E, para me explicar o Raul, o vice-presidente
citou Samuel Butler, que eu não sei ao certo quem foi, mas
que tem uma frase ótima. "Qualquer tolo pode pintar
um quadro. Mas só um gênio consegue vendê-lo",
costumava dizer Butler. Essa era a habilidade aparentemente simples
que o Raul tinha, de facilitar as relações entre as
pessoas. Perto do Raul, todo comprador normal se sentia um expert,
e todo pintor comum, um gênio.