Na Rev. Espírita de abril
de 1866, Allan Kardec lembra que "infelizmente
em todos os tempos as religiões foram instrumentos de dominação".
E continua, na Rev. Espirita de fevereiro de l867: "a
maior parte das religiões surgiram em tempos remotos, em
que os conhecimentos científicos eram limitados (...) infelizmente
todas se fundaram no princípio da imutabilidade".
Na Idade Média, a igreja católica apostólica
romana sagrava reis: para manter os chamados privilégios
de nascimento, advindos da força, os então superiores
- que mandavam e usurpavam - faziam-se divinizar para serem aceitos
sem questionamento; aliavam assim o poder da força ao poder
divino, conservando a ignorância e fomentando o medo = das
masmorras, da fogueira, do inferno...
Os reis então faziam leis e instituíam tributos
a seu beneficio e a benefício da igreja. No livro Agonia
das Religiões, Cap.I, José Herculano
Pires, declara com muita lucidez que "o poder das religiões
não é mais religioso mas simplesmente econômico,
político e social.".
No mesmo livro, Cap.II, coloca-nos diante do que chama "o
dilema do homem contemporâneo - ser ou não ser religioso"...
E efetivamente, em particular nas camadas mais abastadas, nas
mais intelectualizadas, mesmo nas diversas faixas da chamada classe
média, as pessoas parece que se envergonham de demonstrar
religiosidade, parecem querer aparentar ser onipotentes, dar a
impressão de que não precisam de Deus, fazem muitas
vezes questão de se apresentarem como "livres pensadores",
sem vínculos com qualquer tipo de religião...
Na verdade, se analisarmos a história do homem no tempo,
veremos que é inata a idéia de Deus, a sensação
do divino em nós; de nada nos adianta temer esse reino
de Deus em nós pois existe, queiramos ou não; de
nada nos valem o orgulho e a pretensão de nos julgarmos
acima das leis naturais - essas que regem todo o Universo, inclusive
a nós próprios; de nada nos vale acreditarmos, ou
fingir acreditarmos, que nós é que regemos o Universo...
É por tudo isso, pelo mau entendimento dessas leis, ou
pelo seu mau uso, ou ainda por ignorância, por todas as
ações cruéis em que os envolvemos em nome
da religião, que Kardec, em Obras Póstumas
- Cap. Questões e Problemas, adverte: "estando
a ação do Espiritismo no seu poder moralizador,
não pode ele assumir nenhuma forma autocrática,
porque então faria o que condena (...) forte como filosofia,
o Espiritismo só teria a perder, neste século de
raciocínio, se se transformasse em poder temporal".
Quanto à ética, sabemos que colocar esse procedimento
em nosso cotidiano depende do nosso entendimento do que seja moral;
no Livro dos Espíritos, q. 629,
Allan Kardec pergunta aos Espíritos: "Que definição
pode dar-se à moral? E a resposta é inequívoca:
"Moral é a regra para bem se conduzir ... o homem
se conduz bem quando faz tudo em vista e para o bem de todos".
E, lamentavelmente, quer seja do ponto de vista social, político
ou religioso, ainda hoje, no século XXI, constatamos o
quanto nos falta, de um modo geral, como humanidade, colocar em
prática esse procedimento ético acima exposto.
Fala-se muito atualmente na corrupção principalmente
entre os políticos; no entanto, não paramos sequer
um momento para observar e analisar o nosso comportamento individual
no campo profissional ou na família. Muito interessante
para nossa reflexão, um texto de João Ubaldo Ribeiro
veiculado na internet cujo título é "Matéria
Prima"... Não consideramos anti-ético
pedir a um amigo que encontramos na frente da fila para compra
de ingressos no cinema que compre o nosso também... Não
consideramos anti-ético trazer do escritório da
grande empresa em que trabalhamos um bloco de notas, um lápis,
uma canetinha esferogrática para casa, para nossas anotações
particulares (a empresa tem tantos)... Não consideramos
anti-ético não atender ao telefonema daquele vendedor
maçante que insiste em nos vender seu produto ou daquela
amiga que nos repede incansavelmente a mesma história...
A corrupção, a falta de ética, de moral,
na verdade independe de valor e do vulto da atitude - trata-se
de um conceito de conveniência em que nós somos ou
procuramos ser, sempre, em qualquer circunstância, os beneficiados
(ou pelo menos é o que pensamos ser naquele momento).
Consequentemente, a mudança precisa começar em nós,
no nosso dia-a-dia, nos nossos conceitos mais íntimos,
aqueles que muitas vezes relutamos em enfrentar - porque somos
nós, humanidade em geral, que constituímos os políticos,
os religiosos, os profissionais de todo tipo, os cidadãos
participantes enfim da sociedade em que estamos inseridos, da
sociedade que nós mesmos construímos no decorrer
dos séculos e que agora precisa ser reavaliada e redimensionada
para que possamos todos e cada um de nós viver em paz e
harmonia.
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