Doris Madeira Gandres
> A Questão dos Embriões sob a Ótica
Espírita
Existe ou não um espírito
vinculado a uma célula embrionária congelada?
Em O Livro dos
Espíritos, na questão 344, quando Allan
Kardec pergunta “em que momento a alma se une ao corpo”,
os Espíritos que com ele elaboraram a Doutrina Espírita
respondem: “A união começa na concepção,
mas não se completa senão no momento do nascimento”.
Na 345, os espíritos afirmam que "a união entre
o espírito e o corpo é definitiva, no sentido de que
outro espírito não poderia substituir o que foi designado
para aquele corpo; mas, como os laços que o prendem são
muito frágeis, fáceis de romper podem ser rompidos
pela vontade do espírito que recua ante a prova escolhida.
Nesse caso, a criança não vinga".
Na 346 esclarecem ainda que "se o corpo que ele (espírito)
escolheu vier a morrer antes de nascer, ele escolhe outro".
E mais adiante, na 353, Kardec ainda pergunta: "A união
do espírito e do corpo não estando completa e definitivamente
consumada senão depois do nascimento, pode considerar-se
o feto como tendo uma alma?" Resposta: "O espírito
que o deve animar existe, de qualquer maneira fora dele (feto).
Propriamente falando, portanto, ele (feto) não tem uma alma,
pois a reencarnação está apenas em vias de
se realizar, mas está ligado à que deve possuir.”
Todos esses esclarecimentos nos fazem refletir com mais calma e
serenidade acerca da utilização de células-tronco
de embriões congelados há mais de três anos
para a realização de pesquisas, possibilitando a cura
de doenças problemáticas, graves e, até agora,
consideradas incuráveis.
Nós que temos acessos a esses ensinamentos, a essa doutrina
ao mesmo tempo racional e fraterna, cujas ferramentas fundamentais
são o bom senso e a caridade bem compreendida, não
podemos nos deixar envolver e levar por posicionamentos dogmáticos,
em que o religiosismo fundamentalista supere a razão e o
discernimento, de que já somos medianamente dotados, para
pretender entravar uma lei natural, divina, que é a lei do
progresso.
Coloco aqui também para nossa reflexão a pergunta
que ouvi no rádio feita por um deputado federal: Acreditando-se
que aqueles embriões congelados há mais de três
anos ainda sejam seres vivos em sua forma rudimentar, o que seria
melhor para eles - ajudarem o próximo a se curar de uma doença
grave e penosa ou simplesmente serem jogados no lixo? (porque é
isso que lhes acontece depois de algum tempo)...
Sabemos também que nenhum progresso, seja científico,
tecnológico, cultural ou artístico, se processa ao
acaso, à revelia de um planejamento superior, que tudo organiza
no sentido prover as criaturas de condições cada vez
mais avançadas para atingir com mais segurança e facilidade
aquilo a que todos somos destinados; à perfeição
relativa e à felicidade.
E nós ainda sabemos que cada um de nós, espíritos
reencarnados ou não, temos os nossos comprometimentos, os
nossos ajustes e reajustes a fazer, necessidades educativas a atender
e que, em função de tudo isso, nos colocamos por vezes
em situações de difícil compreensão
para os mais apressados, ou conservadores, ou distraídos
e muitas vezes, até para nós mesmos.
Assim como na questão 355, Kardec pergunta (há quase
200 anos) "com que fim acontece o fato de crianças que
desde o ventre da mãe não terem possibilidade de viver”,
e os espíritos lhe respondem que Deus o permite como prova,
seja para os pais, seja para o espírito destinado a reencarnar”,
também podemos deduzir que, se algum espírito estiver
ligado àquele embrião congelado, isso pode igualmente
ser uma prova que ele tenha que experienciar.
Outro ponto de reflexão para o caso dos embriões é
a respostas dos espíritos à questão 359: “No
caso em que a vida da mãe estaria em perigo pelo nascimento
da criança, há crime em sacrificar a criança
para salvar a mãe?” Resposta: “É preferível
sacrificar o ser que ainda não existe a sacrificar o que
existe”. Ou seja, sacrificar o embrião ao ser existente,
o doente com possibilidade de cura mediante essa novo processo...
Seria então o caso de avaliar-se igualmente o fato de se
poderem congelar embriões, cuja maioria, em futuro breve,
será descartada, sacrificada... Contudo, isso teve inicio
com os tratamentos avançados de fertilização
in vitro, em laboratório, para atender os anseios da paternidade/maternidade
de pessoas com serias dificuldades para gerar filhos - muitas vezes
na tentativa, processam-se varias fertilizações, na
esperança de que uma se realize com sucesso; e, assim, para
que um espírito consiga sua oportunidade reencarnatória,
quem sabe outros não precisam se sacrificar, desenvolvendo,
com essa experiência, sentimentos de altruísmo e abnegação...
Portanto, não se trata de simplesmente posicionar-se de forma
irrefletida a favor ou contra. Questões complexas - e tudo
que envolve a vida (de encarnados ou desencarnados) são de
suma complexidade e importância - precisam ser criteriosamente
analisadas e pesadas em todos os seus aspectos.
*A autora é carioca, expositora
e articulista de jornais e revistas espíritas. Autora do livro
A Felicidade ao nosso Alcance.
Fonte: Correio Fraterno
do ABC-maio/ junho 2005
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