Ademir Xavier Jr. - Editor GEAE
- Texto Introdutório
Seja por constituir um objeto de
grande interesse do público, seja pelo sua ampla notoriedade
frente aos novos desenvolvimentos da civilização,
a Ciência provocou, é certo, uma profunda revolução
na história da humanidade. A história diz que acontecimentos
como a revolução industrial e as guerras recentes
tiveram como arcabouço o lento porém profundo desenvolvimento
das disciplinas científicas. O impacto das ciências
com consequências tecnológicas foi decisivo para a
estrutura econômica contemporânea, criando uma fissura
de origem nitidamente técnica entre países ricos e
pobres. "Países em desenvolvimento" esforçam-se
por se livrar de seu passado menos desenvolvido, buscando políticas
públicas de fomento à pesquisa e o desenvolvimento
tecnológico.
Nesse panorama em que a Ciência
substituiu a religião em muitos aspectos do dia-a-dia moderno,
existe alguma receita para se ter boa ciência? Como se dá
o processo de geração de conhecimento genuinamente
científico? Como se distingue uma disciplina em seus aspectos
científicos, e quem é resposável por essa distinção?
A parte do interesse geral que respostas a essas questões
podem ter, surge também naturalmente dúvidas, na mente
de muitos espíritas, sobre a estruturação científica
da Doutrina Espírita. Há um consenso geral de que
o Espiritismo deva se curvar (embora não implicando se modificar)
frente a novas descobertas e teorias da Ciência, embora não
se saiba muito bem como isso deva acontecer. Há muitos espíritas
que apressadamente propõem uma "revisão"
dos fundamentos ou de partes secundárias da doutrina, embasando-se
em aparentes justificativas fundamentadas em novas teorias científicas.
Tal situação cria climas de conflitos sem justificativa,
quando as tensões aparecem por falta de conhecimento das
sutilezas do processo de desenvolvimento da ciência e de sua
própria conceituação.
É para dirimir essas
dúvidas e esclarecer o aspectos verdadeiramente científicos
do Espiritismo que os textos do Alexandre foram escritos. Partindo
da experiência adquirida em seu treinamento em física,
que é uma das ciências de maior prestígio na
atualidade e que maior influência teve sobre o desenvolvimento
de vários campos do conhecimento (inclusive sobre psicologia
moderna), é feita uma descrição do modo de
operação e desenvolvimento dessa ciência. Uma
definição suficientemente ampla de ciência é
difícil de ser concebida em poucas linhas, mas podemos ter
uma boa idéia do que é fazer ciência física
genuinamente por uma descrição detalhada do processo
de pesquisa em física, o que é muito mais simples.
Parte-se, então, a partir de um paralelo com os estudos espíritas
para a conclusão nitidamente kardequiana de que o Espiritismo
é uma ciência genuína, embora o objeto de estudo
dessa ciência não seja da mesma natureza que o de outras
ciências materiais. A distinção entre objetos
de estudo é crucial para se compreender bem que, longe de
querer modificar o Espirismo ou de pretender que ele dispute com
a Física ou disciplinas correlacionadas um status de igualdade,
devemos compreendê-lo como o grande complemento a uma visão
unificada das coisas ao nosso redor, onde matéria e espírito
são os grandes constituintes. Desta forma, não é
necessário que a Física desvende as últimas
dimensões da matéria e encontre o espírito
para que o Espiritismo tenha reconhecimento, pois esse valor, independentemente
do reconhecimento, ele já o tem. Muito menos precisa a Doutrina
Espírita se torcer para incluir entre seus postulados determinadas
descobertas recentes, posto que tais descobertas são feitas
sobre objetos do munto material que não coincidem com os
objetos de estudo da Doutrina Espírita, além do caráter
quase sempre transitório das teorias construídas em
torno dessas pesquisas. É prejudicial ao desenvolvimento
natural da Doutrina Espírita como ciência querer fundi-la
com qualquer teoria física justamente porque essas teorias
físicas se alteram dia-a-dia, além de versarem sobre
objetos que tem pouca relação com o interesse principal
da pesquisa espírita.
Após ler os textos do Alexandre passamos a compreender que
todo espírita deve reconhecer nos progressos das ciências
(não importando a origem deles, seja em novas descobertas
nucleares ou no desvendamento do mecanismo dos genes) um avanço
na direção oposta à ignorância. Embora
o desenvolvimento científico não se prenda, em princípio,
à aplicações eticamente corretas, devemos entender
que todo desenvolvimento é assim para o bem, uma vez que
as sementes desses desenvolvimentos serão utilizadas no futuro
para facilitar ou amenizar nossas dificuldades materiais, além
das possibilidades sempre presente de se fazer o bem com tais descobertas.
Os que se impressionam com essas novas descobertas não tem
razão assim para maiores temores: assim como o Espiritismo,
a Ciência caminha em direção à verdade,
fonte de toda libertação.
Artigo extraído do
GEAE - Boletim 483
- http://www.geae.inf.br
Alexandre Fontes da Fonseca
Curso Ciência & Espiritismo
Aula 1: Introdução
e Conceito de Ciência
1. INTRODUÇÃO
Podemos dizer que o interesse do
movimento espírita por questões científicas
é tão antigo quanto a própria doutrina espírita.
No Brasil, isso é fato comum como se pode verificar através
das datas das primeiras edições de algumas publicações
como, por exemplo, as obras do nosso irmão Hernani
G. Andrade, A Teoria Corpuscular do Espírito (1958)
[1] e Novos Rumos À Experimentação Espirítica
(1960) [2]. O número de publicações,
em livros e revistas, sobre questões científicas ligadas
ou aplicadas ao Espiritismo é bastante expressivo nos dias
de hoje.
Determinados avanços científicos
como, por exemplo, as teorias modernas da Física e as pesquisas
na área de Biologia, como a lei de evolução
de Darwin, o projeto Genoma e as experiências com a clonagem
de animais, despertam o interesse pois esses temas parecem ter alguma
conexão, de um jeito ou de outro, com algumas questões
espíritas relacionadas à interface espírito-matéria.
A maioria dos espíritas,
como a maioria das pessoas em geral, não possui formação
profissional em Ciência. Isso dificulta o uso da ferramenta
do bom senso na análise de idéias e propostas de caráter
científico para os conceitos espíritas, originadas
de irmãos desencarnados ou, mesmo, encarnados. Mesmo sabendo
que é preferível “rejeitar 10 verdades do que
aceitar uma só mentira” [3],
os espíritas ficam sem jeito de questionar algumas idéias,
mesmo aquelas muito difíceis, seja de um espírito
cujo nome retém enorme respeito, seja de um irmão
encarnado que possui títulos universitários ou respeito
no movimento espírita. Muitos preferem evitar o ato de questionar
para evitar melindres e ofensas já que nós espíritas,
muitas vezes, consideramos pessoal uma crítica à alguma
de nossas idéias. No entanto, essa postura é um engano
que pode gerar inconvenientes ainda mais sérios, cedo ou
tarde, para o movimento espírita. O progresso exige que tenhamos
o entendimento daquilo que nos chega através do intelecto,
e quando não podemos alcançar esse entendimento com
relação a determinados assuntos, a prudência
orienta que aguardemos o futuro antes de lhes dar crédito.
É perfeitamente possível compreender que críticas
a quaisquer idéias estão longe de representar uma
ofensa ao autor das mesmas.
O diálogo sobre Ciência
e Espiritismo, que vem sendo apresentado em partes no Boletim de
GEAE (nºs de 476 a 482) nos levou a uma percepção
de que mesmo entre cientistas profissionais existem diferenças
em suas opiniões e pontos de vista com relação
à questão sobre como a Ciência se insere e contribui
com o Espiritismo e vice-versa, isto é, como o Espiritismo,
em seu aspecto científico, se coloca diante da Ciência
e das várias ciências.
As idéias suscitadas no diálogo
acima mencionado e a necessidade de nos munirmos com mais ferramentas
para a verificação do critério do bom-senso
ensinado por Kardec para com todo o conteúdo espírita
que vem sendo divulgado como científico, motivaram o conselho
editorial do GEAE a propor-nos a preparação de um
conjunto de artigos sobre ao assunto. Iremos, talvez exageradamente,
chamar esses artigos de “aulas” sobre Ciência
e Espiritismo e o objetivo principal é iniciar uma ampla
discussão e orientação com e para os leitores
do Boletim do GEAE, sobre questões atuais como: o que é
ciência; o que é Física; como o Espiritismo
se insere no aspecto científico; o que ou como as ciências,
como a Física, podem contribuir para o desenvolvimento ou
entendimento de determinados conceitos espíritas; como se
produz o conhecimento dito científico e que critérios
e métodos existem para analisar se um artigo científico
é válido ou não; etc.
Assim, perguntas, dúvidas
e comentários sobre o assunto podem ser enviados a qualquer
momento. Mais ou menos a cada três aulas (dependendo do número
de perguntas) uma aula de dúvidas será preparada para
respondê-las.
Neste “curso” buscaremos
abordar não apenas algumas definições presentes
na literatura espírita sobre aspectos filosóficos
da ciência, mas também oferecer um ponto de vista do
dia-a-dia profissional deste autor sobre a prática de pesquisa
e ciência. Discutiremos algumas orientações
básicas para a realização de pesquisas espíritas,
teóricas ou práticas, de forma séria e consistente.
Enfatizamos que estes apontamentos
não são absolutos sobre o assunto. Comentários,
críticas e sugestões serão sempre bem vindos.
2. CONCEITO DE CIÊNCIA
O conceito de ciência não
é algo simples que possa ser apresentado com uma ou duas
frases. Essa palavra traz múltiplos significados que, em
conjunto, refletem a prática e o produto da atividade dita
científica. Um dos autores que, ao nosso ver, melhor contribuiu
no entendimento desse aspecto e sua relação com o
Espiritismo é o Prof. Silvio S. Chibeni. Recomendamos fortemente
a leitura e o estudo de seus trabalhos.
Ao falar do aspecto filosófico
do Espiritismo, Chibeni [4] comenta
que o que hoje chamamos de ciência está historicamente
ligado ao que se entendia de filosofia nos primeiros tempos da nossa
cultura ocidental. Em outras palavras, a filosofia significa a busca
da verdade [5].
E Chibeni, através dos conhecimentos
filosóficos modernos, já há mais de 10 anos,
analizou e discutiu a idéia de Ciência Espírita
[6]. Não é nossa intenção
repetir aqui sua análise e argumentação mas
sim apresentar um resumo dos pontos principais. O leitor encontrará
nas respostas dadas pelo Prof. Ademir Xavier (Boletins ns. 476 a
482) esse aspecto do conceito de ciência. Os cientistas, em
geral, possuem visões particulares que diferem desta análise.
Mas já existe algum consenso dentre vários irmãos
espíritas (que são cientistas) de que essa análise
é legítima.
Uma visão leiga e antiga
de ciência diz que a atividade científica compreende
os seguintes passos: i) extensa observação dos fatos
e aquisições de dados experimentais; ii) análise
dos dados e a obtenção de leis gerais; iii) testes
experimentais e controlados destas leis gerais através de
novas observações e experimentos.
Apesar da atividade científica
envolver esses três ítens, a ordem pela qual eles ocorrem
está longe de ser a que apresentamos acima. Os filósofos,
ao analisarem como os cientistas trabalham, perceberam que é
impossível observar os fatos sem ter uma hipótese
ou idéia pré-concebida. Isto significa que o ítem
(ii) sempre anda de mãos dadas com o ítem (i) quando
não vai a frente como, por exemplo, em algumas descobertas
importantes na área de Física de partículas.
Por exemplo, a previsão da existência do positron (anti-partícula
associada ao elétron), foi realizada anos antes de sua descoberta
experimental. Um aspecto muito interessante ressaltado por Chibeni
[6] e Xavier Jr. [7]
é que a atividade científica envolve uma grande dose
de criatividade. Não existe um “método geral”
para se obter uma teoria a partir apenas da observação
dos fatos. Se isso fosse possível, os cientistas perderiam
o emprego uma vez que bastaria programar um computador para seguir
tal “método”.
Portanto, ciência é
uma atividade humana que envolve o uso da imaginação
tanto na proposiçãso de leis e teorias quanto na preparação
de ferramentas experimentais ou observacionais para a verificação
dos fatos ou da realidade. O desenvolvimento daquilo que chamamos
“método científico” também faz
parte dessa criatividade. Lembremos que Kardec criou um método
para a análise das mensagens mediúnicas. Podemos dizer
que a função básica do método científico
é ajudar os cientistas a selecionarem, dentre as mil e uma
idéias que passam pelas suas cabeças, aquelas que
sejam as mais simples e eficazes para a explicação
das leis básicas que estão por trás dos fenômenos.
Discutiremos mais a respeito do método científico
na próxima aula.
Os estudiosos da Filosofia da Ciência
perceberam que todas as disciplinas científicas possuem determinadas
características que independem da disciplina em si. Essas
características que definem o adjetivo científico
de cada disciplina, envolvem a existência de um núcleo
teórico principal ou conjunto de hipóteses principais
(os fundamentos e leis básicas da disciplina científica).
Este núcleo possui à sua volta um conjunto de hipóteses
auxiliares que complementam e fazem o contacto ou a conexão
entre os dados experimentais ou fatos observados e o núcleo
teórico principal. Essa estrutura é, ainda, acompanhada
de regras mais ou menos explícitas que norteiam o desenvolvimento
da disciplina. Uma parte dessas regras, ditas negativas garante
que o núcleo principal nunca deve ser alterado. As discrepâncias
deverão ser resolvidas através de ajustes nas partes
não centrais, isto é, dentro do conjunto de hipóteses
auxiliares. O conjunto de regras positivas orientam sobre como e
onde essas correções deverão ocorrer. A esse
conjunto de hipóteses principais ou núcleo teórico
principal chamamos de paradigma da disciplina científica.
Com base nestes aspectos filosóficos
sobre o que é uma ciência, Chibeni [6]
conclui que o Espiritismo é uma verdadeira disciplina
científica. E isso é um fato independente
das outras disciplinas científicas ortodoxas mais conhecidas
como a Física, a Química e a Biologia. Em outras palavras,
o aspecto científico do Espiritismo não depende dos
conceitos das outras ciências.
Além das referências
abaixo, os leitores são referidos aos comentários
do Ademir Xavier Jr. no diálogo sobre Ciência e Espiritismo,
publicados nos boletins ns. de 476 a 482 e aos artigos do Prof.
Silvio S. Chibeni, referências [4,5].