Em matéria anterior divulgamos
algumas pesquisas em Matemática Aplicada com a chamada Teoria
de Jogos [1], onde grupos
sociais são analisados estatisticamente com relação
ao comportamento cooperativo ou não-cooperativo
dos seus membros. Discutimos as conseqüências morais
dessas pesquisas ao verificar como a idéia de solidariedade
emerge, naturalmente, como comportamento que proporciona maior progresso
ao grupo. Verificamos que se os preceitos do Evangelho resumidos
no “amai a Deus e ao próximo
como a si mesmo” forem seguidos por cada um de nós
a humanidade progredirá, certamente, a passos largos. O que
consideramos digno de destaque é que essa conclusão,
há muito conhecida e ensinada pelas religiões em geral,
está agora se tornando uma certeza matemática.
Aqui, pretendemos complementar o
assunto divulgando os estudos sobre o chamado “ultimatum
game” (jogo do ultimato) [2,3]
cujos resultados mostram que o ser humano não age de forma
absolutamente racional e egoísta.
No jogo do
ultimato dois jogadores são convidados a dividir uma
determinada quantia em dinheiro. Um deles, o proponente,
é o que fará uma oferta ao outro, o que responde.
Se o que responde aceita a oferta,
o dinheiro é dividido de acordo com a proposta. Se o que
responde rejeita a oferta ambos os
jogadores não recebem nada. A solução puramente
racional é o proponente oferecer
o menor valor possível e o que responde
aceitá-lo. Afinal de contas, receber um valor muito baixo
é melhor do que receber nada. Os jogadores são esclarecidos
que só participarão do jogo uma única vez e
que não é possível barganhar,
ou seja, uma vez feita a oferta pelo proponente,
cabe ao que responde dizer se aceita
ou não.
Porém o resultado das pesquisas
feitas aplicando-se este jogo a pessoas do mundo inteiro (maiores
detalhes na referência [4]), mostra que os seres humanos
não jogam de forma absolutamente racional.
A maioria dos proponentes fazem uma
oferta justa (até 80% deles oferecem de
40% a 50% do total) e mais da metade dos que respondem
rejeitam ofertas menores que 30% do valor total
[2,3].
Existem suposições
para explicar esse comportamento, considerado irracional
pelos cientistas (sem teor pejorativo), de dar ênfase na divisão
justa, em contrapartida a obter-se o maior lucro.
Uma delas sugere que os jogadores acreditam que, no futuro, se encontrarão
novamente para jogarem o jogo. De fato, se o mesmo jogo for realizado
várias vezes entre as mesmas pessoas o resultado tenderá
para ofertas mais justas pois o que responde poderá rejeitar
ofertas pequenas para obter ofertas maiores em rodadas posteriores
[2].
Num contexto mais biológico,
o jogo do ultimato pode representar
o comportamento de dois indivíduos tentando dividir adiantadamente
o ganho devido a alguma tarefa a ser realizada em conjunto, como
uma atividade de caça. Outro exemplo seria a aplicação
dessa idéia ao problema da divisão de alimentos. A
rejeição com relação a um acordo pode
fazer com que o alimento seja levado por uma outra pessoa ou ele
pode estragar, ou ainda, o alimento pode “fugir” (no
caso de uma caça ou pesca), etc. Acredita-se que situações
similares tenham formado um instinto da divisão justa nos
animais e seres humanos ao longo dos milhões de anos [2].
Podemos notar que as interpretações
e ilações dos cientistas quanto aos resultados das
pesquisas feitas com o jogo do ultimato
refletem um ponto de vista materialista que ainda predomina no meio
acadêmico. Porém, longe de lançar qualquer anátema
aos cientistas, pretendemos discutir esses resultados à luz
da Doutrina Espírita. Em O Livro dos Espíritos
[5], encontramos as seguintes
afirmativas:
“766. A
vida social está em a Natureza?
“Certamente. Deus fez o homem para viver em sociedade.
Não lhe deu inutilmente a palavra e todas as outras faculdades
necessárias à vida de relação.”
767. É contrário à lei da
Natureza o insulamento absoluto?
“Sem dúvida, pois que por instinto os homens buscam
a sociedade e todos devem concorrer para o progresso,
auxiliando-se mutuamente.” (Grifos
nossos).
Nos resultados com as pesquisas feitas com o jogo
do ultimato, vemos um reflexo dessas duas afirmativas dos
espíritos. A vivência em sociedade já proporcionou
algum progresso moral para a humanidade. Quando verificamos que
a maioria das pessoas fazem ofertas justas no jogo
do ultimato
inferimos um comportamento que está presente nas situações
da vida onde as pessoas necessitam da união para atingir
um determinado objetivo. Cada uma delas tende a fazer a sua parte
da melhor forma possível, promovendo o progresso já
que o sucesso da equipe depende do esforço de seus membros.
Como a Humanidade ainda está
em processo de evolução, é importante notar
que a filosofia do jogo do ultimato
não corresponde à filosofia do Evangelho. No jogo
da vida segundo as regras cristãs
cada proponente oferece o máximo
e o melhor de si e o que responde recebe
a oferta, de forma bastante grata, e retribui da melhor forma possível.
Nossa humanidade, apesar do progresso intelectual e de alguns passos
no progresso moral, ainda está num estágio evolutivo
onde o egoísmo e o orgulho predominam.
As pesquisas com o jogo
do ultimato oferecem ainda um resultado interessante. No
artigo da referência [3], os
autores estudaram os efeitos do conhecimento prévio, por
parte do proponente, quanto aos valores
que o que responde tem aceito em participações
anteriores no jogo. Em outras palavras, eles estudaram os efeitos
da “reputação” daquele que responde
em aceitar determinadas ofertas. Eles mostram que o custo de se
rejeitar uma oferta relativamente baixa é contrabalanceado
pela “reputação” de ser um indivíduo
que só aceita ofertas mais justas. Isso faz com que ele receba
ofertas melhores em jogadas posteriores. Os autores do artigo da
referência [3] concluem, portanto,
que “reputação” favorece a justiça
nas divisões do dinheiro.
Do ponto de vista moral e evangélico,
uma boa “reputação” é obtida com
o desenvolvimento da autoridade moral.
Sabemos que os Espíritos influem no nosso pensamento “muito
mais do que imaginais. Influem a tal ponto, que, de ordinário,
são eles que vos dirigem.”
(O Livro dos
Espíritos [5], questão número 459).
Nesse aspecto, quando a influência ocorre por Espíritos
ainda imperfeitos, apegados de forma demasiada às sensações
da vida material, percebemos um pouco da estratégia do jogo
do ultimato. Existem pessoas que realizam verdadeiros pactos
com esses Espíritos onde eles ajudam essas pessoas a obterem
os objetos de seus desejos materiais (muitas vezes vícios)
e, em troca, eles exploram os sentidos delas ao sugarem os fluidos
que as envolvem nessas práticas. Quando essas pessoas, pela
evangelização, decidem mudar de vida, abolindo, de
vez, tais práticas e vivências, após sofrerem
alguma perseguição pelos algozes invisíveis,
elas acabam adquirindo uma verdadeira “reputação”
moral, afastando-os da sua atmosfera mental, permitindo a ligação
com os Espíritos bons.
É por essa razão que
os centros espíritas sérios sempre
oferecerão a palavra do Evangelho, à luz do Espiritismo,
como melhor remédio para a solução dos nossos
males e imperfeições.
Page e Nowak [6]
apresentaram os resultados de um interessante estudo feito, ainda,
com o jogo do
ultimato, onde uma idéia
denominada por eles de empatia leva
à justiça nas ofertas de dinheiro. Empatia
foi definida por eles como sendo o comportamento do proponente
em oferecer valores que ele aceitaria receber se fosse o que responde.
Encontramos a frase “fazei aos outros o que quereríeis
vos fizessem” no primeiro parágrafo do item 3 do capítulo
XV do Evangelho Segundo o Espiritismo [7],
intitulado “Fora da Caridade Não
Há Salvação”. Temos aqui uma verificação
direta dos efeitos da prática do Amor e da Caridade diante
de um simples jogo que reflete um relacionamento social. Page e
Nowak mostraram que “oferecer aos outros o que quereríeis
vos fizessem como oferta” culmina com o comportamento justo
diante da divisão dos bens e lucros.
Sugerimos a leitura do artigo do
Sr. Armando dos Santos [8] a respeito
do progresso que a humanidade já conquistou. Aqui, apresentamos
uma pequena contribuição para mostrar que a Humanidade
está sim, como dos Santos afirmou [8],
“caminhando a passos largos, pela senda do PROGRESSO”
(grifos originais).
Há mais de dois mil anos
Jesus testemunhou o seu Amor mostrando-nos o Caminho para a vida
Superior; há quase 150 anos Kardec recebeu das vozes do Além
o “consolador prometido” para relembrar-nos os ensinamentos
cristãos; hoje, arriscamos dizer que a Ciência, sem
perceber, começa a verificar as conseqüências
da prática da Caridade. Só temos a agradecer ao Pai
pela Sua infinita bondade em nos mostrar o “caminho certo”
de várias maneiras.