1. Introdução
Kardec sempre deixou claro que a Doutrina é
dos Espíritos. Mas que garantia podemos ter de que a Doutrina
é mesmo deles? Como assegurar-se cientificamente de que os
ensinos não são oriundos da mente dos médiuns
ou do codificador? Kardec tratou disso ao propor o Método
do Controle Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE),
que pode ser encontrado no 9º parágrafo do ítem
II da Introdução do Evangelho Segundo o Espiritismo
[1] (ESE),
e na parte final do ítem XXVIII do cap. XXXI do Livro
dos Médiuns [2]
(LM). Transcrevemos abaixo:
“Uma
só garantia séria existe para o ensino dos Espíritos:
a concordância que haja entre as revelações
que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande número
de médiuns estranhos uns aos outros.” (definição
contida no ESE).
“A melhor garantia de que um princípio é a
expressão da verdade se encontra em ser ensinado e revelado
por diferentes Espíritos, com o concurso de médiuns
diversos, desconhecidos uns dos outros e em lugares vários,
e em ser, ao demais, confirmado pela razão e sancionado
pela adesão do maior número.” (definição
contida no LM).
Xavier Jr. [3] analisou o método
CUEE comparando-o com o desenvolvimento histórico das religiões
e da ciência, destacando duas grandes razões de Kardec
para sua existência:
i) “garantia para a unidade
futura do Espiritismo” e anulação de “todas
as teorias contraditórias”; e
ii) “garantia contra as alterações que poderiam
sujeitar o Espiritismo às seitas que se propusessem apoderar-se
dele em proveito próprio ou acomodá-lo à
vontade” (parágrafos 14 e 16
do ítem II da Introdução do ESE).
Em vista da importância do
assunto e aproveitando o ensejo da comemoração dos
156 anos do Livro dos Espíritos [4]
(LE), desenvolvemos uma análise matemática
do método do CUEE para demonstrar cientificamente o grau
de certeza nos Espíritos superiores na elaboração
do LE. Utilizamos a Teoria da Probabilidade [5]
para mostrar que o método CUEE garante que o conteúdo
das mensagens em comum, ou em consenso, são dos
Espíritos e não fruto da mente dos médiuns.
2. Análise matemática do
método do CUEE
Nossa análise se baseia na Teoria da Probabilidade [5]
e na influência dos médiuns sobre as mensagens mediúnicas
(vide questão 7 do ítem 223 do cap. XIX do LM).
Não se pode, em princípio, determinar com precisão
o grau de influência de um médium sobre suas comunicações
mediúnicas. Podemos, porém, fazer estimativas. Assumiremos,
então, valores probabilísticos para essa influência.
Assim, quando dissermos, por exemplo, que um médium é
“de 50% de influência” estamos querendo dizer
que a mensagem recebida por ele(a) contém 50% de idéias
de sua própria mente, e 50% de idéias do Espírito
comunicante. Os “50% de influência” incluem todas
as causas possíveis como o estado emocional do médium;
sua afinidade com o Espírito comunicante; discordância
da idéia do Espírito, etc. (vide cap. XIX do LM).
Suponha que temos à nossa disposição, um médium
de 50% de influência, e formulamos uma questão aos
Espíritos. A mensagem que recebermos desse médium
terá 50% de idéias próprias e 50% de idéias
do Espírito. Suponha que temos, agora, DOIS médiuns
de 50% de influência, e que formulamos a MESMA questão
para os Espíritos responderem por intermédio dos DOIS
médiuns, sem que um saiba do outro (médiuns diferentes,
de lugares diferentes). Suponha que mesmo havendo diferenças
no estilo e na forma das duas mensagens, identificamos uma idéia
em comum. Essa idéia em comum é o que
chamamos de consenso. Qual a chance da idéia em comum
ser dos Espíritos e não o resultado de uma coincidência
na influência de cada um dos médiuns?
Para responder essa questão utilizaremos a Teoria da Probabilidade
[5]. Ela diz que a probabilidade de
ocorrência de dois eventos independentes entre si (isto é,
onde um não é condição para ocorrência
do outro) é o produto das probabilidades isoladas de cada
uma das ocorrências. Como estamos analisando um caso em que
houve um consenso nas mensagens dos Espíritos, então,
os únicos eventos independentes entre si são a influência
individual de cada médium sobre a mensagem que recebeu. Se
escolhemos médiuns diferentes, de diferentes localidades,
garantimos que não há nenhuma ligação
entre eles e, consequentemente, a influência de um médium
sobre a sua comunicação será totalmente
independente da influência do outro. Assim, podemos dizer
que a probabilidade da idéia em comum ser o resultado
de uma coincidência nas influências dos médiuns
é o produto das probabilidades isoladas de influência
de cada médium. Assim, em nosso exemplo, onde cada médium
é de 50% de influência, a probabilidade da idéia
em comum ser dos médiuns é o produto 1/2 x 1/2
= 1/4 ou 25% (50% é igual a 50 dividido por 100 que é
igual à fração 1/2). Portanto, a probabilidade
da idéia em comum não ser influência
dos médiuns e, consequentemente, ser dos Espíritos
é o que falta para completar os 100%, ou seja, 1 –
1/4 = 3/4 ou 75%.
Se usarmos três médiuns de influência de 50%,
e obtivermos um consenso nas mensagens, teremos o produto
das três probabilidades individuais de cada médium,
ou seja, 1/2 x 1/2 x 1/2 = 1/8 = 12,5%, para que essa idéia
seja dos médiuns, e 1 – 1/8 = 3/8 ou 87,5% da idéia
ser dos Espíritos.
Essa análise pode ser generalizada para os casos de médiuns
que possuem outros valores de probabilidades de influência.
Se representarmos por PM a probabilidade individual de cada médium
influenciar uma mensagem, e por PE a probabilidade da idéia
em comum, obtida por todos os médiuns, ser dos Espíritos,
então, aplicando-se a Teoria da Probabilidade, obtemos a
seguinte expressão:
PE = 1 – (PM)N , (1)
onde N é o número
de médiuns utilizados.
Entretanto, como não sabemos o valor preciso de PM de cada
médium, que utilidade teria a análise acima? Conforme
veremos a seguir, ela permite estimar o grau de confiança
no ensino dos Espíritos no processo de codificação.
Analisemos, agora, a seguinte situação. Suponha que
temos à nossa disposição médiuns de
influência grande, algo em torno de 80% (bem pior do que o
caso anterior de 50%). Queremos saber o seguinte: quantos médiuns
de influência de 80% são necessários no método
de CUEE para que eu tenha uma garantia de 90% de que a IDÉIA
EM COMUM é dos Espíritos e não dos médiuns?
Para responder a essa pergunta, nós precisamos de uma outra
equação que pode ser obtida a partir da equação
(1), de modo a obtermos o valor de N:
N = Log(1 – PE) / Log(PM),
(2)
onde “Log” é a função logaritmo
simples. O leitor não precisa se preocupar com os detalhes
matemáticos referentes a obtenção da equação
(2), mas apenas acompanhar o raciocínio. Substituindo os
valores PM = 0,8 (= 80%) e PE = 0,9 (= 90%), obtemos N @ 10,3. Isto
é, se usarmos N = 11 médiuns de influência de
até 80%, podemos garantir com MAIS DE 90% DE CERTEZA, que
uma idéia em comum presente nas 11 mensagens (uma
de cada médium) é dos Espíritos.
3. A elaboração de O
Livro dos Espíritos [4]
A utilização do método do CUEE é mencionada
por Kardec em diversos lugares, porém, sem muitos detalhes
sobre o número de médiuns utilizados. Kardec fala
da aplicação do CUEE após a publicação
do LE (parágrafos 13 e 14 do ítem II do ESE). Mas,
durante o processo de elaboração do LE, na Revista
Espírita, Kardec [6]
diz:
“(...) Tudo foi obtido
pela escrita, por intermédio de DIVERSOS MÉDIUNS
psicógrafos. (...).” (grifos
em maiúsculas, nossos)
Essa colocação mostra
que Kardec usou vários médiuns, mas ainda não
informa a quantidade utilizada.
Porém, no capítulo “minha primeira iniciação
no Espiritismo” de Obras Póstumas
7, Kardec diz:
“(...)sempre que se apresentava
ocasião eu a aproveitava para propor algumas das questões
que me pareciam mais espinhosas. Foi assim que MAIS DE 10 MÉDIUNS
PRESTARAM CONCURSO a esse trabalho. Da comparação
e da fusão de todas as respostas, coordenadas, classificadas
e muitas vezes retocadas no silêncio da meditação,
foi que elaborei a primeira edição de O Livro dos
Espíritos, entregue à publicidade em 18 de abril
de 1857.” (Grifos em maiúsculas,
nossos)
Se Kardec usou mais de 10 médiuns
e se mostramos que 11 médiuns relativamente ruins (de influência
de 80%) são suficientes para dar 90% de certeza de que os
ensinos são dos Espíritos, podemos afirmar
com segurança que o conteúdo do LE tem mais do que
90% de garantia. Se adicionarmos à nossa análise
o elevado nível de coerência, consistência e
sabedoria presentes no conjunto da obra, somos forçados a
admitir que o LE é a expressão mais fidedigna do pensamento
dos Espíritos superiores.
4. Conclusão
Neste artigo, demonstramos matematicamente o grau de confiança
do LE como fruto do ensinamento dos Espíritos superiores.
Empregamos a Teoria da Probabilidade para estimar a influência
dos médiuns sobre as comunicações mediúnicas
nos casos de consenso. Obtemos uma expressão que
permite avaliar o grau de confiança de que o conteúdo
das idéias em comum são dos Espíritos
e não da mente dos médiuns.
Diante das comemorações dos 156 anos da publicação
do LE, acreditamos estar prestando justa homenagem, apresentando
uma análise científica legítima do método
do CUEE.