Alexandre Fontes da Fonseca

>    A transição planetária, o mundo de regeneração e o trabalho de desobsessão

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Alexandre Fontes da Fonseca
>    A transição planetária, o mundo de regeneração e o trabalho de desobsessão


Um dos temas que tem demorado para sair “de moda” é o de previsões (algumas catastróficas) feitas em nome do processo de “transição planetária” que o nosso mundo estaria passando. Como bem dito por Giovanni Bruno em número recente do Jornal Alavanca(1), obras e artigos sobre o tema tem aparecido sem nenhum respaldo doutrinário que os sustente. O resultado tem sido um grande número de crendices, práticas místicas, questões pseudocientíficas, questões de ufologia e outras dúvidas se espalhando sem necessidade pelo meio espírita. E aquilo deveria ser importante de se ler e estudar, que é o que está nas obras básicas da Codificação, acaba sendo deixado de lado.

Nesta matéria, pretendemos esclarecer a diferença entre os conceitos de “transição planetária” e mundo de transição, de acordo com o Espiritismo. Relacionado ao tema, verificaremos qual será o destino da maioria dos Espíritos inferiores e desequilibrados que compõem a nossa Humanidade terrestre por ocasião desse período de “transição”. E, como consequência, discutiremos como devem ficar os trabalhos de desobsessão. Será que todos esses Espíritos infelizes irão para outro mundo por ocasião da “transição planetária”? Os trabalhos de desobsessão seriam, então: ou inúteis na atualidade, já que os maus deverão ir embora mesmo? Ou deixarão de existir já que não haverá mais Espíritos maus quando o nosso mundo mudar de estágio? Primeiro, vamos analisar o conceito da palavra “transição” na forma como aparece em O Evangelho Segundo o Espiritismo (ESE)(2). Depois, em termos desse conceito de “transição”, analisaremos como será o novo estágio para o qual, segundo o Espiritismo, o nosso mundo se tornará. Em seguida, discutiremos as implicações disso para o trabalho de desobsessão.

Na versão do ESE que utilizamos nesse estudo, a palavra “transição” aparece 4 vezes. Três delas se referem ao nosso tema que é a “transição planetária”. A outra se encontra no item 3 do capítulo VII do ESE e se refere ao estado infantil (de “transição” para a fase adulta, num sentido psicológico) pelo qual todos passamos ao reencarnar. Sobre isso Kardec diz “É necessário esse estado de transição para que o Espírito tenha um novo ponto de partida e para que esqueça, em sua nova existência, tudo aquilo que a possa entravar.” Nosso interesse, aqui, é analisar as outras três passagens em que Kardec se utiliza da palavra “transição” e que se referem ao tema desta matéria.

As primeiras duas vezes que a palavra “transição” aparece no ESE, ocorrem numa mensagem(3) de Santo Agostinho, contida nos itens 16 e 17 do capítulo III do ESE, sob o subtítulo “mundos regeneradores”. No item 16, Agostinho diz: “Entre as estrelas que cintilam na abóbada azul do firmamento, quantos mundos não haverá como o vosso, destinados pelo Senhor à expiação e à provação! Mas, também os há mais miseráveis e melhores, como os há de transição, que se podem denominar de regeneradores.” (Grifos em negrito, nossos). No item 17, ele diz: “Os mundos regeneradores servem de transição entre os mundos de expiação e os mundos felizes.” (Grifos em negrito, nossos). A terceira vez que a palavra “transição” aparece no ESE será comentada ao final.

Nessas duas passagens, vemos Agostinho definir o conceito de “transição” não como um período de tempo relativamente curto em que um mundo se transforma de um tipo para outro, nem como geralmente pensamos que seja, o processo de transformação da Terra de um mundo de provas e expiações para um mundo de regeneração. O que Agostinho chama de “transição” é exatamente o próximo estágio da Terra: um mundo regeneração. Nós temos chamado de “transição planetária” a passagem da Terra de mundo de provas e expiações para um mundo de regeneração. Em princípio não há problema com isso desde que entendamos o conceito mais amplo de mundo de transição apresentado por Agostinho. Ele diz que em mundos de transição a alma encontra “a calma e o repouso e acaba por depurar-se.” (item 17). E complementa dizendo que nos mundos de transição, “a Humanidade experimenta as vossas sensações e desejos, mas liberta das paixões desordenadas de que sois escravos, isenta do orgulho que impõe silêncio ao coração, da inveja que a tortura, do ódio que a sufoca. Em todas as frontes, vê-se escrita a palavra amor; perfeita equidade preside às relações sociais, todos reconhecem Deus e tentam caminhar para Ele, cumprindo-lhe as leis.”

Portanto, o conceito de “transição planetária” é diferente do conceito de “transição” contido no ESE. Enquanto o primeiro significa apenas o processo pelo qual o nosso mundo deixará de ser um mundo de provas e expiações e se tornará um mundo de regeneração (que é sinônimo de mundo de transição), a verdadeira “transição” pela qual o nosso mundo está passando é a de um mundo de provas e expiação para um mundo feliz (item 17). Essa “transição” envolve a Terra passar pelo estágio de mundo de regeneração ou mundo de transição, no sentido espírita definido por Agostinho.

Um mundo de transição é, conforme Agostinho declara, um mundo melhor que o de provas e expiações. Ele confirma que muitos de nós que vivemos hoje na Terra nos alegraríamos de habitar um mundo de regeneração. Porém, apesar disso, Agostinho alerta que “nesses mundos, ainda falível é o homem e o Espírito do mal não há perdido completamente o seu império. Não avançar é recuar, e, se o homem não se houver firmado bastante na senda do bem, pode recair nos mundos de expiação, onde, então, novas e mais terríveis provas o aguardam.(Santo Agostinho, item 18 do cap. III do ESE, grifos em negrito, nossos).

Curiosa essa afirmação de Agostinho, pois a ideia de “transição planetária” traz consigo a ideia de que os Espíritos maus não poderão mais encarnar aqui. Essa ideia tem, apenas em parte, respaldo doutrinário como se pode ver no item 27 do capítulo XVIII de A Gênese (GE)(4): “Para que na Terra sejam felizes os homens, preciso é que somente a povoem Espíritos bons, encarnados e desencarnados, que somente ao bem se dediquem. Havendo chegado o tempo, grande emigração se verifica dos que a habitam: a dos que praticam o mal pelo mal, ainda não tocados pelo sentimento do bem, os quais, já não sendo dignos do planeta transformado, serão excluídos, porque, senão, lhe ocasionariam de novo perturbação e confusão e constituiriam obstáculo ao progresso. Irão expiar o endurecimento de seus corações, uns em mundos inferiores, outros em raças terrestres ainda atrasadas, equivalentes a mundos daquela ordem, aos quais levarão os conhecimentos que hajam adquirido, tendo por missão fazê-las avançar. Substituí-los-ão Espíritos melhores, que farão reinem em seu seio a justiça, a paz e a fraternidade.” (Grifos em negrito, nossos).

Porém, essa ideia de que Espíritos maus não poderão mais encarnar aqui não é absoluta. Não é qualquer Espírito inferior. Kardec explica no ítem 29 do capítulo XVIII da GE: “Não se deve entender que por meio dessa emigração de Espíritos sejam expulsos da Terra e relegados para mundos inferiores todos os Espíritos retardatários. Muitos, ao contrário, aí voltarão, porquanto muitos há que o são porque cederam ao arrastamento das circunstâncias e do exemplo. Nesses, a casca é pior do que o cerne. Uma vez subtraídos à influência da matéria e dos prejuízos do mundo corporal, eles, em sua maioria, verão as coisas de maneira inteiramente diversa daquela por que as viam quando em vida, conforme os múltiplos casos que conhecemos.”
(Grifos em negrito, nossos).

Portanto, se compararmos essa explicação de Kardec com o que Agostinho disse no item 18, veremos que o mal ainda terá força num mundo de regeneração ou de transição. Espíritos maus, viciados, fracos em diversos graus de ordem moral, deverão ainda permanecer ligados ao nosso mundo, após a “transição planetária”. Apenas os Espíritos “que praticam o mal pelo mal, ainda não tocados pelo sentimento do bem”, isto é, que estão ainda muito endurecidos, é que deverão ser movidos para outros mundos onde poderão despertar-se para o bem de modo mais eficiente conforme explica Kardec.

Diante disso, podemos analisar como fica a questão dos trabalhos de desobsessão. A ideia de “transição planetária” poderia fazer que alguns pensem que o trabalho de desobsessão seria inútil na atualidade ou estaria com os dias contados. Na verdade, é justamente o contrário! Justamente por causa da importância de se despertar para o bem almas sofridas, enganadas, revoltadas, afastadas de seus entes queridos, é que o trabalho de desobsessão se apresenta como necessário para trazer paz a elas e a seus entes queridos nesse momento de “transição planetária”. Vai ser através dos trabalhos de desobsessão que Espíritos onde “a casca é pior do que o cerne” serão auxiliados, amparados, esclarecidos, com vistas para o seu progresso espiritual. Após a “transição planetária”, isto é, quando o nosso mundo se tornar um mundo de transição, o trabalho de desobsessão continuará existindo porque, como disse Agostinho, “o Espírito do mal não há perdido completamente o seu império.” Isto é, haverão Espíritos desequilibrados, necessitados, confusos, viciados, que vão precisar de toda ajuda que é possível receber de grupos de trabalho como esse. Isso será, também, fonte de inspiração e lembrança para os encarnados de que o mal ainda não se extinguiu, e que por isso deveremos manter sempre a vigilância.

Cumpre destacar algumas orientações doutrinárias com relação ao trabalho de desobsessão. O despertamento de muitos Espíritos para o bem depende do bom trabalho desses grupos. Nesse período de “transição planetária”, se faz necessário que os grupos de desobsessão estejam vigilantes, firmes e atuantes no bem. Cada trabalhador da tarefa mediúnica de desobsessão não deve descuidar do estudo e dos esforços por sua transformação moral. Isso é importante pois os Espíritos deixaram claro que para ajudar um obsidiado,
(questão 476 de O Livro dos Espíritos(5))... quanto mais digna for a pessoa, tanto maior poder terá sobre os Espíritos imperfeitos, para afastá-los, e sobre os bons, para os atrair. (...) Qualquer, porém, que seja o caso, aquele que não tiver puro o coração nenhuma influência exercerá. Os bons Espíritos não lhe atendem ao chamado e os maus não o temem.” No ítem 81 do cap. XXVIII do ESE(2), Kardec diz: “... necessário, sobretudo, é que se atue sobre o ser inteligente, ao qual importa se possa falar com autoridade, que só existe onde há superioridade moral. Quanto maior for esta, tanto maior será igualmente a autoridade. E não é tudo: para garantir-se a libertação, cumpre induzir o Espírito perverso a renunciar aos seus maus desígnios; fazer que nele despontem o arrependimento e o desejo do bem, por meio de instruções habilmente ministradas, em evocações particulares, objetivando a sua educação moral. Pode-se então lograr a dupla satisfação de libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito.” (Grifos em negrito, nossos). Como se vê, o trato com Espíritos obsessores, segundo o Espiritismo se baseia de um lado na transformação moral de cada um de nós, que nos garante assistência dos bons Espíritos, e de outro, no estudo já que é importante saber fazer que nesses Espíritos desequilibrados “despontem o arrependimento e o desejo do bem, por meio de instruções habilmente ministradas(grifos em negrito, nossos).

Como o propósito do Espiritismo é o progresso espiritual da Humanidade
(6) e como isso só se consegue através do nosso aprimoramento moral e intelectual, o nosso esforço no bem tem um duplo resultado: ajudamos no progresso da Humanidade, por sermos parte dela; e ajudamos, na tarefa liderada pelos bons Espíritos, de despertar para o bem, consciências ainda iludidas no orgulho, no egoísmo e na maldade.

Alguns se aproveitam do momento para criar alarmes e preocupações com catástrofes e outros tipos de flagelos em escala mundial. Mas, de acordo com o Espiritismo, a “transição planetária” não ocorrerá de modo violento, através de cataclismas ou dizimando gerações inteiras de pessoas. No ítem 27 do capítulo XVII da GE
(4), Kardec diz: “A Terra, no dizer dos Espíritos, não terá de transformar-se por meio de um cataclismo que aniquile de súbito uma geração. A atual desaparecerá gradualmente e a nova lhe sucederá do mesmo modo, sem que haja mudança alguma na ordem natural das coisas.” (Grifos em negrito, nossos). E acrescenta: “Assim decepcionados ficarão os que contam ver a transformação operar-se por efeitos sobrenaturais e maravilhosos.” (Grifos em negrito, nossos).

Por fim, a terceira vez que a palavra “transição” aparece no ESE, no sentido estudado aqui, ocorre na mensagem de Erasto contida no item 9 do capítulo XXI do ESE, sob o título “Caracteres de verdadeiro profeta”: “Desconfiai dos falsos profetas. É útil em todos os tempos essa recomendação, mas, sobretudo, nos momentos de transição em que, como no atual, se elabora uma transformação da Humanidade, porque, então, uma multidão de ambiciosos e intrigantes se arvoram em reformadores e messias. É contra esses impostores que se deve estar em guarda, correndo a todo homem honesto o dever de os desmascarar.”
(Grifos em negrito, nossos).

O momento atual é de “transição planetária” no sentido já comentado anteriormente. Logo, devemos permanecer em constante vigilância com relação ao que é dito e escrito em nome desse período de transformação. Muitos Espíritos, encarnados ou desencarnados, se levantarão em nome de Deus, de Jesus, dos Espíritos, ou simplesmente em nome do período de “transição planetária”, para trazer dúvidas, confusão, e desequilíbrio, desviando-nos a atenção daquilo que é realmente importante que é o nosso aprimoramento moral e intelectual. Na dúvida, estudemos a Doutrina Espírita. Ela nos ajuda a dar o justo valor a essas e muitas outras questões de grande importância para nossas vidas.

Alexandre Fontes da Fonseca – Campinas – SP

 

_______

 

(1) G. Bruno, “Transição Planetária Atabalhoada”, Jornal Alavanca 505, p. 3 (2014).

(2) A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Editora FEB, 112ª Edição, Rio de Janeiro (1996).

(3) Os itens 16 e 17 do capítulo III do ESE fazem parte das Instruções dos Espíritos que, juntos com o item 18, compõem uma mensagem assinada por Santo Agostinho, recebida em Paris, 1862.

(4) A. Kardec, A Gênese, Editora FEB, 34ª Edição, Rio de Janeiro (1991).

(5) A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76ª Edição, Rio de Janeiro (1995).

(6) A. Kardec, “O Que Ensina o Espiritismo”, Revista Espírita Jornal de Estudos Psicológicos Agosto, p. 219 (1865). Reproduzido pela Editora Edicel, Sobradinho - DF.



Fonte: http://www.alavanca.net.br/index.php/template/2014-08-12-04-55-33/item/95-a-transicao-planetaria-o-mundo-de-regeneracao-e-o-trabalho-de-desobsessao





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