Um dos temas que tem demorado para
sair “de moda” é o de previsões (algumas
catastróficas) feitas em nome do processo de “transição
planetária” que o nosso mundo estaria passando. Como
bem dito por Giovanni Bruno em número recente do Jornal
Alavanca(1), obras e
artigos sobre o tema tem aparecido sem nenhum respaldo doutrinário
que os sustente. O resultado tem sido um grande número de
crendices, práticas místicas, questões pseudocientíficas,
questões de ufologia e outras dúvidas se espalhando
sem necessidade pelo meio espírita. E aquilo deveria ser
importante de se ler e estudar, que é o que está nas
obras básicas da Codificação, acaba sendo deixado
de lado.
Nesta matéria, pretendemos esclarecer a diferença
entre os conceitos de “transição planetária”
e mundo de transição, de acordo com o Espiritismo.
Relacionado ao tema, verificaremos qual será o destino da
maioria dos Espíritos inferiores e desequilibrados que compõem
a nossa Humanidade terrestre por ocasião desse período
de “transição”. E, como consequência,
discutiremos como devem ficar os trabalhos de desobsessão.
Será que todos esses Espíritos infelizes irão
para outro mundo por ocasião da “transição
planetária”? Os trabalhos de desobsessão seriam,
então: ou inúteis na atualidade, já que os
maus deverão ir embora mesmo? Ou deixarão de existir
já que não haverá mais Espíritos maus
quando o nosso mundo mudar de estágio? Primeiro, vamos analisar
o conceito da palavra “transição” na forma
como aparece em O Evangelho Segundo o Espiritismo (ESE)(2).
Depois, em termos desse conceito de “transição”,
analisaremos como será o novo estágio para o qual,
segundo o Espiritismo, o nosso mundo se tornará. Em seguida,
discutiremos as implicações disso para o trabalho
de desobsessão.
Na versão do ESE que utilizamos nesse estudo, a palavra “transição”
aparece 4 vezes. Três delas se referem ao nosso tema que é
a “transição planetária”. A outra
se encontra no item 3 do capítulo VII do ESE e se refere
ao estado infantil (de “transição” para
a fase adulta, num sentido psicológico) pelo qual todos passamos
ao reencarnar. Sobre isso Kardec diz “É necessário
esse estado de transição para que o Espírito
tenha um novo ponto de partida e para que esqueça, em sua
nova existência, tudo aquilo que a possa entravar.”
Nosso interesse, aqui, é analisar as outras três passagens
em que Kardec se utiliza da palavra “transição”
e que se referem ao tema desta matéria.
As primeiras duas vezes que a palavra “transição”
aparece no ESE, ocorrem numa mensagem(3)
de Santo Agostinho, contida nos itens 16 e 17 do capítulo
III do ESE, sob o subtítulo “mundos regeneradores”.
No item 16, Agostinho diz: “Entre as estrelas que cintilam
na abóbada azul do firmamento, quantos mundos não
haverá como o vosso, destinados pelo Senhor à expiação
e à provação! Mas, também os há
mais miseráveis e melhores, como os há de transição,
que se podem denominar de regeneradores.” (Grifos
em negrito, nossos). No item 17, ele diz: “Os mundos
regeneradores servem de transição
entre os mundos de expiação e os mundos felizes.”
(Grifos em negrito, nossos). A terceira
vez que a palavra “transição” aparece
no ESE será comentada ao final.
Nessas duas passagens, vemos Agostinho definir o conceito de “transição”
não como um período de tempo relativamente curto em
que um mundo se transforma de um tipo para outro, nem como geralmente
pensamos que seja, o processo de transformação da
Terra de um mundo de provas e expiações para
um mundo de regeneração. O que Agostinho
chama de “transição” é exatamente
o próximo estágio da Terra: um mundo regeneração.
Nós temos chamado de “transição planetária”
a passagem da Terra de mundo de provas e expiações
para um mundo de regeneração. Em princípio
não há problema com isso desde que entendamos o conceito
mais amplo de mundo de transição apresentado
por Agostinho. Ele diz que em mundos de transição
a alma encontra “a calma e o repouso e acaba por depurar-se.”
(item 17). E complementa dizendo que
nos mundos de transição, “a Humanidade experimenta
as vossas sensações e desejos, mas liberta das paixões
desordenadas de que sois escravos, isenta do orgulho que impõe
silêncio ao coração, da inveja que a tortura,
do ódio que a sufoca. Em todas as frontes, vê-se escrita
a palavra amor; perfeita equidade preside às relações
sociais, todos reconhecem Deus e tentam caminhar para Ele, cumprindo-lhe
as leis.”
Portanto, o conceito de “transição planetária”
é diferente do conceito de “transição”
contido no ESE. Enquanto o primeiro significa apenas o processo
pelo qual o nosso mundo deixará de ser um mundo de provas
e expiações e se tornará um mundo
de regeneração (que é sinônimo de
mundo de transição), a verdadeira “transição”
pela qual o nosso mundo está passando é a de um mundo
de provas e expiação para um mundo feliz
(item 17). Essa “transição”
envolve a Terra passar pelo estágio de mundo de regeneração
ou mundo de transição, no sentido espírita
definido por Agostinho.
Um mundo de transição é, conforme
Agostinho declara, um mundo melhor que o de provas e expiações.
Ele confirma que muitos de nós que vivemos hoje na Terra
nos alegraríamos de habitar um mundo de regeneração.
Porém, apesar disso, Agostinho alerta que “nesses
mundos, ainda falível é o homem e o Espírito
do mal não há perdido completamente o seu império.
Não avançar é recuar, e, se o homem não
se houver firmado bastante na senda do bem, pode recair nos mundos
de expiação, onde, então, novas e mais terríveis
provas o aguardam.” (Santo Agostinho,
item 18 do cap. III do ESE, grifos em negrito, nossos).
Curiosa essa afirmação de Agostinho, pois a ideia
de “transição planetária” traz
consigo a ideia de que os Espíritos maus não
poderão mais encarnar aqui. Essa ideia tem, apenas
em parte, respaldo doutrinário como se pode ver no item 27
do capítulo XVIII de A Gênese (GE)(4):
“Para que na Terra sejam felizes os homens, preciso é
que somente a povoem Espíritos bons, encarnados e desencarnados,
que somente ao bem se dediquem. Havendo chegado o tempo, grande
emigração se verifica dos que a habitam:
a dos que praticam o mal pelo mal, ainda não tocados
pelo sentimento do bem, os quais, já não
sendo dignos do planeta transformado, serão excluídos,
porque, senão, lhe ocasionariam de novo perturbação
e confusão e constituiriam obstáculo ao progresso.
Irão expiar o endurecimento de seus corações,
uns em mundos inferiores, outros em raças terrestres ainda
atrasadas, equivalentes a mundos daquela ordem, aos quais levarão
os conhecimentos que hajam adquirido, tendo por missão fazê-las
avançar. Substituí-los-ão Espíritos
melhores, que farão reinem em seu seio a justiça,
a paz e a fraternidade.” (Grifos
em negrito, nossos).
Porém, essa ideia de que Espíritos maus não
poderão mais encarnar aqui não é absoluta.
Não é qualquer Espírito inferior. Kardec explica
no ítem 29 do capítulo XVIII da GE: “Não
se deve entender que por meio dessa emigração
de Espíritos sejam expulsos da Terra e relegados
para mundos inferiores todos os Espíritos retardatários.
Muitos, ao contrário, aí
voltarão, porquanto muitos há que o são
porque cederam ao arrastamento das circunstâncias e do exemplo.
Nesses, a casca é pior do que o cerne. Uma vez subtraídos
à influência da matéria e dos prejuízos
do mundo corporal, eles, em sua maioria, verão as coisas
de maneira inteiramente diversa daquela por que as viam quando em
vida, conforme os múltiplos casos que conhecemos.”
(Grifos em negrito, nossos).
Portanto, se compararmos essa explicação de Kardec
com o que Agostinho disse no item 18, veremos que o mal ainda terá
força num mundo de regeneração ou
de transição. Espíritos maus, viciados,
fracos em diversos graus de ordem moral, deverão ainda permanecer
ligados ao nosso mundo, após a “transição
planetária”. Apenas os Espíritos “que
praticam o mal pelo mal, ainda não tocados pelo sentimento
do bem”, isto é, que estão ainda muito
endurecidos, é que deverão ser movidos para outros
mundos onde poderão despertar-se para o bem de modo mais
eficiente conforme explica Kardec.
Diante disso, podemos analisar como fica a questão dos trabalhos
de desobsessão. A ideia de “transição
planetária” poderia fazer que alguns pensem que o trabalho
de desobsessão seria inútil na atualidade ou estaria
com os dias contados. Na verdade, é justamente o contrário!
Justamente por causa da importância de se despertar para o
bem almas sofridas, enganadas, revoltadas, afastadas de seus entes
queridos, é que o trabalho de desobsessão se apresenta
como necessário para trazer paz a elas e a seus entes queridos
nesse momento de “transição planetária”.
Vai ser através dos trabalhos de desobsessão que Espíritos
onde “a casca é pior do que o cerne”
serão auxiliados, amparados, esclarecidos, com vistas para
o seu progresso espiritual. Após a “transição
planetária”, isto é, quando o nosso mundo se
tornar um mundo de transição, o trabalho
de desobsessão continuará existindo porque, como disse
Agostinho, “o Espírito do mal não há
perdido completamente o seu império.” Isto é,
haverão Espíritos desequilibrados, necessitados, confusos,
viciados, que vão precisar de toda ajuda que é possível
receber de grupos de trabalho como esse. Isso será, também,
fonte de inspiração e lembrança para os encarnados
de que o mal ainda não se extinguiu, e que por isso deveremos
manter sempre a vigilância.
Cumpre destacar algumas orientações doutrinárias
com relação ao trabalho de desobsessão. O despertamento
de muitos Espíritos para o bem depende do bom trabalho desses
grupos. Nesse período de “transição planetária”,
se faz necessário que os grupos de desobsessão estejam
vigilantes, firmes e atuantes no bem. Cada trabalhador da tarefa
mediúnica de desobsessão não deve descuidar
do estudo e dos esforços por sua transformação
moral. Isso é importante pois os Espíritos deixaram
claro que para ajudar um obsidiado, (questão
476 de O Livro dos Espíritos(5))
“... quanto mais digna for a pessoa, tanto maior poder
terá sobre os Espíritos imperfeitos, para afastá-los,
e sobre os bons, para os atrair. (...) Qualquer, porém, que
seja o caso, aquele que não tiver puro o coração
nenhuma influência exercerá. Os bons Espíritos
não lhe atendem ao chamado e os maus não o temem.”
No ítem 81 do cap. XXVIII do ESE(2),
Kardec diz: “... necessário, sobretudo, é
que se atue sobre o ser inteligente, ao qual importa se
possa falar com autoridade, que só existe onde há
superioridade moral. Quanto maior for esta, tanto maior
será igualmente a autoridade. E não é
tudo: para garantir-se a libertação, cumpre
induzir o Espírito perverso a renunciar aos seus maus desígnios;
fazer que nele despontem o arrependimento e o desejo do bem, por
meio de instruções habilmente ministradas,
em evocações particulares, objetivando a sua educação
moral. Pode-se então lograr a dupla satisfação
de libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito.”
(Grifos em negrito, nossos).
Como se vê, o trato com Espíritos obsessores, segundo
o Espiritismo se baseia de um lado na transformação
moral de cada um de nós, que nos garante assistência
dos bons Espíritos, e de outro, no estudo já que é
importante saber fazer que nesses Espíritos desequilibrados
“despontem o arrependimento e o desejo do bem, por
meio de instruções habilmente ministradas”
(grifos em negrito, nossos).
Como o propósito do Espiritismo é o progresso espiritual
da Humanidade(6)
e como isso só se consegue através do nosso aprimoramento
moral e intelectual, o nosso esforço no bem tem um duplo
resultado: ajudamos no progresso da Humanidade, por sermos parte
dela; e ajudamos, na tarefa liderada pelos bons Espíritos,
de despertar para o bem, consciências ainda iludidas no orgulho,
no egoísmo e na maldade.
Alguns se aproveitam do momento para criar alarmes e preocupações
com catástrofes e outros tipos de flagelos em escala mundial.
Mas, de acordo com o Espiritismo, a “transição
planetária” não ocorrerá de modo violento,
através de cataclismas ou dizimando gerações
inteiras de pessoas. No ítem 27 do capítulo XVII da
GE(4),
Kardec diz: “A Terra, no dizer dos Espíritos, não
terá de transformar-se por meio de um cataclismo que aniquile
de súbito uma geração. A atual desaparecerá
gradualmente e a nova lhe sucederá do mesmo modo, sem que
haja mudança alguma na ordem natural das coisas.”
(Grifos em negrito, nossos).
E acrescenta: “Assim decepcionados ficarão
os que contam ver a transformação operar-se por efeitos
sobrenaturais e maravilhosos.” (Grifos
em negrito, nossos).
Por fim, a terceira vez que a palavra “transição”
aparece no ESE, no sentido estudado aqui, ocorre na mensagem de
Erasto contida no item 9 do capítulo XXI do ESE, sob o título
“Caracteres de verdadeiro profeta”: “Desconfiai
dos falsos profetas. É útil em todos os tempos essa
recomendação, mas, sobretudo, nos momentos
de transição em que, como no atual, se elabora
uma transformação da Humanidade, porque, então,
uma multidão de ambiciosos e intrigantes se arvoram em reformadores
e messias. É contra esses impostores que se deve
estar em guarda, correndo a todo homem honesto o dever de os desmascarar.”
(Grifos em negrito, nossos).
O momento atual é de “transição planetária”
no sentido já comentado anteriormente. Logo, devemos permanecer
em constante vigilância com relação ao que é
dito e escrito em nome desse período de transformação.
Muitos Espíritos, encarnados ou desencarnados, se levantarão
em nome de Deus, de Jesus, dos Espíritos, ou simplesmente
em nome do período de “transição planetária”,
para trazer dúvidas, confusão, e desequilíbrio,
desviando-nos a atenção daquilo que é realmente
importante que é o nosso aprimoramento moral e intelectual.
Na dúvida, estudemos a Doutrina Espírita. Ela nos
ajuda a dar o justo valor a essas e muitas outras questões
de grande importância para nossas vidas.
Alexandre Fontes da Fonseca –
Campinas – SP