Cristo Histórico
"E lhe porás o nome de
Jesus"
1. Existem poucos dados históricos
confiáveis sobre a existência de Jesus, de poucas referências
fora dos evangelhos. Apesar disso podemos (segundo Renan) dividir
em seis as fontes a nosso dispor: os evangelhos, os apócrifos,
os historiadores, os pais da Igreja, o Talmude, a Michiná
[Misnah; Mixená].
Entre 100 e 120 d.C. o historiador romano Tácito escreveu
nos seus Anais, referindo-se aos cristãos --- nome que, segundo
ele provinha de "Um certo Cristo, crucificado no reinado
de Tibério, enquanto Pôncio Pilatos era procurador
na Judéia" --- passagem hoje em dia considerada autêntica.
Suetônio, Serapião e Plínio, moralistas romanos,
também se referem a "Um certo Cristo".
2. Anda por aí uma "Carta de Públio Lêntulus"
de duvidosa existência histórica, provável senador
romano da época. Neste documento que teria sido achado no
arquivo do duque de Cesarini (séc. XVII) este senador que
se intitula "Presidente da Judéia" --- espécie
de superintendente administrativo, descreve um homem reservado e
sério, que nunca sorria e que "Pela sua majestade"
comovia os circunstantes.
O nome Jesus, abreviado para Iosuá, aparece num ossuário
do século II; era um nome comum, equivalente de "Josué".
O nome jurídico de Jesus teria sido, provavelmente, "Iahosvah,
de Nazirith, filho de Iussef".
AMBIENTE GEOGRÁFICO
E SOCIAL
"Subindo ao monte, os ensinava"
3. A Palestina se divide
em regiões, sendo as principais, Galiléia ao norte
(um vale úmido e fértil ao redor do lago de Quineret
ou Genesaré, com terras altas mais ao sul), Samaria no centro
(região de colinas), Judéia ao sul (escarpas e desertos);
a Judéia é bem árida, um planalto de altitudes
elevadas. O relevo é bem acidentado, com depressões
abaixo do nível do mar, logo ao lado de montanhas alcantiladas.
Compreende também: o Negueve
(antiga Iduméia) mais ao sul da Judéia, no limite
do Sinai; a Cisjordânia, a região de Gaza, o vale do
Jordão. O vale do Jordão situa-se abaixo do nível
do mar (Quineret, -200 m); o mar Morto, ponto mais baixo, a - 400
m; o Hebron, ao sul de Jerusalém, ponto mais alto, a +1.000
m. Jerusalém fica a +800 m.
A extensão média é
pequena. O país mede talvez de 200 km X 100 km. Talvez um
pouco mais ou menos como o Estado do Rio e com a mesma conformação
geral: de um lado o mar; ao norte, baixadas e serras; montanhas
altas na região central; do outro lado delas um vale fluvial
e, depois, além-vale, novas montanhas.
Sendo um país do Oriente
médio, o deserto ronda por toda parte. De norte a sul o país
é cortado por extensão de altas montanhas ou pouco
mais baixas, não muito altas entretanto. O mar fica de oeste;
o vale, de leste. Para nordeste e para o sul e além do vale,
para todo lado, desertos e mais desertos.
Sendo de região temperada
(sub-tropical), o clima não é tão rigoroso.
Estações indefinidas, inverno chuvoso, por vezes cai
neve nas regiões mais altas, Jerusalém, por exemplo.
4. No primeiro século era
habitada por várias comunidades. Região de passagem,
vários povos ali estavam, judeu no planalto, galileu no "Jardim"
(heb. galil), idumeu no sul, palestino na faixa de Gaza, fenício
ao norte, e sírio - este, mais para o interior e aquele,
no litoral; samaritano na região central, árabe na
Transjordânia (Peréia), beduínos um pouco por
toda parte.
Diversos idiomas se falavam, principalmente,
grego e aramaico.
O aramaico é semítico,
como o árabe e o hebraico; aglutinante, com raízes
tri-literais, por exemplo: d-b-r, 'palavra' (debar); '-d-m, 'homem'
(adam). O grego é indo-europeu, flexivo, silábico;
grego koiní, antepassado do grego moderno (romaico) e sucessor
do grego clássico (ático); os evangelhos são
a única obra literária em koiní.
Mais ou menos como nas ruas de comércio
popular no Brasil, misturando o sírio-libanês com o
nosso idioma (de estrutura semelhante ao grego; aliás, o
português é uma síntese entre o grego, o latim,
o hebraico e o árabe). São dois idiomas total e completamente
contrários um ao outro. Um valoriza as vogais e outro, as
consoantes; um valoriza os substantivos e o aramaico, os verbos.
Na Galiléia (heb. galilia,
'jardim de Deus'), falavam especialmente o grego; o aramaico ficava
restrito aos lares. Na Judéia conservadora e nacionalista,
falavam aramaico. O grego servia como idioma cultural, filosófico,
literário, científico, idioma culto enfim, como o
francês de hoje; o aramaico, que não era idioma natal
dos hebreus, servia de veículo comercial, como o inglês
de hoje. Os hebreus o haviam adotado a partir da invasão
assíria (500 a.C) seguida de seu exílio à Babilônia,
reduzindo o hebraico ao estado de idioma morto; e também
porque as palavras em hebraico se consideram santas, havendo o temor
supersticioso de pronunciá-las.
VIDA ECONÔMICA
"Dando graças a Deus, repartiu
o pão"
5. A Palestina é região
árida. Apesar disso, exportava azeite e trigo, vinhos e peixe
seco, além de incenso, bálsamo e perfumes. As terras
agrícolas eram reduzidas. Cafarnaum era um importante entreposto
comercial na rota das caravanas e centro econômico de uma
Galiléia fértil e produtora de vinho e trigo; Migdal
(Magdala), ou, Tariches, era o centro da indústria de salga
de peixe.
6. Economia de exportação, gerava
miséria, razão dos numerosos levantes populares então
acontecidos.
ORGANIZAÇÃO SOCIAL
"Bem aventurados os mansos, porque
herdarão a terra"
7. Estava anexada ao Império
Romano, subordinando-se à província da Síria,
subdividida em várias regiões: Judéia, Samaria,
Peréia, Palestina, Decápolis, Iduméia, Traconítis,
Batanéia e Gaulanite, Abilene, Fenícia. Portanto,
era habitada por diversas comunidades e povos, num espaço
tão restrito.
ISRAEL
"Casa de oração para
todos os povos"
8. Israel não passava de
um regionalismo fenício que, entretanto, tomou feições
próprias. Era a nação formada por judeus, galileus
e samaritanos, regida pela Lei de Moisés (TORAH). Se auto-definia
como teocracia governada por seus sacerdotes; em todas as culturas
da região, historicamente influenciadas pela mesopotâmia,
a classe sacerdotal era muito importante.
Como toda sociedade antiga, era
sociedade de castas. Classes sociais fechadas, definidas pelo nascimento,
imutáveis. Cada família, cada grupo de famílias,
cada comunidade vicinal fazia suas leis próprias. Todas se
reconheciam umas às outras em virtude de sua herança
cultural comum, laços de parentesco, história. A casta
era um agrupamento de famílias de mesma profissão
e de parentesco, geralmente, ocupando juntas uma residência
transmitida de geração em geração ---
um "solar".
9. A vida quotidiana correria mais
ou menos assim:
Nazaré. Numa pequena
aldeia, Nazaré por exemplo, havia uma rua só, uns
grupamentos de casa, cada uma --- a moradia de uma casta e, alguns
poucos equipamentos públicos: uma escola comunitária,
uma fonte ou poço, uma sinagoga, lugar de culto religioso
e de preservação da cultura hebraica; uma pequena
biblioteca. Na escola se concluíam os estudos primários,
alfabetização e cálculo. Mais ou menos o lugarejo
de interior brasileiro; ao redor do Lago de Genesaré havia
muitos pequenos vilarejos como este: Corazim, Betsaidá, Gerasa,
Tabga, Panias, etc.
Cafarnaum. Uma cidade média,
Cafarnaum por exemplo, havia um mercado diante de praça central,
e vielas, ruas e arruamentos diversos; muitas habitações
comunais, um quartel com soldados romanos, coletoria de recolhimento
de impostos, alfândegas para troca de moedas e pagamentos
variados. Uma 'Ágora'em grego ou 'bazâr' em persa,
o popular mercado; no caso de Cafarnaum, este mercado se localizava
fronteiro ao porto, sobre a praça, donde partiam quarteirões
em forma de tablado. Uma cidade média poderia conter várias
sinagogas e escolas; a de Cafarnaum era imponente e acabava de se
reformar pela mão do centurião Marcelo, cujo filho
Jesus curou. Era a segunda cidade em Israel; Magdal era um pouco
menor.
Jerusalém. Jerusalém,
entretanto, poderíamos comparar ao Rio de Janeiro: um grande
centro econômico, comercial, cultural, religioso. Era uma
das principais cidades do Império. Sediava uma Legião,
uma das divisões do exército romano. Outras cidades
palestinas importantes, No período: Cesaréia Marítima
(capital da província); Tiberíades (capital da Galiléia);
Jopa (o porto principal da Palestina, situada no Mediterrâneo,
a meio dia de viagem de Jerusalém).
ESTRUTURA IDEOLÓGICA E VIDA CULTURAL
"O Senhor vosso Deus é o único
Deus"
10. Toda estrutura ou, toda produção
espiritual, seja por outra, não-material de um povo é
a sua cultura: arte, filosofia, crenças, costumes; tudo que
este povo pensa, sente e cria. O judaísmo era o sistema cultural
dominante em Israel. Devia conviver com a cultura helenística.
O helenismo buscava a síntese, o 'cosmopolitismo', a cidadania
do mundo. Por outro lado a cultura mesopotâmica, contraponto
fatal do judaísmo, estava em decadência (como o Egito).
A cultura mediterrânea da época estava empolgada, em
alto grau, pela influência dos 'gimnossofistas' ou, budistas-jainistas,
vindos da Índia; por exemplo, os essênios (que se baseavam
em Pitágoras) adotaram alguns dos costumes jainistas: o Batismo.
Por fim, Hillel passou a usar o batismo (que estava na moda entre
os pagãos) como ritual de iniciação no judaísmo.
A influência budista não deixou de atrair muitas almas
ao judaísmo, ao essenismo, ao cristianismo (segundo Renan).
Os essênios eram ascetas radicais; parece que mesmo assim
desenvolviam intenso trabalho social através dos Terapeutas,
os médicos que eles formavam; 'terapeuta'em grego, essênio
em aramaico (essaya), ambas as palavras significam 'médico'.
A crença dos essênios está preservada nos Manuscritos
do mar Morto, em que se acham até fragmentos do ensino de
Jesus; segundo alguns, os últimos essênios já
eram grupos totalmente cristãos; provavelmente, pelo menos
João Batista era essênio.
11. Precisamos não entender no judaísmo uma abstração
literária. Incluía posturas físicas como na
ioga, e normas legais; práticas médicas, e recomendações
morais.
Era uma cultura valorizando grandemente
a Palavra. A maior parte da produção cultural era
de literatura oral: o conto folclórico ou "hagadáh";
a poesia; o apólogo moral; a parábola (mashâl);
a historieta; a fábula -- gêneros estes, então,
largamente usados.
Existe uma história famosa
em que Jesus, desconhecido pelos circunstantes, passa à frente
de um cão morto e os presentes tapam o nariz, enquanto Ele
exclama: "Que belos dentes, e semelhantes a pérolas!",
ante o que o narrador conclui: "Deve ser Jesus, que somente
ele acharia beleza num cachorro morto". Esta história
é do folclore judaico.
Também a música e
a dança eram muito cultivadas. Havia uma interdição
ritual para o naturalismo em artes plásticas, e para a escultura;
por isso, a geometria e os arabescos eram intensamente praticados.
A Palestina era conhecida pela beleza dos tecidos e pela estamparia
em algodão, linho e lã, de cores vivas, formas geométricas
ou em tecidos listrados de grande beleza.
Segundo Lévi-Strauss a mitologia tem quatro
níveis, a) geográfico --- descreve o país e
reconta a História; b) social --- estabelece costumes; c)
econômico --- regula atividades materiais e de produção;
d) espiritual --- expressa as crenças. Assim, o judaísmo
era um sistema tão filosófico quanto religioso, artístico
e jurídico.
12. Os mais importantes nomes do
judaísmo de então eram Hillel e Fílon.
Hillel da Babilônia, criador
de uma doutrina toda de amor, brandura e fraternidade (hilelismo);
reformava o ritual e abrandava o rigorismo moral (havia 613 mandamentos;
315, coercitivos). O judaísmo moderno, carregado de piedade
e moralidade espiritual, muito deve à reforma de Hillel.
Viveu até 12 d. C, portanto, Jesus o conheceu no Templo.
Foi mestre (pai?) de Gamaliel, o mestre de Paulo.
Fílon de Alexandria, que
viveu até 80 d. C, tentava ligar o judaísmo e Platão.
Dizia, "Platão é Moisés que fala grego".
João Evangelista conheceu e seguiu a sua filosofia; é
dele o conceito de Logos, o Verbo criador, que traduz o hebraico
'ha-dabar'.
CULTURA POPULAR
"Era uma vez um semeador que saiu
a semear"
13. Pouco ficou, e nos mostra a
vida quotidiana do povo.
ALIMENTO - Frutas como tâmara,
figo, damasco, nozes e pão (matsa, pita), do tipo árabe,
redondo, ou como o pão integral. Pão de trigo para
os ricos, de centeio para os pobres. Peixes, aves, pouca carne.
Alimentação necessariamente frugal, num país
árido. Jesus comia "opsion", pão com acompanhamentos,
queijo, manteiga, frutas, coalhada --- como a nossa 'pizza'. Os
palestinos tomavam vinho (fraco!) a todo instante. Um suco de uva
danado de ruim!
MORADIA - Casas feitas de adobe
(tijolo e palha secado ao sol). Por vezes, nem tijolo era, mas,
simples massa de terra misturada a palha e gravetos. Algumas partes
e mesmo os alicerces podiam ser de pedra. Nas habitações
coletivas da casta, chão de pedra ou terra batida; os quartos
se multiplicavam em verdadeiro labirinto, entremeados de pátios
ensombrados. Por vezes um cômodo só; servia de cozinha
e de quarto, além de curral para o inverno.
Dormiam sobre peles ou, sobre estrados
de madeira; conforme as gerações se sucediam, os quartos
se ampliavam e a casa se melhorava.
FOLCLORE - Os contadores de histórias,
repentistas, cantadores de desafio percorriam as cidades, tipo de
cordelismo ambulante que ia de aldeia em aldeia divulgando o hagadáh
(poesia oral); recurso este muito usado por Jesus, ao som de flauta,
alaúde (kinneret) e adufe (tamborim). Existem exemplos de
arte visual, de sabor ingênuo e primitivista.
HELENISMO
"Estava doente o filho de um centurião"
14. O Oriente Médio daquela
altura, região profundamente civilizada, formava o eixo econômico
do Mediterrâneo. Vivia do comércio de artigos de luxo,
e da agricultura escravista. Principais centros, Egito, Grécia
e Ásia (mod. Turquia). Principais parceiros comerciais, Mesopotâmia,
Pérsia, Índia e China. Também o interior da
África, com metais; e a Arábia, com incenso, possivelmente
até mesmo a América, eram intensamente exploradas
pelos comerciantes romanos. Trocavam azeite, trigo e vinho, por
perfumes, tecidos, vidro (preciosíssimo!), cerâmicas,
etc.
O helenismo era uma cultura multirracial
e sincrética. Por um momento, houve grande homogeneidade
de padrões culturais, e de costumes; isto aproveitou aos
pregadores cristãos no seu deslocamento pelo mundo helenístico.
SEGUNDA PARTE
Tentativa de Biografia Histórica
"Nasceu em Belém
de Judá"
15. Jesus teria nascido por volta
do ano 7 a. C. Em março,abril, maio ou agosto, mais provavelmente,
em março ou agosto. 28 de maio ou 19 de agosto são
as datas mais prováveis.
Era o império de Augusto, cujo século
(a "Pax Romana") marca o apogeu da civilização
romana; seu governo dura de 27 a.C a 14 d.C.
A Estrela de Belém provavelmente foi uma
"conjunção" astronômica entre Marte,
Júpiter e Saturno, na constelação de Peixes,
ocorrida 3 vezes entre 7 e 6 a.C.
Modernamente, começamos a aceitar que tenha
havido mesmo um recenseamento naquela altura, entre 12 e 7 a.C,
antes do outro, o de Quirino, até então o único
registrado e conhecido.
Belém era uma escola de profecia
e se aproximava da comunidade essênia, que funcionava em grutas
próximas. Era o costume de as castas possuírem um
terreno ancestral para celebrar os nascimentos e mortes, daí,
talvez, o deslocamento de José para cumprir o recenseamento
em Belém, antes do nascimento do menino.
16. Se Jesus foi levado ao Egito há
de ter sido, provavelmente, para Heliópolis, --- sua capital
cultural e sede de numerosa, antiga colônia judaica. Neste
caso terá sido uma viagem de instrução filosófica
para os pais. Sendo alto o padrão cultural do judeu médio,
eles devem ter sido mais do que camponeses ignorantes; uma tradição
acentua que José era rabino.
Com toda certeza Jesus freqüentou
a escola comunal de Nazaré; há testemunhos inequívocos
de que sabia escrever.
17. Ainda menino, depois do seu
'bar-mitzvah' --- que é uma cerimônia de iniciação
religiosa para o adolescente --- esteve no Templo entre os doutores
(5 d.C); ali, com certeza conheceu Hillel. Depois, reaparece como
adulto; talvez tenha ido ao Oriente, onde existe uma tradição
a respeito. De todo modo os sábios judeus visitavam, tradicionalmente,
a Babilônia; ou moravam no deserto. João, Seu parente,
tão inspirado quanto Ele mesmo, viveu ali, entre 7 a.C. e
29 d.C.
18. Jesus reaparece entre os anos
27 a 28, ou, de 28 a 29. Com certeza, estava em Jerusalém
no ano de 29.
Morre entre os anos 29 a 33, entre
35 e 40 anos de idade. Mais provavelmente, 38 incompletos, numa
certa sexta-feira véspera de "Pessach" (Páscoa),
festa comemorativa da Libertação. Provavelmente, em
7 de abril do ano 30; ou mesmo, 3 de abril do ano 33, ambas, igualmente
com bastante peso. As evidências do Evangelho, porém,
parecem indicar o ano 30.
OS LUGARES
"Jerusalém, Jerusalém!"
19. Nazaré era uma pequena
aldeiota perdida nas terras médias da Galiléia; ficava
no alto, junto da estrada entre Samaria e Síria ("Caminho
do mar, Galiléia das nações!"). Cerca
de + 200 m de altitude.
Cafarnaum (aram. 'Kefarnomê'),
na planície de Genesaré, entreposto comercial, entroncamento
no rumo das caravanas ("Confins de Zebulon e Neftali!").
A Galiléia era o celeiro da Palestina; perto da cidade, o
Monte das Bem Aventuranças e o Tabor, oferecendo belíssimo
panorama.Fica a - 200 m.
O Lago de Genesaré, de Quineret
ou de Tiberíades, em heb. Kinneret, lit, 'alaúde',
abrangia inúmeras aldeias de pescadores, Corazim, Betsaida,
Magdala (Marcos, num arroubo, irá chamá-las de komopólis,
lit. cidades-aldeias); talvez um pouco maior ou menor que a baía
de Guanabara.
20. Belém, povoado rural
ao sul de Jerusalém, hoje, um subúrbio. Era moradia
de pastores, essencialmente, um vilarejo de zona rural; havia funcionado
ali, rezavam as tradições cabalistas, uma comunidade
fundada por Moisés; era a cidade natal do rei Bem-Amado.
Em Jerusalém, a paixão
e a morte. Alguns acreditam que o lugar mais provável do
Seu sepultamento seja um, conhecido como "Sepulcro do Jardim".
Quase nada resta daquela jerusalém do século primeiro,
somente a Cidade Velha em algumas partes, a base do Templo ("Muro
das Lamentações"), talvez, o Golgotáh
considerado autêntico por alguns. A atual Cidade Velha é
bizantina e árabe.
POR QUE JESUS MORREU?
"Tudo está consumado"
21. Talvez este assunto jamais venha
a se esclarecer. Mas, podemos dizer sem dúvida: recebeu sua
pena de morte no exato instante de tocar na soberba dos poderosos,
ao purificar o Templo (Lc 19,28-48);
o regime político vigente, baseado no terror, não
podia suportar aquela confrontação.
LEMBRANÇAS DA MORTE
"Tornarei a vós"
22. Existem ainda alguns dos objetos
que marcaram a Crucificação. Processo hoje mais bem
conhecido, sabemos que é demorado e desgastante, pois que
a vítima morre lentamente --- levando mesmo alguns dias,
culminando por infarto e asfixia, colapso circulatório e
respiratório; no final, geralmente, as pernas eram quebradas
de marreta, para acelerar o fim.
Recentemente foi encontrado o corpo
de um homem, o único da História inequivocamente crucificado.
Semita, de nome Ezequiel, as pernas foram serradas, o calcannhar
trespassado por um cravo, a que ainda se prende um fragmento de
cruz.
A tabuleta que encimava a Cruz está
em Roma; preserva algumas letras da inscrição; sabemos
que pode ser autêntica porque se escreve da direita para a
esquerda, mesmo em grego e latim (um falsificador não faria
isto). Pode ser que ainda haja um dos cravos; são objetos
de frágil evidência arqueológica, --- a tábua,
pintada de branco e de letras vermelhas, está quase a desmanchar-se;
o cravo foi derretido para compôr a Coroa austríaca.
Diz a tradição que todos foram achados juntos numa
cisterna abandonada do Gólgota.
23. Existe também o Sudário
em Turim. Mostra um outro homem crucificado, são os dois
únicos testemunhos deste gênero de morte. Um pano de
4 m X 1,10 m, de linho, mesopotâmico; autêntico. Do
séc. primeiro, marcado pela imagem (de origem desconhecida)
de um homem semita-caucasiano, judeu, piedoso, nazareno (ostenta
sinais típicos desta condição). Alto (1,80
m), cerca de 35 anos. Morreu de infarto, muito provavelmente, após
crucificado. Antes de morrer, foi açoitado por dois chicotes
de tipo especificamente romano; recebeu na cabeça uma como
coroa ou capacete de espinhos; teve ombros e costas esfolados por
alguma coisa dura, áspera e pesada. Caiu ao transportá-la;
quebrou o nariz e esfolou o joelho. Após a morte teve coração
e pulmões perfuradaos por objeto ponteagudo que lhe abriu
o lado, fazendo vazar sangue e soro, ainda estampados na figura.
O 'homem do Sudário' provinha
do vale do Jordão, pelo menos, da Palestina às margens
do mar Morto. Caminhava a pé e descalço, antes da
morte. Neste pano existe sangue humano, poeira, pólen, areia
e terra, marcas de fogo (sofreu incêndio) e de água:
sofreu enchente. Ostenta a marca de um corpo, produzida por oxidação
de origem desconhecida. Não é pintura, nem sangue.
Não sai com lavagem. É superficial; não penetrou
o outro lado do pano, nem mesmo, as derradeiras camadas da trama.
Parece ligeira queimadura de ferro elétrico.
24. Em si mesmo, o pano tem uma
história misteriosa. Apareceu na idade Média, na herança
de um cavaleiro francês que estivera nas Cruzadas. Parece
que passou por Éfeso, Constantinopla, França e Itália.
Houve muitas guerras a seu redor.
FAMÍLIA E AMIGOS
"...Quem faz a vontade de meu Pai"
25. Jesus
tinha irmãos? A casta judaica vivia em comum numa habitação
parental; os primos se diziam irmãos. Porém, as tradições
em favor de irmãos e irmãs, de Jesus, são fortes.
Dois dos apóstolos, Tiago e Judas, se chamam "Irmãos
do Senhor". De qualquer modo, aparecem no Evangelho os nomes
de Simão, Tiago, Judas e José; irmãs também
se mencionam.
Há uma tradição
de inimizade entre Jesus e seus irmãos, aparentemente, não
condizente com a realidade. Seja como for, sua casta era extensa:
provavelmente, José e Alfeu (pai de Mateus) são irmãos;
provavelmente, Maria e Salomé são irmãs (Salomé
é a mãe de Tiago Maior e de João Evangelista).
É preciso entender bem esta
noção de casta: cada família nuclear se ligava
às outras de mesma origem (Lc 1:59
- 'singenía'); esta descendência era patriarcal
(Mt 1:1); os filhos homens traziam
suas esposas para o seio da parentela, por isso, Pedro e André
moram juntos (Mc 1:29). Maria e Isabel
moram separadas porque elas, e não seus maridos, são
parentes (Lc 1:36).
(Mt 13:55)
"Não é ele o filho do carpinteiro? Não
se chama, a mãe dele, Maria? E os seus irmãos, Tiago,
José, Simão e Judas? E não vivem as suas
irmãs todas entre nós?"
26. Podemos incluir na sua casta
João Batista, Maria Salomé de Caná, Joana de
Cusa (talvez), Tiago Menor, Judas Tadeu, Mateus provavelmente.
Embora de origem camponesa, a casta
normalmente possui um pequeno tesouro, tipo de recursos comunais,
que passam de geração em geração. Este
pequeno tesouro deveu, talvez, ter sido posto a serviço da
Boa Nova: é uma economia baseada na acumulação
progressiva de uma riqueza sempre coletiva. O Evangelho menciona
claramente que as mulheres da casta, ou, senhoras outras, amigas
de Sua obra, seguiam a Jesus e o serviam, possuindo bens (Lc
8,1-3):
1. "Logo após, Jesus
deambulava pelas cidades e aldeias, proclamando e anunciando as
boas novas do reino divino, e iam com Ele os doze
2. "E algumas senhoras que haviam sido curadas
de obsessores e enfermidades, Maria, chamada de Magdalena, da
qual haviam saído sete espíritos menores,
3. "Joana, esposa de Cusa, procurador de
Herodes, Susana e muitas outras, as quais O serviam com seus bens".
Dizem os Pais, em Nazaré
funcionou (até o séc. VI) um tipo de museu ou centro
de estudos, mantido pela família; deixaram descendentes e
até se arrogaram uma posição de primazia na
Igreja primitiva.
27. Certo é que Tiago Menor e Judas Tadeu eram filhos, pelo
menos, de um parente de um dos pais do Mestre. Mateus, segundo Marcos,
era filho do mesmo Alfeu; Maria Salomé era, talvez, parenta
de Jesus. Teria sido casada com Zebedeu, provavelmente, sócio
de Pedro (?); pai de Tiago Maior e de João Evangelista; ela
esteve ao pé de Sua cruz.
28. José, sendo carpinteiro há
de ter sido um daqueles artesãos independentes, raríssimos,
de tanto valor --- graças à sua habilidade manual.
Maria, segundo o costume, deve ter casado entre doze e quinze anos
de idade; provavelmente estava com quinze, ao se tornar mãe
pela primeira vez. Segundo a Tradição, José
e Maria se conheceram no Templo, onde serviam; dizem outros que
José devia protegê-la por dever de parentela, quando
Joaquim (o avô de Jesus e pai de Maria) morreu. Mas isto não
corresponde muito ao costume judaico; todavia, é possível.
José, ao casar-se, há
de ter estado já com trinta ou mais, já adulto; mas
eu penso que podia ser jovem: os camponeses não deviam se
dar ao luxo de estudos rabínicos muito prolongados. Parece
que morreu cedo; Maria desapareceu em Éfeso, muito idosa,
aos cuidados de João.
29. Jesus teria se casado? Teria tido um amor,
uma paixão? Certamente, mas os costumes da época interditavam
a bisbilhotice na vida particular das pessoas célebres. Talvez,
pode ser que não: ao morrer, tinha a idade consagrada ao
casamento.
De todo modo o Evangelho nos revela
Sua intensa vida emocional. Amoroso para com todos, extático
às vezes, comovido quase sempre; de vez em vez, chora! Indignado,
por uma vez ou outra. Todavia o Sudário, se é Jesus,
nos mostra um rosto sereno.
30. A presença da mulher, na sua vida
de Homem, era uma constante. Seja na pregação diária,
seja na vida em família, o Mestre nunca está indiferente
às mulheres, nem misógino; portanto, é um sujeito
inteiramente normal. Sempre atento e solícito, sensível
mesmo, ao carinho.
Contrariando o protocolo, conversa com a samaritana,
em pleno campo e a sós; só isso já seria um
escândalo. Repreende sua mãe em público. Aceita
o afeto, o carinho espontâneo de uma pobre prostituta, em
banquete de fariseus. Por duas vezes deixa-se acariciar em público,
na cabeça e nos pés. Tudo isso demonstra sua espontaneidade
e naturalidade, somente possíveis numa pessoa normal. Acredito
que a sua sexualidade se desenvolve também em outro plano
existencial.
Os discípulos quase todos eram casados e
de filharada, muitas vezes, com família numerosa.
31. Jesus tinha amigos, em especial, a família
de Lázaro em Betânia, aldeiota camponesa nas cercanias
de Jerusalém, para o leste, a caminho de Jericó; era
filho de Simão, e vivia com suas irmãs Maria e Marta;
Ele nunca deixava de visitá-los.
Embora não vacilasse em denunciar os erros
dos fariseus e escribas, energicamente se fosse preciso (como na
purificação do Templo), também não se
furta a amá-los, ensinar a eles, jantar em casa deles, conversar;
mas com certeza prefere a companhia dos pobres e desassistidos.
32. Quanto ao trabalho, aparentemente, começou
bem cedo; as crianças em geral começavam a trabalhar
com sete anos, ajudando os pais no seu ofício. Depois de
certo tempo, em saindo da carpintaria, provavelmente passou a trabalhar
com Pedro; pelo menos é mostrado várias vezes no barco,
com as redes. É de supôr que morasse com Mateus; em
sendo seu parente(?), seria o natural.
A vida camponesa obedecia (como ainda hoje) a um
ciclo invariante. Inverno, desacanso. Primavera, viagens e festas.
Verão e outono, trabalho; devemos notar que era um povo trabalhador,
capaz de iniciar a labuta às cinco da matina ainda mais quando,
no verão, o sol se levanta às quatro e se deita às
vinte e duas (em compensação, no inverno: às
sete se levanta, às dezessete se deita).
Sábado, culto e sinagoga; resto da semana,
roçado. Ao cair da tarde, por volta de entre dezoito horas
e vinte e uma, é o serão: hora de filosofar, é
a prece da tarde ('sheol'), são as histórias. É
dentro deste ritmo que se desenvolve o Evangelho. Os pescadores
saem cedo, muito cedo, ainda de madrugadinha; pescam cedo, vendem
igualmente, cedo.
33. Na primavera, tempo de multidões; é
o Ano Novo (na Antigüidade), é a Páscoa. No verão,
Cafarnaum. No inverno, Jerusalém. No outono, trabalho.
Muitas vezes, Jesus se retira para orar. A oração
e os Salmos desempenharam papel importantíssimo na vida deste
Homem inspirado: fonte de reabastecimento de sua força vital.
Não é de se menosprezar, tendo em vista que sua única
herança foi o "Pai Nosso" ou, talvez, a "Prece
da Ceia".
TERCEIRA PARTE
A Redação Original dos Evangelhos
"Caríssimo Teófilo, muitos
escreveram"
26. Os evangelhos estão escritos em grego
'koiní' representando documento histórico-literário
único e específico deste tipo de grego. Nenhuma obra
extensa, nenhuma outra obra está em koiní, a não
ser documentos e cartas: o koiní, chamado grego neo-testamentário,
repleto de palavras hebréias e formas aramaicas do idioma.
Chega a ser possível reconhecer, no autor de Marcos, um habitante
de Jerusalém, pela maneira como descreve os arredores da
cidade.
27. Existem cerca de cinco mil manuscritos, nenhum
deles original; alguns, todavia, de primeira cópia. Apresentam
um mesmo Sentido, através de três 'Famílias
de Textos', segundo a comunidade cristã e a época
de que provieram.
No total, são cerca de dez mil variantes
de texto, duas mil destas, - as mais importantes. A maioria dos
melhores manuscritos provém dos séculos terceiro ou
quarto.
Quanto à linguagem em grego, Marcos é
o mais popular, Lucas o mais correto; Mateus e João guardam
linguagem intermediária. Quanto ao fundo hebraico, Mateus
é talmúdico e João, filoniano-platônico.
COMPOSIÇÃO E REDAÇÃO
"De tudo foram testemunhas desde o princípio"
28. Provavelmente, alguns trechos começaram
a se escreverem ainda em vida do Mestre: talvez os Sermões,
"Da Montanha" e "Das Parábolas" e "Escatológico";
primeiro em aramaico, logo depois, passados para o grego. Talvez
o mesmo Jesus tenha se preocupado com a redação grega
do evangelho, apesar de nada haver escrito. A forma de "Sermões"
pode ser uma influência dos primeiros livros budistas, que
então começavam a se espalhar no Ocidente; registrados
assim, em grandes fragmentos, os discursos de Jesus correram de
mão em mão.
MARCOS
29. Marcos parece que é o mais antigo evangelho,
e criador deste gênero literário. João Marcos
era filho de Maria Marcos, talvez, sobrinho de Pedro. Ao que parece
registrou principalmente as suas palestras a respeito de Jesus.
Seu livro, parece, foi escrito entre 50 e 70; os
problemas de data em Marcos ainda não se resolveram, pode
ser que seja de época bem recuada, antes do ano 50. Reflete
o pensamento da comunidade romana para quem foi escrito. É
o mais curto, mais biográfico, de idioma mais vívido;
também, o de linguagem mais errada, porém, viva e
colorida. Foi o mais mutilado de todos estando, hoje, inacabado
e completado por um outro texto, pelo menos duzentos anos mais novo,
inautêntico (Mc 16, 9-20).
Evangelho destinado a chamar nossa atenção
para a humanidade de Jesus, redigiu-se primeiro como um exemplo
de literatura popular oral judaica ("hagadáh")
como nos repentes nordestinos e depois, posto por escrito. Tem estilo
frouxo, rápido, nervoso; para coordenar os fragmentos, lança
mão de palavras corridas, tipo "E LOGO" ou "E
SAINDO" ou "ESTÃO CHEGANDO". Usa freqüentemente
o indicativo presente como recurso narrativo, --- "E chega
alguém perto d'Ele e, afirmante, diz", e por aí
vai.
MATEUS
30. Levi Mattai era discípulo de Jesus. Coletor
de impostos, talvez primo (parente, pelo menos) do Mestre. Seu evangelho
nasceu de uma série, ou de uma coleção, de
"Sermões" --- a que se acrescentaram dados biográficos
recolhidos de diversas fontes. revela a visão dos judeus
essênio-cristãos e dos Terapeutas. O estilo é
bem talmúdico. Dizem que Mattá Levi passou uma vida
de extrema severidade em sua velhice, tendo se transferido para
a Etiópia, possivelmente no ano 44.
Seu evangelho tem uma idéia básica,
"A Vinda do Reino de Deus"; foi composto aproximadamente
entre 70 e 80, na Palestina, a partir de um original possivelmente
aramaico, talvez o mesmo que hoje se conhece como "Evangelho
dos Nazarenos".
LUCAS
31. Lucas (gr. Likânus) era médico
grego de Antióquia, discípulo e colaborador de Paulo,
autor também da palavra "cristão".
O evangelho que lhe atribuem foi escrito, talvez,
entre os anos 80 a 90; deve refletir o pensamento da comunidade
antioquena, a mais antiga entre os gentios, a mais vetusta das Igrejas
e entre todas, ortodoxa por excelência. Também reflete
os cristãos sírios e gregos, acostumados aos Mistérios
e à Filosofia gregos ("Mistério", na época,
é sobretudo um grupo filosófico qualquer). Antióquia,
ao norte da Síria, era um das mais importantes cidades do
Império Romano.
32. Lucas recolheu depoimentos diversos e estudou
as muitas biografias anteriores, a fim de condensar e completar.
Sua linguagem grega é quase clássica; terminologia
exata, muitíssimas vezes; terminologia técnica, especialmente,
em Medicina e Náutica, ou, na descrição das
curas e 'milagres'.
Perceptivelmente, o autor deste evangelho era médico,
e um homem culto, habituado a ler e escrever (confirmando, portanto,
a provável autoria de Lucas). Ao mesmo tempo em que se faz
um evangelho racional e científico, procura registrar e ressaltar
a subjetividade de Maria; consta que Lucas procurou a mãe
do Mestre, a fim de incluí-la em seus depoimentos. Aparentemente,
foi composto durante a prisão de Paulo.
JOÃO
33. João (gre. Joannes) era discípulo
e, talvez, sobrinho de Jesus. Era o mais novo dos discípulos.
O evangelho que lhe atribuem foi escrito no final do século
I, aos setenta anos de cristianismo, por volta de 90 ou 100. Reflete
o pensamento dos cristãos ainda judeus, porém liberais
e conhecedores de Fílon, o sábio judeu de Alexandria,
ainda influente, pois morrera em 80. É a visão helenística
e já um esboço de desenvolvimento doutrinário,
de acordo com as preocupações da segunda geração
cristã.
34. Sabemos que os cristãos da época
se dividiam em geral em Escolas filosóficas ou, 'igrejas';
João agregava em Éfeso uma "Escola Joanina".
Ali morava Maria; por isso podemos, sem grande esforço, imaginar
o clima de intensa operosidade intelectual reinante naquele círculo.
Esta escola teria funcionado bem uns duzentos anos e produziu este
evangelho e o Apocalipse, que encerrou a Revelação
cristã.
Pela sua influência no evangelho de João,
maior do que no de Lucas, podemos perceber que Maria não
era uma pessoa inculta; talvez, (melhor, com certeza) analfabeta
no geral --- como de hábito para a mulher da época;
sem dúvida, entretanto, uma pessoa de larga visão
filosófica.
O evangelho de João está dominado
pela idéia central do Logos, já presente em Marcos
e, todavia, levado aqui às últimas conseqüências.
'Logos' é a Palavra criadora de Deus; João representa
o evangelho interno, seja: enuncia aqueles temas reservados que
os Apóstolos haviam silenciado, a fim de não caírem
no ouvido errado, durante as primeiras perseguições.
A Segunda Geração, os Pais da
Igreja, os Apócrifos
35. Os evangelhos de que dispomos hoje não
pertencem a esta primeira fase e sim, à segunda geração,
que corrigiu os originais. Existem outros evangelhos, todavia, os
quatro mais importantes se reconheceram como tais --- não
somente por se atribuírem aos apóstolos mas também
por se destacarem na sua ideologia central; e porque revelaram uma
concordância que, acertadamente, foi tida como inspirada,
deveras. Dos apócrifos, os mais importantes se reuniram aos
quatro, como: o evangelho dos ebionitas e o de Tomé, reunidos
em Mateus; e o de Tiago, (hoje perdido) reunido em Lucas pelo nome
de 'fonte Q'.
A família de Jesus manteve em Nazaré
um museu, que foi visitado pelos primeiros Pais --- os escritores
e apologistas que, a partir do segundo século, fizeram a
doutrina cristã. Na segunda geração, o mais
importante deles foi Inácio de Antióquia. No século
quarto, Jerônimo compilou os manuscritos existentes numa só
versão. A partir daqui houve duas vertentes textuais: a ocidental,
de Jerônimo; a oriental, inspirada em Inácio. Somente
Erasmo, no século XVI, reiniciaria os estudos textuais do
Evangelho. Hoje, podemos dizer que estamos a oitenta por cento do
original.
APÊNDICE
I. VIDA ECONÔMICA
- Vários sistemas econômicos coexistiam, desde o pastoreio
beduíno ao regime de 'capitalismo prévio' dos grandes
financistas judeus; esta coexistência não era pacífica.
Basicamente a economia se fundamentava no escravismo agrícola,
em regime de latifúndio, para exportação de
azeite, vinho, perfumes e trigo; dava realmente muito lucro, mas,
gerava tenebrosos conflitos; por isso havia numerosos levantes.
A pequena propriedade era rara; 50 % das terras se concentrava nas
mãos de 5% da população.
II. ORGANIZAÇÃO POLÍTICA -
Uma parte do país se subordina diretamente a Roma; outra
depende, governada por reis de fachada, puramente. Cada região
destas abrigava populações social e culturalmente
distintas.
- JUDÉIA - Procuradoria imperial
a partir de 6 d.C.
- SAMARIA - anexa à Judéia.
- GALILÉIA - reino dependente;
dos Herodes.
- PERÉIA - (mod. Transjordânia);
parte da Galiléia.
- PALESTINA - (mod. 'faixa de Gaza').
- IDUMÉIA - (mod. Neguev)
anteriormente, possessão de Herodes; anexada à Judéia
em 40 a.C.
- DECÁPOLIS - (mod. Transjordânia);
liga de 10 cidades gregas fragilmente independentes.
- TRACONÍTIS, BATANÉIA, GAULANÍTIS
- (mod. Transjordânia); reino dependente de Roma.
- ABILENE - (mod. Síria) nordeste
da Galiléia, no caminho de Damasco; reino dependente.
- FENÍCIA - (mod. Líbano)
pertencente à província romana da Síria
- REINO DA JORDÂNIA - país
moderno compreendendo Peréia, Transjordânia, Batanéia,
Gaulanítis, Traconítis, Decápolis, Moabe,
Amon, etc.
III. TEMPLO E SANEDRIM
- O Templo era a instituição fundamental do país,
Banco Central, único banco, Universidade, Supremo Tribunal,
Trono e Parlamento. O 'cohen-gadiol' (heb. 'grande sacerdote'),
alma de toda maquinaria social. Rei, juiz, sacerdote. O Templo desempenhava
um importante papel financeiro, não por acaso, o cohen-gadiol
era escolhido entre as principais famílias latifundiárias.
A concentração de rendas era imensa, gerando contradições
entre os camponeses endividados e os grandes proprietários.
IV. CLASSES SOCIAIS E PARTIDOS POLÍTICOS
- Seis famílias detinham metade das terras cultiváveis;
havia poucos proprietários independentes e comerciantes médios.
Os 'am-ha'retz': lavradores e pequenos cultivadores, camponeses
e sitiantes, servos independentes, operários e trabalhadores
manuais, etc. formavam a massa popular de então. As elites
se dividiam em dois grupos principais, saduceus e fariseus.
O Sanedrim, gr. Sinédrio, era um tipo de
Parlamento ou Congresso Nacional, e Cúria.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA (Leia!)