Apresentamos, em largos traços, a rápida
marcha e o progresso do Espiritismo, durante 50 anos, em todos os
domínios do pensamento, isto é, na Ciência,
na experimentação psíquica, na Literatura e
até no seio das Igrejas. Falta-nos analisar qual foi a sua
influência no movimento filosófico contemporâneo,
particularmente na filosofia da escola.
Notemos que esses resultados foram
obtidos fora de qualquer organização espírita,
sem outros meios de ação ou outros recursos, a não
ser o próprio poder da verdade e sem qualquer outra direção,
a não ser a que promana do Além. Porém, será
esta, provavelmente, a mais segura e a mais eficaz, porque, melhor
que os recursos humanos, pode vencer os preconceitos, as rotinas
e os mais obstinados contraditores.
Na verdade, todos os que trabalharam
com persistência pela divulgação do Espiritismo
sentiram-se ajudados e amparados pelo mundo invisível.
Quanto à obra filosófica realizada
nesse meio século, não passaremos em revista todos
os seus sistemas, para não sairmos do limite deste estudo;
tão-somente perguntaremos qual a parte que se deve atribuir
à idéia espírita no ensino oficial.
Declaremos, inicialmente, que durante
esse período as teorias materialistas não pararam
de retroceder e que o espiritualismo tende a substituí-las.
Atualmente, o ensino oficial se
baseia na filosofia de Henri Bergson, cuja influência aumenta
cada vez mais no exterior ao mesmo tempo em que sua ação
sobre os espíritos se torna mais intensa em nosso país.
As ciências psíquicas são familiares a Bergson,
que seguiu com atenção o seu desenvolvimento. Ele
é o autor de um artigo no Boletim do Instituto Geral
de Psicologia, de janeiro de 1904, sobre a visão de
clarões na obscuridade pelos sensitivos.
Sua filosofia não é um sistema
que se junta aos anteriores. É original e profunda, representando
uma verdadeira revolução no mundo do pensamento. Desde
Spencer estava aceito que a inteligência é a principal
faculdade, o mais seguro meio para se conseguir o conhecimento e
abranger o domínio da vida e da evolução.
Ora, Bergson prova que a inteligência,
que constitui uma emanação da vida, por si só
é impotente para abranger a vida e a evolução,
porque a parte não pode abranger o todo, nem o fato reabsorver
sua causa. Então o que fez ele? No lugar da inteligência
coloca a intuição, e isto constitui um acontecimento
da mais alta importância na Psicologia, pois a maior parte
das faculdades mediúnicas – a clarividência,
a premonição e a previsão dos acontecimentos
– se prende à intuição. No dia em que
a Ciência achar um método prático para desenvolver
essa intuição, ela se aproximará dessas faces
misteriosas da alma humana, com as quais esta se limita com a presciência
divina e pelas quais se revelam sua íntima essência
e sua imensa evolução.
Com o desenvolvimento dessas faculdades, podemos
entrever o aparecimento de uma raça de homens que nos superará
em poder, tanto quanto o homem atual supera o pré-histórico.
Então a alma humana se apresentará com toda a sua
grandeza; veremos que ela possui profundos mananciais de vida, onde
sempre pode retemperar-se, e que possui picos iluminados pela luz
da eterna verdade.
A alma humana é um mundo.
Conhece o esplendor das alturas e a vertigem dos abismos. Possui
precipícios em cujo fundo rugem as torrentes das paixões.
Contém filões plenos de riquezas, e seu destino consiste
exatamente em valorizar todos esses tesouros escondidos.
O estudo da obra de Bergson nos
mostra, em certos pontos, semelhanças notáveis com
a Doutrina Espírita. A vida da criatura, afirma ele, é
o resultado de uma evolução anterior ao nascimento.
Existe um encadeamento, uma continuidade na transformação,
no progresso e, ao mesmo tempo, existe uma conservação
do passado no presente. Bergson admite, como nós, que esse
passado está gravado na consciência profunda e marca
a evolução paralela do ser orgânico e do ser
consciente. Aqui estão os termos com os quais define essa
evolução:
“O progresso é constante
e prossegue indefinidamente: o progresso invisível, sobre
o qual o ser visível se sobrepõe no espaço
de tempo que percorrerá na Terra. Quanto mais mantemos
a atenção nesta continuidade de vida, tanto mais
veremos a evolução orgânica aproximar-se da
evolução consciente, em que o passado atua sobre
o presente, para dele fazer brotar uma nova forma, que é
a resultante das anteriores.”
Sem dúvida, isso é
transformismo, porém de tal forma espiritualizado, que se
aproxima de uma maneira perceptível da filosofia das vidas
sucessivas. Essa noção das existências anteriores
vem afirmada e precisada em numerosas páginas de Bergson
das quais vão aqui alguns trechos:
“Que somos nós, que
é o nosso caráter senão a condensação
da história que temos vivido desde nosso nascimento, e
mesmo antes dele, pois que já trazemos conosco disposições
pré-natais?”
“A vida é o prosseguimento
da evolução pré-natal e a prova disso é
que muitas vezes fica impossível afirmar se estamos tratando
com um organismo que envelhece ou com um embrião que continua
a progredir.”
Voltamos a encontrar em Bergson
a concepção espírita da vida universal:
“O Universo não está
feito, porém se faz sem cessar, crescendo, sem dúvida,
indefinidamente, pela junção de novos mundos…
É possível que a vida se manifeste noutros planetas
e também em outros sistemas solares, sob formas que não
imaginamos, em condições físicas que nos
parecem, no ponto de vista de nossa fisiologia, inteiramente desconhecidos.”
Segundo Bergson, o princípio
da evolução não está na matéria
visível e sim na invisível. Ele declara:
“Todos os novos dados científicos
tendem a transpor a evolução, elevando-a do visível
para o invisível.”
Pode-se observar que Bergson, na
sua obra, fala constantemente da vida e muito pouco da morte. Nenhum
filósofo parece ter se preocupado menos com esse passageiro
acidente que não põe fim a nada. Para ele, como para
nós, a vida triunfa e reina, soberanamente, tanto antes como
depois da morte.
Também sobre o livre-arbítrio, a opinião de
Bergson está de acordo com o que sempre sustentamos. Afirma
ele:
“A finalidade da vida é
colocar a indeterminação na matéria. Indeterminadas
(quero dizer imprevisíveis) são as formas que ela
cria no correr de sua evolução. Também cada
vez mais indeterminada (isto é, cada vez mais livre) é
a atividade para a qual essas formas devem servir de veículo.”
Mais adiante acrescenta:
“A liberdade não
é absoluta: admite graus… Somos livres enquanto somos
nós mesmos, isto é, em nosso estado de personalidade
profunda, porém somos determinados enquanto pertencemos
à matéria e à extensão. A personalidade
humana é um jato vivo de incontrolável liberdade…
A liberdade constitui um fato de experiência interna, uma
coisa sentida e vivida, não raciocinada.”
Em síntese, nota-se que o
bergsonismo, como a doutrina dos espíritos, dá ao
homem mais força para viver e para agir, ligando-o mais intimamente
a tudo quanto vive, ama e sofre no mundo.
O materialismo isolava inteiramente o homem: na
engrenagem da máquina cega do mundo o homem se sentia reduzido
a nada. Porém a idéia muda: assim como o menor grão
de pó é solidário com imenso sistema solar,
assim também todos os seres vivos, desde as origens da vida,
através dos tempos e lugares, não fazem outra coisa
senão tornar mais perceptível uma direção
única e invisível.
Estão sujeitos uns aos outros, interligam-se
e obedecem a um formidável impulso, como uma imensa caravana
que marcha através do tempo e do espaço, transpondo
os obstáculos e desdobrando-se para além de todas
as mortes.
Não existe aí algo de novo na filosofia
oficial que, até agora totalmente impregnada de intelectualismo,
estava tolhida diante do problema da criatura?
Félix Le Dantec e sua escola buscavam a vida somente na matéria,
porém Bergson, colocando mais alto a inteligência e
a vida, reabilita, de algum modo, o mundo vivo, encontrando o laço
que prende as doutrinas ocidentais às da Grécia e
do Oriente, às crenças de nossos pais, àquela
filosofia celta, resumida nas Tríades e às
quais se terá de voltar, sem dúvida, algum dia.
E, quer Bergson tenha conseguido suas ideias nos seus estudos psíquicos,
quer nas inspirações de seu próprio gênio,
o fato não é menos notável, no ponto de vista
da semelhança das doutrinas, principalmente no que toca às
suas vastas consequências morais e sociais.
*
Terminando sua magistral obra A Evolução
Criadora, Bergson insiste na relatividade dos fatos e na sua impotência
para nos darem apenas uma concepção parcelada da natureza.
Ataca com vigor os pontos de vista arbitrários de Herbert
Spencer, que a Ciência adotou:
“Não se pode raciocinar sobre as
partes como se raciocina sobre o todo. O filósofo deve
ir mais além do que o sábio. A inteligência
extrai os fatos desse todo que é a realidade. No lugar
de afirmar que as relações entre os fatos formaram
as leis do pensamento, posso bem imaginar que a forma do pensamento
é que determinou a configuração dos fatos
percebidos e, conseqüentemente, suas relações
entre si.”
Termina da seguinte forma:
“A filosofia não é somente
a volta do espírito para si mesmo, a coincidência
da consciência humana com o princípio vivo de onde
ela emana, um contato com o esforço criador; ela é
o aprofundamento da transformação em geral, o verdadeiro
evolucionismo e, por conseqüência, o verdadeiro prolongamento
da Ciência, com a condição de que se compreenda
por esta última palavra um conjunto de verdades constatadas
ou demonstradas, e não certa escolástica nova que
apareceu, durante a segunda metade do século XIX, em torno
da física de Galileu, assim como a antiga escolástica
o havia feito em torno de Aristóteles.”
Todos os espíritos abalizados
se impressionarão com a concordância que há
nesse ponto entre as maneiras de ver de Bergson e as expostas por
Allan Kardec.
Realmente, em matéria de Espiritismo, o Codificador nunca
desejou separar a doutrina dos fatos, mas ainda há entre
nós quem desejasse limitá-lo a um campo experimental.
Isto nos leva a considerações especiais quanto à
doutrina dos espíritos.
Ninguém discute que os fatos sejam a base do Espiritismo,
a prova da sobrevivência da alma após a morte. Todavia,
atrás deles existe toda uma revelação. No Espiritismo
o fato não se produz sem um ensinamento, sempre que o fenômeno
obtido seja de ordem um tanto elevada.
Os espíritos não procuram comunicar-se conosco a não
ser para nos instruírem e nos iniciarem nas grandes leis
do mundo espiritual, cujo conhecimento é muito importante,
principalmente nos momentos de provação. Foi assim
que Allan Kardec compreendeu e sentiu o Espiritismo e porque, em
sua obra, ele reúne intimamente a doutrina à ciência.
Procedendo assim, ele não atendia a uma vontade pessoal,
porém a uma necessidade e à própria natureza
do que ele estudava.
O poder de ação, o
papel social do Espiritismo não se deve a que ele atende,
simultaneamente, a todas as necessidades da alma humana, às
múltiplas e importantes urgências do momento atual.
O Espiritismo se dirige, ao mesmo tempo, ao cérebro e ao
coração, à inteligência, à consciência
e à razão.
O que forma o poder e a eficácia
do Espiritismo é que as satisfações intelectuais
e morais que ele nos apresenta e os ensinamentos que nos proporciona
formam, no seu conjunto, majestosa unidade e uma soberba síntese
científica, filosófica, moral e social.
Qualquer doutrina que não busque esses diferentes fins carecerá
de equilíbrio.
A moral que provém do cérebro é estéril;
só a do sentimento e do coração pode tornar
o homem realmente humano, acessível à piedade, compassivo
para com todas as dores e dedicado a seu próximo.
Não há dúvida de que devemos estudar os fatos
dando-lhes a merecida importância, porém, como pretende
Bergson, mais além e bem mais alto que os fatos, deve-se
verificar a meta para a qual, por seu intermédio, nos conduzem
as forças invisíveis pelas ásperas sendas do
destino.
Portanto, o Espiritismo não é apenas o fenômeno
físico, a dança das mesas, como ainda parecem acreditar
alguns homens. Ele é todo um esforço do Além
para tirar da alma humana suas dúvidas e suas enfermidades
morais, obrigando-a a ter plena consciência de si mesma, realizando
seus gloriosos fins.
O Espiritismo é o raio de esperança que vem aclarar
nosso sombrio Universo, nossa Terra de lama, sangue e lágrimas;
é o raio luminoso que vem clarear as habitações
miseráveis, penetrando nas residências tristes onde
a desgraça habita e onde gemem os que padecem.
O Espiritismo é o chamado do Infinito; são as vozes
que chegam para proclamar o mais nobre e mais poderoso ideal que
o gênio humano já sonhou.
Atendendo a esses apelos, a essas vozes, as frontes curvadas sob
o peso da vida se levantam e os desesperados, os náufragos
da existência cobram ânimo, vendo, no sombrio céu
de seu pensamento, brilhar uma aurora que anuncia novos tempos,
tempos bem melhores para a humanidade.
O Espiritismo é a comunhão das almas que se chamam
e se respondem através do espaço. Graças a
ele chegam até nós notícias dos que foram nossos
companheiros de lutas na Terra. Pensávamos tê-los perdido
e eis que nos sentimos ligados a eles novamente!
É uma grande alegria saber e sentir que estamos vinculados
àqueles a quem amamos, unidos através dos séculos,
porque a morte é apenas uma ilusão da vista e toda
separação é só passageira e aparente.
Não nos sentimos apenas ligados a eles, porém a todas
as almas que povoam a imensidão, porque o Universo é
uma grande família.
Nos milhares de mundos que giram nos espaços, por toda parte,
possuímos irmãos e irmãs que estamos destinados
a encontrar e conhecer algum dia e por toda parte existem almas
com as quais continuaremos nosso progresso, debaixo de leis sábias,
profundas e eternas!
O sentimento e o poderoso instinto da vida e da solidariedade universais
despertarão, aos poucos, em nós.
Através desse meio, sentir-nos-emos vinculados aos mais humildes
como aos mais nobres espíritos; sentir-nos-emos na mesma
categoria dos heróis, dos sábios e dos gênios,
teremos a possibilidade de nos reunirmos com eles na luz, quando
também houvermos trabalhado, lutado, padecido e merecido.
Finalmente, o Espiritismo é toda a movimentação
da vida invisível; um universo vivo – até bem
pouco ignorado, exceto por alguns poucos – e que sabemos e
sentimos que existe, agita-se, palpita, vibrando em nosso derredor
e enchendo o espaço com radiosos pensamentos, pensamentos
de amor e inspirações geniais.
Cada vez mais, iremos senti-lo vivendo e agindo, graças ao
desenvolvimento de faculdades que se multiplicarão, crescerão
e se tornarão comuns a um grande número de pessoas.
Dessa forma, conseguiremos também a valiosa certeza da proteção,
do amparo que do Além estende-se sobre nós; a prova
de que a solicitude do Alto envolve todos os peregrinos da existência
no seu penoso jornadear terreno.
Na luta que está sendo travada para o progresso da humanidade
– a grandiosa batalha das idéias – o Espiritismo
é o mais forte dos combatentes, porque nele se reencontram
a vida e a morte, a Terra e o Céu se reúnem e se ligam
para as lides do pensamento.
Lutemos, portanto, com nobreza, habilidade e prudência, porque
o mundo invisível está conosco.
Elevemos o nosso brado de esperança e confiança na
justiça eterna e consciente que governa os mundos.
Acreditemos, esperemos e trabalhemos.