(trecho inicial)
1. É a ciência uma religião?
É a matemática realmente uma
religião? E a ciência? Hoje em dia ouve-se muitas
vezes dizer que a ciência é «apenas»
mais uma religião. Há algumas semelhanças
interessantes. A ciência oficial, tal como a religião
oficial, tem as suas burocracias e hierarquias entre funcionários,
as suas instalações grandiosas e esotéricas
sem qualquer utilidade aparente para os leigos, as suas cerimônias
de iniciação. Tal como uma religião decidida
a alargar a sua congregação, a ciência tem
uma enorme falange de missionários — que não
se chamam a si mesmos missionários, mas professores.
Eis uma fantasia engraçada: um observador
mal informado presencia o trabalho de equipe, intrincado e formal,
necessário para preparar uma pessoa para a parafernália
esotérica de uma tomografia axial computadorizada —
um exame T.A.C. — e supõe tratar-se de uma cerimônia
religiosa, um sacrifício ritual, porventura, ou a investidura
de um novo arcebispo. Mas estas semelhanças são
superficiais. E quanto às semelhanças mais profundas
que têm sido defendidas? A ciência, tal como a religião,
tem as suas ortodoxias e as suas heresias, não tem? Não
é afinal a crença no poder do método científico
um credo, tal como os credos religiosos, no sentido em que em
última análise é de uma questão de
fé, tão incapaz de confirmação independente
ou fundamento racional como qualquer outro credo religioso? Repare-se
que a pergunta ameaça autodestruir-se: ao contrastar a
fé com a confirmação independente e com o
fundamento racional, negando que a ciência como um todo
possa usar os seus próprios métodos para assegurar
o seu próprio triunfo, a pergunta presta homenagem a esses
mesmos métodos. Parece existir uma assimetria curiosa:
os cientistas não apelam à autoridade de quaisquer
líderes religiosos quando os seus resultados são
contestados, mas muitas religiões atuais adorariam poder
garantir o aval da ciência. Algumas dessas religiões
têm nomes que manifestam esse desejo: os cientistas cristãos
e os cientologistas, por exemplo. Temos também uma palavra
para a veneração da ciência: «cientismo».
Acusam-se de cientismo aqueles cuja atitude entusiástica
perante as proclamações da ciência é
muito semelhante às atitudes do devoto: em vez de ser cauteloso
e objetivo, tem uma postura de adoração, é
acrítico ou até fanático.
Se o summum bonum ou máximo bem dos
cientistas é a verdade, se os cientistas fazem da verdade
o seu Deus, como já foi defendido, não será
esta uma atitude tão situada quanto o culto de Jeová,
de Maomé, ou do Anjo Moroni? Não, a nossa fé
na verdade é, verdadeiramente, a nossa fé na verdade
— uma fé partilhada por todos os membros da nossa
espécie, mesmo que exista grande divergência nos
métodos admitidos para a obter. A assimetria acima referida
é real: a fé na verdade tem uma primazia que a distingue
de todas as outras fés.