Muito se fala sobre saúde mental,
mas pouco se sabe sobre o termo. O que ele quer dizer? Como distinguir
um sentimento de um transtorno? Como reconhecer as dores da adolescência?
Entenda quais são os sinais e o que dizem os especialistas
Muito se fala sobre saúde mental,
mas pouco se sabe - e pouco se explica - sobre o termo. Mas, principalmente
pós-isolamento social, o assunto se tornou vital. Tão
vital quanto a preocupação que temos com a saúde
física do nosso corpo. Você já parou para pensar
que não cuidamos da cabeça - ou do sistema psicoemocional
- da mesma forma que cuidamos do corpo?
Pois é, se nem os adultos conseguem, o que dirá crianças
e adolescentes, certo? Eu já falei aqui, mas vou repetir a informação:
somos o 2º país com maior índice de adultos diagnosticados
com burnout (esgotamento mental). E como podem esses mesmos adultos
chegarem em casa e conseguirem dar conta de cuidar e educar seus filhos
de maneira saudável se eles próprios não estão?
Difícil, certo?
Enquanto os índices de transtornos mentais sobem em adultos,
a balança acusa o mesmo crescimento quando o assunto são
crianças e adolescentes. Na última década, houve
um expressivo aumento nos níveis de ansiedade, depressão,
automutilação e suicídio nessa faixa etária.
Não é à toa que o Setembro
Amarelo se tornou um período de referência global para
promover a prevenção do suicídio e o bem-estar
mental. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde
(OMS), o Brasil apresenta a maior prevalência de depressão
na América Latina e a segunda maior nas Américas, ficando
atrás apenas dos Estados Unidos. Estima-se que cerca de 12 milhões
de pessoas no país enfrentam o transtorno.
Nesse contexto, é relevante destacar a conexão entre hábitos
saudáveis e o equilíbrio emocional para se ter uma vida
mais leve. Quando falamos de saúde mental, a OMS define como
um estado de bem-estar em que a pessoa reconhece suas próprias
habilidades e consegue lidar de forma harmoniosa com os estresses, as
mudanças e os desafios da vida.
Os adolescentes não fogem a essa
realidade. Durante essa fase ocorrem múltiplas mudanças
físicas, emocionais e sociais que podem deixá-los mais
vulneráveis a problemas de saúde mental. Por isso, é
essencial buscar estratégias diárias que promovam o bem-estar
psicológico e contribuam para o desenvolvimento saudável
desse adolescente na vida adulta.
Uma enquete realizada em maio de 2022
pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef),
revelou que metade dos adolescentes sentiu a necessidade de buscar ajuda
relacionada à saúde mental. A pesquisa, feita por meio
da plataforma U-Report, contou com a participação de mais
de 7,7 mil adolescentes e jovens de todo o Brasil, sendo a maioria entre
15 e 19 anos.
O levantamento também indicou que 50% dos participantes não
tinham conhecimento dos serviços ou profissionais dedicados a
apoiar adolescentes na área de saúde mental. Quando questionados
sobre seus sentimentos predominantes, 35% dos adolescentes e jovens
que responderam à pesquisa mencionaram "ansiedade".
Além disso, 11% se disseram "preocupados consigo mesmos",
9% "indiferentes" e 8% "deprimidos".
Mas como os pais, responsáveis legais e educadores podem discernir
que momento o adolescente está enfrentando? É apenas um
período de tristeza ou ele realmente está deprimido? A
resposta está na observação diária e no
diálogo. Para os próprios adolescentes, a chave está
no autoconhecimento, uma vez que existe uma linha tênue
entre essas duas experiências, que embora sejam distintas, podem
causar confusão.
Nicolle, 16 anos, compartilhou que durante a pandemia, se sentiu profundamente
abalada e sem esperança em relação ao futuro. A
estudante acredita que pode ter passado por um período de tristeza
mais profunda. "Eu não tinha ânimo, não conseguia
fazer o básico, tinha dificuldade de concentração.
Eu percebi isso em mim e em meus colegas mais próximos,"
desabafou.
No caso dela, o retorno às aulas gerou um sentimento de estranheza,
como se ela nunca tivesse frequentado a escola antes. "Eu senti
muita pressão. Eu perdi um ano de aula, então me senti
muito cobrada," disse a adolescente, que encontrou apoio emocional
no Pró-Saber, organização social
que desenvolve programas inovadores em educação para crianças
e adolescentes.
Jéssyca, de 17 anos, também aluna do Pró-Saber,
experimentou um declínio em seu bem-estar emocional durante a
pandemia e teve dificuldades nos relacionamentos com as pessoas. "Depois
de um tempo, comecei a pensar demais e acabei ficando mal por coisas
que nem sequer havia percebido em mim. A falta de contato com as pessoas,
além da minha família, também me trouxe dificuldades
em me relacionar com outras pessoas, especialmente agora, após
o retorno às aulas," relatou.
Ambas adolescentes trazem exemplos vividos durante a pandemia e é
claro que o período tem um reflexo importante quando o assunto
é saúde mental. Ainda que se perceba um aumento de transtornos
na última década, a pandemia da Covid-19 acentuou o problema.
É inegável que a interrupção dos estudos
durante o isolamento social afetou a qualidade de vida das pessoas de
maneira geral e especialmente os que vivem em comunidades carentes nos
países em desenvolvimento. De acordo com o relatório Situação
Mundial da Infância 2021, publicado pelo Unicef, uma em cada sete
crianças e jovens entre 10 e 19 anos é diagnosticada com
algum transtorno mental.
A psicóloga Leila Salomão também concorda que os
problemas de saúde mental já existiam antes da pandemia,
mas reconhece que os transtornos foram agravados devido ao afastamento
dos adolescentes da escola e da rede de apoio que ela oferece. "Muitos
enfrentaram medo, falta de aprendizado e tiveram crises de ansiedade,
angústia e desânimo durante o período," destacou.
Quanto à expressão dos sentimentos, Leila sublinhou que
esse comportamento varia entre os adolescentes. "Alguns se fecham
quando confrontados com críticas ou cobranças, enquanto
outros podem buscar ajuda em professores, orientadores e colegas."
Distinguindo tristeza de depressão na adolescência
O psiquiatra e psicoterapeuta Mauro Victor de Medeiros, do Serviço
de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de
Psiquiatria da USP, esclarece que, ao contrário da tristeza,
que é temporária, a depressão é um estado
emocional que pode perdurar por longos períodos.
"A depressão implica uma mudança
na linha de base emocional da pessoa. Ela é acompanhada pela
falta de interesse, falta de vontade, motivação reduzida
e perda de prazer, também conhecida como anedonia. Além
disso, a depressão envolve alterações vegetativas,
como distúrbios do sono, apetite (aumento ou diminuição)
e alterações na motricidade, ou seja, a pessoa fica mais
lenta, além de sintomas psicossomáticos, como dores e
desconforto corporal," explica o Dr. Mauro.
Ele acrescenta que na depressão também ocorrem alterações
cognitivas, incluindo perda de foco, dificuldade de concentração,
prejuízos na memória e um padrão de pensamento
pessimista e desesperançoso. Isso pode levar a pensamentos de
morte e, por vezes, até tentativas de suicídio. "Há
uma falta de perspectiva de que as coisas podem dar certo, além
de um pensamento negativo sobre si mesmo, como a desqualificação
em relação aos traços físicos, potencialidades,
características de personalidade e quanto à própria
valorização," acrescenta.
Por outro lado, a professora e psicóloga da USP, Leila Salomão,
lembra que a puberdade traz muitas mudanças hormonais e comportamentais,
mas concorda que um sofrimento acentuado merece atenção.
"Começa com a questão biológica, que traz
as mudanças no corpo, como os caracteres sexuais secundários.
Os meninos mudam a voz, ficam com o nariz maior, têm acne, e as
meninas podem ganhar peso. Depois, essas mudanças tendem a se
normalizar. No entanto, o problema real surge quando todas essas mudanças
vêm acompanhadas de sinais e sintomas preocupantes," diz.
Outro ponto crucial é que, no caso da depressão, há
um prejuízo claro em relação à tristeza
e à funcionalidade. "Enquanto na tristeza, a pessoa consegue
continuar desempenhando suas atividades escolares, na depressão,
ela perde a capacidade de ter um bom desempenho na escola. As notas
diminuem, ela se isola socialmente, fica no quarto, não quer
sair, deixa de comer e de cuidar de si mesma," esclarece Dr. Mauro.
Como pais, responsáveis e a escola podem ajudar?
Para Leila Salomão, a melhor coisa a ser feita é ouvir,
conversar e apoiar os adolescentes. "Observamos uma crescente preocupação
por parte dos pais, embora muitos não consigam oferecer o apoio
necessário por conta da sobrecarga de trabalho ou por seus problemas
pessoais," enfatizou.
Para o Dr. Mauro, se há suspeita de depressão, os pais
devem conversar com o adolescente, estabelecer um canal de comunicação
aberto e ampliar a rede de apoio dentro da família,
assim como na escola e em outros ambientes frequentados pelo adolescente.
Para ele é comum que os adolescentes com transtornos psiquiátricos
abandonem a escola entre outras coisas. Ter uma rede de apoio que inclua
familiares, educadores e uma equipe de saúde mental
pode ser uma saída eficaz para que esses jovens enfrentem suas
dificuldades e mantenham uma relação positiva com a educação.
"Materiais de apoio e reuniões online com os pedagogos da
escola podem ajudar nesse processo de transição. O ideal
é que, inicialmente, o adolescente retome as aulas sem a pressão
das provas e com trabalhos adaptados," aconselhou.
"Como segundo passo, sugiro encaminhá-lo para um tratamento
médico. Isso envolve uma avaliação e um tratamento
específico que inclui, principalmente, psicoterapia, atividade
física e outras interações sociais para que o adolescente
desenvolva suas potencialidades. Se a depressão for moderada
a grave, pode-se considerar o uso de medicamentos," acrescentou.
Além disso, comportamentos como
agitação e irritabilidade excessivas podem ser sinais
de ansiedade e depressão, conforme observou a psicóloga
Leila Salomão. "Muitas vezes, a criança ou adolescente
não manifesta sua tristeza da mesma maneira que um adulto. Ela
pode demonstrar que tem depressão por meio de irritação
e, às vezes, até agressão," alertou.
Ela recomenda que os pais estejam sempre
atentos e procurem compreender, conversar e passar mais tempo com os
filhos para entender se o problema se trata de tristeza ou se há
indícios de depressão. "É importante que os
pais reduzam o tempo gasto nas telas e dediquem mais atenção
aos seus filhos. Se encontrarem dificuldades, não hesitem em
buscar ajuda como em grupos de apoio. Essas redes de suporte facilitam
a comunicação e a compreensão," sugere a psicóloga.
* colaborou Elaine Rodrigues Vale
Fonte: https://www.estadao.com.br/emais/carolina-delboni/saude-mental-na-adolescencia-reconhecendo-a-diferenca-entre-tristeza-e-depressao/
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