Somos ensinados a cuidar do corpo,
da saúde de cada órgão, cada membro. Mas
por que será que ninguém nos ensina a cuidar das
emoções? A exercitar cada músculo de cada
dor e cada alegria?
A gente precisa começar a exercitar
a musculatura das emoções, assim como a gente exercita
o corpo físico. E a gente precisa deixar que nossas crianças
e adolescentes façam o mesmo. Eles estão crescendo sem
a possibilidade de se relacionar com a angústia, o medo, a dor,
a saudade, a tristeza. E não saber lidar com as emoções
gerar muita - mas muita - ansiedade, às vezes dá até
depressão. Deu para entender o que estou querendo dizer?
Recentemente, o Estadão publicou uma matéria com dados
divulgados pelo Ministério da Saúde com o seguinte título:
Internação de jovens e adolescentes em caso de ansiedade
e estresse crescem 136% em dez anos. Dez anos, estamos falando de mudanças
que começaram há uma década. Ou seja, não
é tudo fruto da pandemia. Ainda que ela tenha agravado e acelerado
índices que já estavam crescendo. Basta ver o complicado
do IBGE de 2020, analisando os últimos 10 anos do PenSe, Pesquisa
Nacional de Saúde Escolar. Ali, já tínhamos pistas
do que estava por vir.
E a relação com as telas, as redes sociais? Também
se intensificou na pandemia onde a única opção
de relacionamento e socialização era através dos
quadradinhos. Só que a gente não conseguiu - e não
soube - sair desse buraco quando a vida voltou a acontecer fora de casa.
Estava cheio de adolescentes e jovens com fobia social. Outros, voltaram
às escolas agressivos. Perderam - ou não tiverem oportunidade
de exercitar - a sociabilidade. Perderam também as inúmeras
possibilidade de sentir as emoções fortes que só
a adolescência é capaz de proporcionar. Os pais, as famílias
também ficaram mais conservadoras para tudo. Parece que o medo
tomou conta da vida e os pais resolveram poupar os filhos ainda mais.
E deixar com que a vida continuasse a acontecer atrás das telas
pareceu a solução mais segura.
Deixa que eu faço por você, deixa que a mamãe vai
na escola resolver por você. Deixa que eu vou na tua faculdade
saber o que tá acontecendo. Deixa que eu sinto por você.
Eu até desejo por você. Filho, eu resolvo.
Estamos diante de uma geração de pais superprotetores
que beiram a neurose. Estamos diante de uma geração de
crianças e adolescentes que pouco tem a possibilidade de desejar.
Pouco exercita os desejos da vida. Porque quando eles esboçam
um "querer", rapidamente a vontade é atendida.
A médica americana Tracy Dennis-Tiwary declarou, numa entrevista
ao podcast Raising Good Human, que "quando a gente super
interpreta um sentimento ou emoção natural da criança
ou do adolescente como se ali houve um problema, começamos a
agir de maneira inadequada frente aos eventos da vida. E a mensagem
que isso passa aos filhos é extremamente perigosa".
Bom, soma-se a este cenário nossa obsessão pelo sucesso,
pelo melhor. Tem sempre que ser melhor, senão você não
terá chances. Melhor no trabalho, melhor na saúde (física
e emocional), na aparência, no status. Só que essa nossa
mania de ser melhor está nos deixando doente. E está levando
uma geração todinha de crianças e adolescentes
junto. Ou não deu pra perceber ainda?
Crescer sem poder experimentar as emoções, sem poder lidar
sozinho com as pedras no caminho (no melhor dos clichês), gera
uma ansiedade danada. Às vezes, dá até tristeza.
Alguns deprimem quando se deparam com a incapacidade de lidar com as
próprias emoções, com a própria vida. E
isso coloca crianças e adolescentes no que a gente chama de vulnerabilidade
emocional.
Isso, eles estão todos vulneráveis emocionalmente. E a
culpa, ou responsabilidade, não é só das telas.
É nossa também. Que temos privado crianças e adolescentes
da vida saudável, da vida de altos e baixos, da vida das emoções.
E quando eles se deparam com ela, se angustiam. Sentem-se ansiosas,
outros depressivos.
Deu pra entender? Enquanto não entendermos que somos parte do
problema, não vamos buscar soluções para ele. Vamos
ficar entupindo as redes e as mídias de dedos apontados ao uso
excessivo de telas. O que nos cabe? Como é que estamos educando
nossas crianças e adolescentes? Por que tanto medo de deixar
com que eles se frustrem, chorem, não tenham o que querem, não
ganhem sempre?
A vida não é feita de medalha de participação
a todo pequeno feito. A vida aperta e afrouxa e se não tirarmos
essas crianças e adolescentes da bolha em que colocamos, as manchetes
das mídias vão piorar. Os dados e os números serão
cada vez mais drásticos e a gente vai colapsar com uma geração
inteirinha. Inteirinha.
É urgente nos olharmos no espelho com mais cuidado e autocrítica.
Não dá para ficar lendo matérias de adolescente
e jovens adoecendo, muitos tirando a própria vida, e continuar
só compartilhando em grupos de whatsapp. Vivemos a era das epidemias
e ainda não nos demos conta que o melhor remédio é
a gente mesmo quem produz.
Eu lembrei aqui da frase do escritor Guimarães Rosa que ele diz:
"todo abismo é navegável com barquinho de papel".
O abismo a gente já encontrou. Precisamos agora fazer os barquinhos
de papel. Simplificar o que complicamos. A gente tá precisando
de mais gentileza e afeto.
Fonte: https://www.estadao.com.br/emais/carolina-delboni/e-preciso-exercitar-as-emocoes-assim-como-se-exercita-o-corpo-fisico/
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