Espiritualidade e Sociedade



Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti

>    O mundo invisível: cosmologia, sistema ritual e noção de pessoa no espiritismo

Artigos, teses e publicações

Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti
>  O mundo invisível: cosmologia, sistema ritual e noção de pessoa no espiritismo

 


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COMEÇO DA APRESENTAÇÃO



O Espiritismo, ressalvada a contribuição de alguns autores (ver o capítulo I), tem recebido pouca atenção dos estudiosos da religião. Concorrendo com os “traços espíritas” para o “sincretismo” que teria dado origem às religiões afro-brasileiras1, e tendo em comum com estas a crença em Espíritos e a mediunidade – a afirmação da relação entre homens e Espíritos –, sua particularidade é dificilmente percebida.

Este livro propõe-se a estudar o Espiritismo como um sistema religioso, um sistema de crenças e práticas que se inclui no quadro maior de religiões mediúnicas. Com base na seleção de grupos específicos, seu objetivo central é a apreensão e discussão das categorias e representações que constituem essa experiência religiosa e dos valores culturais a ela relacionados. Nessa perspectiva a percepção da construção da noção de pessoa no Espiritismo se apresenta como um fio condutor e como uma pista particularmente esclarecedora da experiência do transe e da mediunidade nessa religião.

Desde Durkheim os estudos antropológicos sobre religião indagam-se sobre a relação que esta mantém com a sociedade. Gostaria de dizer algumas palavras acerca da maneira pela qual essa relação é pensada aqui.

A dicotomia que se estabelece entre a religião e sociedade tem o perigo de fazer-nos tomar o religioso e o social como realidades excludentes que implicam a percepção dos sistemas religiosos como expressões ou traduções de outras realidades mais básicas – a trajetória de vida, a posição de classe, a rede social e, em suma, a estrutura e organizações sociais mais abrangentes. A perspectiva que esse trabalho adota é a de que o social se constitui da particularidade dos aspectos sob os quais o apreendemos (o jurídico, o político, o religioso, o econômico etc.), da articulação desses múltiplos planos, cada um dos quais possui sua especificidade (Mauss, 1978 e Lévi-Strauss, 1976). Assim, de um lado, o “religioso” é em si mesmo “social” e, de outro, a reflexão sobre a inter-relação entre o religioso e os outros domínios sociais supõe a apreensão da particularidade desse primeiro domínio.

Evidentemente uma religião existe no mundo, é influenciada por eles e seus adeptos, no seu dia-a-dia, atravessam diversos domínios da sociedade. Este trabalho enfatiza contudo o fato de que religião não apenas “expressa” ou “traduz” outras realidades, como é também uma matriz de produção de valores, de maneiras de pensar e se relacionar com a realidade social mais abrangente (Geertz, 1980 e Weber, 1967).2 Sem pretender negar a importância de um estudo que reflita especificamente sobre a articulação entre o Espiritismo e a sociedade brasileira, este estudo pretende apreender a particularidade do sistema religioso espírita enquanto tal. Sua tentativa é perceber no Espiritismo a construção de uma determinada matriz de leitura e experiência do social. Nesse movimento sugerem-se algumas pistas para a reflexão acerca da maneira pela qual esse sistema articula com a realidade social envolvente.

O primeiro capítulo procura demarcar o objeto da pesquisa em vários planos. Discuto inicialmente a questão dos limites do Espiritismo como um sistema próprio a partir da literatura existente sobre o assunto, formulando nesse contexto minha opção de pesquisa. Apresento o trabalho de campo e o universo social pesquisado. Examino algumas características e conceitos básicos do Espiritismo, bem como a interpretação que estudiosos do assunto conferiram a eles. Apresento finalmente o Movimento Espírita, indicando sua complexidade e situando os grupos pesquisados em seu interior.

O segundo capítulo define a perspectiva teórica e metodológica adotada e analisa os princípios centrais da cosmologia espírita.

O terceiro capítulo procede a uma breve etnografia do centro espírita pesquisado. Inicia também a discussão do sistema ritual espírita, através do exame da classificação dos agentes rituais no centro e de três categorias com os quais os espíritas distinguem as diferentes sessões que realizam: a mediunidade, o estudo e a caridade.

O quarto capítulo detém-se na análise da mediunidade. Sua proposta é ver a experiência da mediunidade e do transe no Espiritismo a partir da concepção da pessoa nessa religião. Discuto parte da literatura antropológica que aborda o transe e a possessão. Examino a seguir as concepções da mediunidade como dom e exercício, a comunicação espiritual e a comunicação espírita.

As conclusões retomam a questão da relação entre Espiritismo e Umbanda e a representação espírita da pessoa.

 


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