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COMEÇO DA APRESENTAÇÃO
O Espiritismo, ressalvada a contribuição
de alguns autores (ver o capítulo I), tem recebido pouca atenção
dos estudiosos da religião. Concorrendo com os “traços
espíritas” para o “sincretismo” que teria
dado origem às religiões afro-brasileiras1, e tendo
em comum com estas a crença em Espíritos e a mediunidade
– a afirmação da relação entre homens
e Espíritos –, sua particularidade é dificilmente
percebida.
Este livro propõe-se
a estudar o Espiritismo como um sistema religioso, um sistema de crenças
e práticas que se inclui no quadro maior de religiões
mediúnicas. Com base na seleção de grupos específicos,
seu objetivo central é a apreensão e discussão
das categorias e representações que constituem essa
experiência religiosa e dos valores culturais a ela relacionados.
Nessa perspectiva a percepção da construção
da noção de pessoa no Espiritismo se apresenta como
um fio condutor e como uma pista particularmente esclarecedora da
experiência do transe e da mediunidade nessa religião.
Desde Durkheim os estudos antropológicos
sobre religião indagam-se sobre a relação que
esta mantém com a sociedade. Gostaria de dizer algumas palavras
acerca da maneira pela qual essa relação é pensada
aqui.
A dicotomia que se estabelece entre
a religião e sociedade tem o perigo de fazer-nos tomar o religioso
e o social como realidades excludentes que implicam a percepção
dos sistemas religiosos como expressões ou traduções
de outras realidades mais básicas – a trajetória
de vida, a posição de classe, a rede social e, em suma,
a estrutura e organizações sociais mais abrangentes.
A perspectiva que esse trabalho adota é a de que o social se
constitui da particularidade dos aspectos sob os quais o apreendemos
(o jurídico, o político, o religioso, o econômico
etc.), da articulação desses múltiplos planos,
cada um dos quais possui sua especificidade (Mauss, 1978 e Lévi-Strauss,
1976). Assim, de um lado, o “religioso” é em si
mesmo “social” e, de outro, a reflexão sobre a
inter-relação entre o religioso e os outros domínios
sociais supõe a apreensão da particularidade desse primeiro
domínio.
Evidentemente uma religião
existe no mundo, é influenciada por eles e seus adeptos, no
seu dia-a-dia, atravessam diversos domínios da sociedade. Este
trabalho enfatiza contudo o fato de que religião não
apenas “expressa” ou “traduz” outras realidades,
como é também uma matriz de produção de
valores, de maneiras de pensar e se relacionar com a realidade social
mais abrangente (Geertz, 1980 e Weber, 1967).2 Sem pretender negar
a importância de um estudo que reflita especificamente sobre
a articulação entre o Espiritismo e a sociedade brasileira,
este estudo pretende apreender a particularidade do sistema religioso
espírita enquanto tal. Sua tentativa é perceber no Espiritismo
a construção de uma determinada matriz de leitura e
experiência do social. Nesse movimento sugerem-se algumas pistas
para a reflexão acerca da maneira pela qual esse sistema articula
com a realidade social envolvente.
O primeiro capítulo procura
demarcar o objeto da pesquisa em vários planos. Discuto inicialmente
a questão dos limites do Espiritismo como um sistema próprio
a partir da literatura existente sobre o assunto, formulando nesse
contexto minha opção de pesquisa. Apresento o trabalho
de campo e o universo social pesquisado. Examino algumas características
e conceitos básicos do Espiritismo, bem como a interpretação
que estudiosos do assunto conferiram a eles. Apresento finalmente
o Movimento Espírita, indicando sua complexidade e situando
os grupos pesquisados em seu interior.
O segundo capítulo define a
perspectiva teórica e metodológica adotada e analisa
os princípios centrais da cosmologia espírita.
O terceiro capítulo procede
a uma breve etnografia do centro espírita pesquisado. Inicia
também a discussão do sistema ritual espírita,
através do exame da classificação dos agentes
rituais no centro e de três categorias com os quais os espíritas
distinguem as diferentes sessões que realizam: a mediunidade,
o estudo e a caridade.
O quarto capítulo detém-se
na análise da mediunidade. Sua proposta é ver
a experiência da mediunidade e do transe no Espiritismo a partir
da concepção da pessoa nessa religião. Discuto
parte da literatura antropológica que aborda o transe e a possessão.
Examino a seguir as concepções da mediunidade como dom
e exercício, a comunicação espiritual
e a comunicação espírita.
As conclusões retomam a questão da relação
entre Espiritismo e Umbanda e a representação espírita
da pessoa.
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